Ministro escreve carta ao padre David Ângelo Leal

Caríssimo Padre David, meu tio, padrinho e amigo.

São passados quatro meses da sua partida para a casa do Pai. Nós, a multidão de seus amigos, parentes, beneficiários, ex-alunos e ex-paroquianos sentimos o imenso pesar pela sua ausência definitiva. Sabemos que a vida neste espaço sublunar é uma mera passagem, mas sempre ficamos inconformados quando pessoas especiais deixam este mundo, na linha irreversível da finitude da existência. Ficamos menores, sofrendo o vazio impreenchível de sua presença tão importante para nossas vidas.

Tinha pouco mais de três anos de idade quando seu nome veio ao meu conhecimento. Era agosto de 1946 e presenciei, na casa da minha avó, a construção de um salão aonde você celebraria a sua Primeira Missa na Caiçara. A família estava exuberante com a chegada do novo sacerdote. Em data de que não me recordo, você esteve presente como padrinho na celebração da minha crisma. Em 17 de outubro de 1951 recebi de suas sagradas mãos o sacramento da primeira eucaristia. Fui por muitos anos seu coroinha, ajudando em todas as missas celebradas na capela da nossa histórica Caiçara. Em 19 de março de 1967 tive a imensa felicidade de vê-lo no altar do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Fortaleza, celebrando o meu casamento com Nazaré. Em todos os meus sacramentos você estava presente.

Acompanhei sua trajetória, seja como mestre da Língua Portuguesa, seja como pastor de almas. Sua caminhada pelas estradas de Deus ao longo de quase sessenta anos, pregando a Palavra em várias paróquias e ensinando em colégios, há de ser contada em livro para perpetuar a ação de uma das mais extraordinárias personalidades da vida religiosa e cultural do Piauí.

Nas paróquias de Jaicós, Picos, Oeiras, Pio IX e Floriano você deixou a marca de sua brilhante passagem como sacerdote caridoso, humilde e dedicado ao rebanho de fiéis, com destaque de sua predileção pelos pobres. Em todos esses lugares, os indigentes faziam imensas filas nos patamares das igrejas, aguardando a sua passagem para, cada um, receber esmola de suas mãos caridosas. Em razão dessa visão despojada, nunca dispôs de qualquer bem material, nunca sequer teve um carro.

Várias gerações ainda guardam seus cadernos com as anotações de suas inigualáveis aulas de Língua Portuguesa que você ministrou no Ginásio Municipal de Oeiras e no Ginásio Municipal de Picos. Seus alunos, graças aos seus preciosos ensinamentos da língua pátria, tiveram sucesso em suas profissões. São exemplos, dentre tantos, os Desembargadores Edvaldo Moura e Raimundo Eufrásio, ambos com acento no Tribunal de Justiça do Piauí.

A Caiçara, terra dos seus ancestrais, onde nasceu no ano de 1.922 e para onde retornou para viver os últimos anos de vida enfrentando com resignação uma longa enfermidade, foi sempre o centro de suas atenções durante todo o seu ministério sacerdotal. Lembro-me do carinho que você dispensava a toda a sua parentela e à pobreza que povoava aquela região, sempre castigada por secas calcinantes. Suas palavras de estímulo, proferidas durantes os sermões ou em atendimentos pessoais,  davam alento aos que buscavam amenizar sofrimentos. Seu imenso coração era refúgio para muitos corações angustiados.

Agora já não mais ouviremos sua voz amiga. A Capela de Nossa Senhora da Conceição na Caiçara, as igrejas das diversas paróquias onde você pontificou ao longo de seis décadas, as Dioceses de Picos e Oeiras, a imensa comunidade de fiéis que seguiam seu ministério sacerdotal, todos nós, seus discípulos e admiradores, já não mais ouviremos sua voz mansa, marcada pela firmeza e pela intransigência na defesa dos princípios morais e cristãos. Ficamos órfãos e menores após a sua partida. Interceda por todos nós, querido Padre David, junto ao Supremo Pai!

Por Vicente Leal de Araújo, ministro aposentado do STJ e advogado.