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SUPERAÇÃO | O craque de muleta da periferia que dribla o preconceito via futebol

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Quem passa quase todas as tardes pelo único campo de futebol da Vila Santa Bárbara, extrema periferia Leste de Teresina, nota que há uma pessoa “diferente” no meio dos peladeiros.

Entre jovens, adultos, barrigudos, grandes, magros, feios e bonitos, o destaque é justamente para o maior goleador da turma. Ele é diferente porque fez mais gols que o ídolo Messi este ano e também por ter maior média de golaços em uma partida do que qualquer jogador profissional.

A muleta “especial” do estudante Cassiano Gomes da Silva, 18 anos, o torna destaque entre os peladeiros no “poeirão” da Vila Santa Bárbara e um craque contra o preconceito aos deficientes físicos.

“Poeirão” da Vila Santa Bárbara (periferia Leste de Teresina) é palco de atuação de Cassiano. Foto: Orlando Berti/O Olho

O campo amplo (praticamente com tamanhos oficiais) tem pouca grama. Há muito mato ao redor e poeira na região central. Mas as condições não abalam os peladeiros. Nem mesmo o lixão nas proximidades de uma das traves (quase sempre cercado de fumaça) não afasta os amantes do futebol.

Durante quatro dias da semana, entre aproximadamente 16h45 e 17h50 o principal peladeiro do campo é o estudante.

Driblador a la Messi. Em todos os jogos faz mais gols que o ídolo argentino. Foto: Orlando Berti/O Olho

Ele, com sua muleta de ferro, é tratado como qualquer jogador. E age como um jogador mesmo, destacando-se pelos dribles e gols. Cassiano revelou que tem uma muleta especial para partidas de futebol. A muleta para a prática de esportes é mais pesada que a do dia a dia. A justificativa é que como ele corre muito, dribla muito e faz muito esforço a de ferro aguenta mais o pique.

Como o campo nos dias de semana é frequentado por poucas pessoas os jogos ocorrem apenas em uma trave, com times de quatro jogadores, no famoso esquema de parelha.

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O time que fizer dois gols primeiro elimina o adversário. Entra mais um time de quatro jogadores. No dia em que a reportagem acompanhou a pelada o time de Cassiano ganhou todas as partidas. Ele fez vários gols. Foram de cabeça, de pênalti, de cavadinha e até gol de muleta. “É difícil eu usar a muleta para chutar”, disse.

O craque de muleta só arreda o pé do campo quando chega o horário de ir para a escola. Foto: Orlando Berti/O Olho

Cassiano só pediu para sair de campo quando chegou próximo ao horário de tomar banho e ir para a escola. Ele é assíduo frequentador do 2º ano noturno do ensino médio da Escola Camilo Filho, na Zona Leste de Teresina. “Primeiro os estudos, depois vem o futebol”, falou.

COMO O FUTEBOL ENTRA NA VIDA DELE

Desde um ano e oito meses de idade que o estudante foi acometido de paralisia infantil. “Minha mãe esqueceu de dar a segunda dose da vacina e terminei ficando assim”, explicou, muito longe de estar com ar de revolta. A paralisia secou a perna direita de Cassiano Silva e o obrigou, desde então, a andar de muleta.

Rua em que reside Cassiano Silva na Vila Santa Bárbara. Sem calçamento, mas com gols. Foto: Orlando Berti/O Olho

Acostumado com o acessório ele vai para cima e para baixo. “Dança até forró”, revelou uma das tias.

Em vez de se isolar e achar que era um garoto diferente, Cassiano Silva encara a vida na maior normalidade. Anda, corre, brinca e só é “diferente” no campo de futebol, justamente por ser o maior goleador da turma e o jogador mais querido pelos peladeiros. “Aqui ninguém vai falar nada. Ele fala por si. Presta atenção no quanto esse ´cabra´ é especial”, falou um dos peladeiros.

O jogador mais querido entre os peladeiros do “poeirão” da Vila Santa Bárbara. Foto: Orlando Berti/O Olho

Cassiano Silva revela que joga bola desde criança, mas que sua vida de atacante só é depois de adolescente. Antes era goleiro. Inclusive, por usar a muleta tinha um diferencial a mais para poder pegar as bolas dos atacantes.

Mas sua fama de craque só foi revelada mesmo quando decidiu ser atacante. “Todo mundo me chama para jogar. Sempre faço mais de dois gols toda vez que jogo”. E ele não estava mentindo. Ao ser acompanhado pela reportagem de O Olho o atacante realmente fez dois gols e mostra-se como o mais querido no campo. Os colegas de pelada o chamam de “Cassigol”.

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Cassiano é palmeirense e tem como ídolo o goleiro Marcos. O estudante mora em uma rua sem calçamento, a menos de 200 metros do campo de futebol, na Vila Santa Bárbara (uma das mais pobres da zona Leste de Teresina). Ele reside com a madrasta, que é auxiliar de serviços gerais, e com um irmão, que também é estudante. Cassiano ainda tem outro irmão, mais velho, que atualmente está no Exército.

Passa parte do dia na casa de um tio (a menos de cem metros de distância), estudando, ouvindo música e preparando-se para as partidas de futebol. Quando chega no campo chama logo a atenção. Seus pedidos de escolha de time são praticamente uma ordem. E os peladeiros não dão trela para ele. É marcação cerrada e não o dispensam em nenhum momento das disputas de bola.

Momento de pênalti. Mais um gol de Cassiano. Sonho? Ser médico. Foto: Orlando Berti/O Olho

SONHOS DO JOVEM QUE TEVE PARALISIA INFANTIL COM MENOS DE 2 ANOS DE IDADE

Perguntado qual é o maior sonho, Cassiano Silva não vacila: “quero ser doutor”. Indagado, mais ainda, sobre o que está fazendo para atingir esse sonho, permanece enfático que está estudando muito.

O ídolo, contra o preconceito e contra todos os prognósticos contrários de que deficientes físicos não podem estar no meio de pessoas tidas como “normais” cai por terra ao ser conhecida a história do estudante.

Um artilheiro que briga pela bola, que luta no futebol e na vida. Foto: Orlando Berti/O Olho

Cassiano já é um doutor de história de vida e de superação. “Não quero ser exemplo para ninguém”, revelou.

Sobre discriminações disse só sofrer fora de sua comunidade, com algumas pessoas o olhando diferente, o achando um “E.T.”. “Já me importei mais, agora estou nem aí”.

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Muleta ajuda na sustentação. Diz faz poucos gols com ela. Foto: Orlando Berti/O Olho

Sobre casar, sei pai e ter filhos ele disse que é muito cedo, que ainda precisa viver. Revela que já teve algumas namoradas, mas que atualmente as metas principais são os estudos e, em segundo lugar, as partidas de futebol.

O rapaz “diferente” por ser craque é mais craque ainda no futebol e na superação. “Quem sabe a gente não forma uma seleção aqui no Piauí e vai para um paraolimpíada”, sonhou em voz alta Cassiano Silva. “Todo dia eu já treino”.

 

Fonte: O Olho

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