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Vida de luta: conheça a história dos gêmeos catadores no lixão que sonham em jogar no Flamengo

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Há dois anos, o OitoMeia encontrou dois irmãos gêmeos de 13 anos em situação de trabalho infantil, logo a extrema pobreza se fazia presente naquele espaço em que Vitor Matheus e Maycon Vinícius estavam presentes. O conteúdo jornalístico foi publicado em 12 de outubro de 2017, Dia das Crianças, e mostrou o quanto aqueles menores eram negligenciados pelo Estado e sociedade em geral.

Na época, o que os gêmeos faziam e ainda hoje fazem? Catam e selecionam lixo no aterro sanitário de Teresina, além de se exporem a uma dura realidade que nenhum pai ou mãe deseja ao filho. O OitoMeia retornou ao local na última semana e constatou que sol a sol, todos os dias, Vitor e Maycon fazem a parte deles para contribuírem com pelo menos R$ 50 para as despesas da casa e direitos básicos para qualquer criança e adolescente são deixados em segundo plano, como o acesso à escola, lazer e ao esporte.

Na primeira reportagem, os gêmeos revelaram o sonho de serem grandes judocas, mas o desejo pelo esporte não poderia ser concretizado porque eles não tinham o básico para irem às aulas gratuitas em uma escola pública do bairro. Nenhum deles tinha um quimono, vestimenta usada pelos atletas nas lutas. Naquele dia, ambos foram abordados pelo OitoMeia enquanto trabalhavam com a mãe e o padrasto na coleta de lixo.

A história de Vitor e Maycon teve certa repercussão e sensibilizou um empresário, este que preferiu manter a identidade em sigilo. Devido a isso, os irmãos foram presenteados, cada um, com um quimono e com uma viagem com todas as despesas pagas para um torneio internacional de judô em Fortaleza, capital cearense. Ambos participaram de uma competição oficial pela primeira vez. Não trouxeram medalhas para o Piauí, mas ficaram com a sensação de vitória por participarem da competição após vencerem tantos desafios.

FELIZ ANIVERSÁRIO!

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No dia 05 de fevereiro, os gêmeos completaram 15 anos e um almoço especial com creme de galinha e arroz substituiu o tradicional bolo, salgados e brigadeiros. O OitoMeia retornou àquela comunidade no bairro Santo Antônio, localizada a poucos metros do aterro, que não é tão sanitário assim, na zona Sul de Teresina. O repórter escalado para a nova reportagem, o mesmo de dois anos atrás, não esperava uma mudança significativa na condição socioeconômica daquela família, a menos que um milagre econômico a atingisse.

A permanência como catadores de lixo foi confirmada e ambos revezam o trabalho, no turno matutino, com a escola, no turno vespertino. Pela primeira vez, o repórter entrou na casa da família, singela, humilde, com mobília escassa (dois sofás velhos, uma TV de tubo, uma geladeira, alguns colchões e um cômodo cheio de lixo guardado). Sob tais condições insalubres ainda vivem os gêmeos, a mãe, o padrasto e a irmã caçula.

GÊMEOS NÃO SE VEEM NA UNIVERSIDADE

O dilema da família está além da pobreza financeira. O ponto alto diz respeito às mínimas chances de mobilidade social, assim como vários outros grupos familiares em situação de extrema pobreza que catam lixo para ter ao menos alguns ovos e arroz para comerem no almoço, tal como o OitoMeia observou durante à visita na casa dos gêmeos. E eles confirmaram que muitas crianças passam várias horas por dia no lixão.

Vontade de ganhar dinheiro e ajudar a família é mais urgente do que fazer planos para a universidade (Foto: Brito Jr./OitoMeia)

A administração do aterro não permite a entrada da equipe de reportagem, mas dá passe livre para adolescentes quando são autorizados pelos seguranças, segundo relatou um dos irmãos ouvidos. “Tem muita criança lá [no lixão], todo dia, em qualquer horário”, acusou Vitor Matheus. Em meio a essa realidade, só resta ao Piauí colecionar tristes relatos de jovens que não se veem em uma universidade, após os irmãos serem questionados sobre o que querem ser quando crescerem.

Na realidade política brasileira em que o ministro da Educação (Ricardo Vélez Rodríguez) diz que a universidade é apenas para uma elite intelectual, viver no contexto desses gêmeos é ter a perspectiva de que todas as portas sejam fechadas para uma boa educação.

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ESCOLINHA DO FLAMENGO

Então, buscar uma ascensão social por meio dos estudos dá lugar a ganhar algum dinheiro por meio de subtrabalhos ou no esporte, até porque ninguém sonha em ser catador de lixo. No caso dos gêmeos, o futebol e o judô, o que não é tarefa fácil, a menos que você tenha tempo sobrando para treinar e não precise se preocupar se a mãe e a irmã mais nova vai comer algo em pelo menos uma das três principais refeições diárias.

Mesmo assim, como sonhar custa nada, Vitor e Maycon revelam que, além do judô, conforme já exposto na primeira reportagem, ambos sonham em treinar da escolinha do Flamengo, que tem uma unidade em Teresina. Quando podem, participam de pequenos torneios na região onde moram. Como estão mais velhos, não podem mais jogar por um time da comunidade.

PRESENTEADO COM TÊNIS DO LIXÃO

As idas às peladas numa quadra de futsal acontecem sempre que os irmãos têm algum tempo à descontração. Além dos quimonos recebidos pelo empresário anônimo, um dos melhores presentes que já receberam foi um tênis de futebol society “seminovo” encontrado pelo padrasto no lixão onde trabalham. “Tem muita coisa boa que o pessoal joga no lixo e a gente aproveita”, contou Vitor Matheus, que ainda não teve a sorte de achar uma bola.

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Padrasto deu tênis encontrado no lixão para Vitor e Maycon jogarem futsal (Foto: Édrian Santos/OitoMeia)

Embora se espelhem no glamour dos gramados, os pés nos chão de terra batida continuam. Mais que dividir um campo com outros jogadores, mesmo adolescentes, os gêmeos querem mesmo é trabalhar formalmente. “Qualquer emprego está bom, até como ‘Jovem Aprendiz’”, afirmou Maycon Vinícius. Colocar a mão na massa não é um problema, mas não ter oportunidades dificulta os jovens sonhadores.

SEM BOLSA FAMÍLIA

OitoMeia questionou à mãe deles, de nome Maria Aparecida, se a família era assistida por algum programa governamental para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica, em qualquer uma das esferas (federal, estadual e/ou municipal). “A gente recebia o Bolsa Família, há muito tempo. Hoje não recebe mais”, disse, prometendo ir ao Centro de Atenção Social que atende o bairro após recomendação do repórter, até mesmo para emitir o documento digital Identidade Jovem (ID Jovem) aos gêmeos.

Quem também foi ouvido foi o professor de judô dos meninos, que confirmou a ausência deles nos treinos. Por outro lado, as faltas estariam atreladas à mudança dos irmãos e da mãe do bairro Santo Antônio para o conjunto habitacional Torquato Neto, também na zona Sul. Maria Aparecida explicou que invadiu um terreno no novo endereço, ergueu um barraco e sempre que possível dorme no local com os filhos.

Vitor, Maycon e a irmã de sete anos também mudaram de escola. Desde então, a vida deles se divide entre os bairros Santo Antônio, onde trabalham, e o Torquato Neto, onde estudam. Arriscado, mas necessário, é o fato de que a mãe transporta os três filhos, de uma vez só, numa motocicleta modelo Honda Pop. E aí se questiona: as oportunidades são as mesmas para todo mundo?

ESPECIALISTA COMENTA

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Para debater sobre as lacunas vividas pelos gêmeos e outras milhares de crianças e adolescentes piauienses, o OitoMeia conversou com o assistente social Rubens Dias, formado pela Universidade Federal do Piauí (Ufpi), atualmente aluno da Residência em Saúde da Família e Comunidade da Universidade Estadual do Piauí (Uespi). Ele acredita que a situação das principais fontes ouvidas nesta reportagem é muito comum nas grandes cidades.

Família de Vitor e Maycon não é beneficiada com programas de assistência social do governo (Foto: Édrian Santos/OitoMeia)

Rubens acredita que existem políticas públicas em Teresina para amenizar esse ciclo de pobreza e de pobreza extrema, mas alguns detalhes o Estado deixa passar e os mesmos fazem toda a diferença. Por exemplo, o formato da gestão, quadro efetivo de profissionais voltados à assistência social, financiamento para a área, ampliação, modernização e melhora no atendimento em locais como os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).

“Já é comprovado e não há nenhuma dúvida disso de que os determinantes sociais têm influência diretamente no processo de desenvolvimento psicossocial do ser humano. Se durante toda vida tive acesso à educação, habitação, lazer, esportes, postos de saúde, alimentação, renda, enfim, com certeza, a chance que terei de desenvolver as minhas potencialidades é bem maior”, comenta o assistente social, ressaltando algumas exceções, pois cada indivíduo tem as suas particularidades.

FAMÍLIA TRADICIONAL

Agora moradores de Teresina, os gêmeos são brasilienses e na cidade natal já viviam conflitos sociais bem pertinentes, quando a mãe se tornava alvo constante de agressões do ex-marido e pai dos três filhos (Vitor, Maycon e a irmã caçula). No Piauí, a vida mudou bruscamente e a partir do momento em que a mulher preferiu catar lixo a se submeter à violência cometida pelo então companheiro. Na realidade do Brasil, a violência, pobreza extrema e trabalho infantil são marcadores de um destino de poucas oportunidades para quem precisa enfrentar diariamente um cotidiano de lutas.

 

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Fonte: Oito Meia


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