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Jornalistas testam homofobia em Teresina e mostram reação nas ruas

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[ad#336×280]Um casal de mãos dadas andando durante o dia nas ruas de uma cidade nordestina. A cena parece apenas romântica, banal e recorrente. Mas não é porque, dessa vez, os dois têm o mesmo sexo e a cidade palco para o experimento jornalístico é tida como uma das mais intolerantes aos gays segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

A cada passo, um olhar, risos constrangidos, expressões de susto e até de nojo: “Namorar tudo bem, mas andar de mãos dadas é demais”, disse um transeunte. O casal, formado por dois homens, percorreu o Centro e um dos shoppings de Teresina durante cerca de quatro horas na manhã da última quarta-feira, 16.

Os jornalistas do O Olho, Nataniel Lima e Vitor Sousa, encararam a missão de mostrar como a população convive no espaço público com casais homossexuais. Uma sociedade mais tolerante ou mais hipócrita? Olhares de admiração ou de repulsa? Confira no vídeo e no depoimento dos jornalistas.

 

O EXPERIMENTO

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Experimento russo inspirou video feito no Piauí / Foto: Reprodução Youtube

O experimento do O Olho foi inspirado no vídeo publicado pelo canal no YouTube ChebRussia TV, que decidiu fazer uma espécie de teste da homofobia na Rússia, país conhecido pela forte intolerância – inclusive institucional – a casais gays.

Com uma câmera escondida, foi gravado o passeio de dois homens de mãos dadas pelas ruas de Moscou e o resultado foram muitos insultos, palavrões e até agressões. Clique aqui e veja o vídeo russo. Em outra reportagem gravada com câmera escondida, dois radialistas da BBC saem nas ruas de mãos dadas e sentem na pele o preconceito que ainda existe contra homossexuais. Veja o vídeo aqui.

Em Teresina, a matéria contou com três jornalistas e o motorista da equipe, que caminhava à frente do grupo com uma câmera escondida acoplada na mochila. Nesta sexta-feira, 18, será publicada a segunda parte da reportagem.

A caminhada, sempre de mãos dadas, aconteceu nos pontos mais movimentados do Centro da capital, além da passagem por um shopping localizado na zona Leste da cidade, tida como região nobre.

Veja vídeo:

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O QUE OS JORNALISTAS SENTIRAM

Nataniel Lima

Mamãe e papai não sabem que sou gay. Optei em fazer esse experimento como jornalista, mas, ao chegar da rua, decidi falar como um homossexual. Afinal, vivo isso há 22 anos. Me chamo Nataniel Lima, nasci em 1992, estudo Jornalismo e trabalho há dois anos na área.

Era mais uma manhã ensolarada em Teresina. Como qualquer outra. Exceto por um detalhe: dois jornalistas decidem viver na pele o que é o preconceito e a discriminação que um gay passa todos os dias. Inclusive eu.

Nataniel e Vitor testam a homofobia nas ruas de Teresina (Foto: Reprodução/ Youtube)

Ainda no carro da produção, perguntei para o meu colega jornalista: “Nervoso?”. Ele disse que sim. Respondi dizendo que também estava – ora, sou gay, mas nunca andei com nenhum homem de mãos dadas na rua. convivo com isso desde que sou criança. Sim, desde minha infância sofro bullying  por conta da minha sexualidade.

DE MÃOS DADAS COM O VIAJANTE
Vitor, que é heterossexual, hora ou outra me olhava com cara de espanto pela reação facial – digo, covarde – das pessoas. Eu apenas o olhava como quem diz: “Bem vindo. Vivo isso diariamente”.

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Não fomos atacados verbalmente como eu e meus colegas já fomos em outros ocasiões. Talvez porque nosso porte físico intimidasse um pouco ou por não termos gravado esse vídeo durante a noite, onde motivados pelo álcool e a inibição das festas, muitos revelam lados mais agressivos, especialmente contra minorias. Sei disso porque a maioria dos crimes cometidos contra homossexuais não ocorrem à luz do dia.

Durante o experimento, pensei que se cada pessoas tivesse a mesma experiência, talvez pensassem duas vezes antes de tirar uma brincadeira com um homossexual. Por menor que seja, dói. Acredite.

Algumas moças tiram “brincadeiras” com o casal (Foto: Reprodução/ Youtube)

As mãos tremiam ao passar por um grupo de homens. Será que eles nos atacarão? Seremos mais uma estatística de casos de homossexuais mortos? Não conseguia ouvir sequer o barulho dos motores, das pessoas. Sentia a pulsação do coração do Vitor pela palma da mão dele e sentia meu peito bater cada vez mais forte. O medo em ser atacado era grande.

Ser homossexual é diferente de viver como um. Sou, mas não vivo como deveria. Tenho medo de dar algum gesto de carinho para quem gosto e ser processado por atentado ao pudor. De andar de mãos dadas e ser espancado. De escrever um post no Facebook e ser criticado. Admiro aqueles que não têm esse medo e dão a cara a tapa, mesmo com as pessoas negativas, conseguem viver felizes.

No percurso, as ruas eram como as passarelas, a plateia eram as pessoas e as palmas as vaias, xingamento, olhares tordos, o preconceito, a discriminação… Tudo que você tem, eu tenho. Tenho olhos, boca, nariz, braços, pernas, inclusive sentimentos. Dói olhar nos olhos de alguém e ser desprezado. Dói passar e ser xingado. Dói não ser compreendido. Vitima? Não sou. Nem quero ser. Aprendi desde cedo a lutar pelo o que é meu.

Provocação de vendedor ambulante nas ruas da capital piauiense (Foto: Reprodução/ Youtube)

MÃE, PAI, SOU GAY!
E foi justamente por isso que até hoje não tinha revelado para meus pais que eu era gay. Porque consigo enfrentar o mundo sozinho. E ainda consigo. Isso me fez forte. Me fez mais homem. Quantas vezes cheguei em casa chorando por um relacionamento que acabara. Quantas vezes quis dicas do meu pai para “chegar” em alguém. Quantas vezes tive que ir até minha melhor amiga porque não tinha coragem de deitar no colo dos meus pais e chorar.

Vivi coisas que minha mãe nem sonha, e está sabendo agora. Quando era estagiário na secretaria estadual de Administração, por inúmeras vezes, era assediado por motoqueiros e motoristas do trabalho até a parada de ônibus. Muitos paravam o carro ao meu lado e me chamavam para “transar”. Quantas vezes tive que correr? No ônibus, as lágrimas desciam.

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Mas, antes de chegar em casa, eu sempre secava as lágrimas e fingia que nada tinha acontecido. Quantas vezes quis chorar no colo da minha mãe, pedir conselhos para meu pai. Mas, como? Não podia. Não conseguia. Não sabia como.

Jornalistas enfrentam o dia de mãos dadas, como um casal homossexual (Foto: Reprodução/ Youtube)

Não queria deixá-los preocupados. Sabia que eu tinha forças para superar aquilo. Que merecia superar e ia. E hoje, além de superar todos os meus medos, me sinto forte o bastante para assumir para os meus pais o meu verdadeiro eu. Quem sou de verdade. Mãe, pai, sou gay.

Ser gay, como já dizia Alípio de Sousa Filho no artigo “Teorias sobre a gênese da homossexualidade”, não quer dizer que eu tenha um gene, um pedaço do cérebro, hormônios, um instinto congênito ou adquirido a menos ou a mais que as outras pessoas. Sou alguém normal! Que tem gosto semelhantes aos demais.

(Reprodução/ Youtube)

Vitor Sousa

Tenho 22 anos, estudo jornalismo, sou hetero e sou solteiro. Segurar a mão do meu colega de trabalho e interpretar junto com ele um casal gay, não foi fácil. Mas só fiz isso por um curto tempo, e senti na pele o que Nataniel  e tantos outros precisam suportar desde que começaram a entender que ser “diferente” não é tão normal, como pregam.

As preocupações eram maiores no sentido de sofrer alguma agressão física, e só quando sentamos em um banco do canteiro central da avenida Frei Serafim, para tomar coragem e começar a caminhar, me dei conta do peso do medo que sentia. Tínhamos que dar as mãos apenas por algumas horas, enquanto passeávamos, um gesto muito simples, que não carregava peso algum quando eu o fazia com minha antiga namorada.

Mas ali não, eram dois homens, e se incomodava a mim, pensar que algo de ruim pudesse acontecer, mesmo sabendo que tudo não passava de uma simulação, imagine para duas pessoas que se amam, não poderem manifestar um gesto tão simples de carinho, em público, por temer represálias por serem do mesmo sexo.

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CORAGEM PARA COMEÇAR
“Vamos lá”, me disse o Nataniel. Era hora de começar. Minha cabeça estava longe, lembrava de quando era bem mais novo, e amigos faziam comigo o que hoje chamam de bullying. Zoavam minha forma de caminhar, e me chamavam de “viado”, eu ria e entrava na brincadeira algumas vezes, mas em outras pegavam tão pesado que eu me isolava e até chorava.

Gesto simples de afeto, feito em público, carrega medos e tensões para casais gays ( Foto:Reprodução/ Youtube)

Mas não parava por aí, muitas vezes até meus tios faziam as mesmas brincadeiras sem graça. Eu não levava as “namoradinhas” em casa, como meus primos. Eu nem era assim tão popular com as garotas da minha idade, mas não era só essa a questão, sempre fui tímido em relacionamentos. Só aos 20 anos, quando levei pela primeira vez a namorada para conhecer minha família – e nós ainda nem tínhamos algo sério – me senti aprovado.

Mas eu estava falando do experimento, e foi desse meu orgulho hetero que lembrei ao começa-lo. O nervosismo era evidente. Minha mão estava gelada, e suando. Não lembrava nem mesmo como se caminhava – depois de afastar o pé direito para frente, faço o quê? – não sabia onde posicionar a outra mão. As pessoas estão me olhando, como reajo? E os primeiros olhares vieram nos metros iniciais, sempre eram voltados primeiro para as mãos, depois aos nossos rostos. Algumas agiam naturalmente, já em outras era fácil perceber a expressão de negação.

Leia também: “Alguns casais não requerem a adoção por medo do preconceito”, diz Marinalva Santana

“OLHAVAM PRIMEIRO PARA AS MÃOS”
Em apenas um momento fizeram piadas na nossa frente, “olha aí jovens, troca, vende, compra”, disse um vendedor ambulante, em tom de deboche, enfatizando o “troca”, mostrando alguns produtos na mão. Na hora confesso que não entendi, Nataniel que me alertou quanto ao teor do comentário. No mais as risadas e cutucadas em colegas vinham depois que passávamos. Em quase todo o trajeto os atos das pessoas se repetiam.

Jornalistas alegam terem se sentido observados, analisados e julgados em todo o percurso (Foto: Reprodução/ Youtube)

Olhavam primeiro para nossas mãos, depois para nossos rostos. Alguns riam, outros se mostravam assustados. Um senhor passou por nós, repetiu o movimento com a cabeça feito por muitas outras pessoas, e fez uma cara de reprovação, ou até mesmo de como se sentisse nojo do que via.

Depois de três horas no Centro fomos ao shopping. Era por volta de meio-dia, horário tradicional de almoço, mas lá não estava muito cheio. Não raro encontro conhecidos ao passear pelo mesmo local. Temia o que pudesse acontecer. Foi o espaço mais tranquilo por qual passamos, as pessoas pouco nos olhavam. Escutamos apenas um comentário, baixinho: “Namorar tudo bem, mas andar de mãos dadas é demais”.

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Lembrei de quando expliquei para minha mãe, um dia antes de executar a pauta, que andaria de mãos dadas com um colega de trabalho, para testar a homofobia em Teresina, e depois de um silêncio ela fez algumas perguntas de como seria, nenhuma me recriminando, mas entre elas uma que me chamou a atenção, feita com um sorriso entreaberto: “E se você ver algum conhecido, como vai fazer? Vão dizer, olha ali menino, o filho da Socorro, o que anda fazendo”.

Na hora eu não soube responder, nem mesmo eu saberia qual seria minha reação. Mas agora posso explicar para minha mãe, assim como para qualquer outra pessoa que tivesse nos visto. Eu estava tentando mostrar que duas pessoas que se gostam podem sim, e têm o direito de manifestar seu carinho em público. Não é errado. Nataniel disse que mesmo sendo gay, nunca havia andado dessa forma. Eu que sou hetero, talvez nunca tivesse percebido que muitas coisas que faço de forma espontânea, seja um verdadeiro drama para quem não é.

Charge de Jônatas Almeida simboliza combate à homofobia

O ÓDIO AOS LGBT’s MATA

De acordo com um levantamento feito pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em termos relativos, as chances de ocorrer um homicídio com motivação homofóbica na Paraíba e no Piauí estão acima da média nacional. Enquanto no Brasil, os LGBT assassinados representam 1,6 de cada um milhão de habitantes, nos dois Estados nordestinos a proporção salta para 4,5 (PB) e 4,1 (PI). Os dados são de 2014.

Charge de Dino Alves retrata morte da travesti Makelly, em Teresina

Em alguns casos, o ódio ao diferente pode matar. Foi o caso do assassinato da travesti Makelly Castro, morta na madrugada do dia 18 de julho de 2014, no Distrito Industrial, zona Sul de Teresina. A vítima foi encontrada morta na rua, sem roupa e com sinais de enforcamento.

Um ano após o crime o professor universitário Luís Augusto Antunes foi preso, acusado de ser o autor da morte de Makelly. O caso ainda está sendo investigado pela polícia.

Seja um casal de meninos na rua, seja uma linda e voluptuosa travesti ou ainda duas senhoras que se beijam na novela: todos somos diferentes e iguais e ninguém deve ser julgado por isso. Só não enxerga quem não quer.

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Fonte: OOlho

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