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Picos: 127 anos de religiosidade, comércio, trabalho, lutas e dificuldades

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Ao edificar às margens do Rio Guaribas a Igreja de São José de Botas, em 1830, o fazendeiro Miguel Borges Leal constituía o núcleo de uma cidade para onde convergiriam pessoas das mais diferentes regiões brasileiras. Passados 127 anos desde a assinatura da Resolução n° 33, que garantiu a sua elevação a cidade, em 12 de dezembro de 1890 pelo Barão de Uruçuí, então governador do Piauí, Picos se mostra uma urbe marcada pela forte religiosidade popular e pela “pujança comercial” de empreendedores locais, muito trabalho e problemas seculares.

Em seu livro: “Picos, os verdes anos cinquenta”, o economista Renato Duarte chama atenção para aquele que talvez seja o principal motivo para que a cidade tenha se tornado um centro comercial.

“Pela sua localização, que fazia dela um centro de convergência de estradas de rodagem – por rudimentares que fossem naquela época – e de caminhos, e por estar situada em uma das áreas de maior potencialidade agropecuária do Piauí, a cidade sempre demonstrou uma nítida vocação comercial”, narra o autor sem esquecer a importância da feira livre de roupas e verduras, uma das maiores do Nordeste.

A Picos de 2017 é formada por pessoas que seguem as mais variadas religiões: Católica, Evangélica, Espírita, Umbanda e até o Budismo, segundo censo realizado pelo IBGE em 2010. É impossível negar que sua origem histórica está intrinsecamente ligada aos seus templos religiosos católicos. A Igreja de São José de Botas é um exemplo, depois rebatizada de Igrejinha do Sagrado Coração de Jesus, se tornaria um dos principais símbolos e cartões postais da cidade.

“Picos era uma fazenda de gado, cavalarianos vinham do Pernambuco e da Bahia, e eles se encantavam com o vale verde e aí a povoação começou nas proximidades da Igreja do Sagrado de Jesus, então ela nasceu de um povo trabalhador e também de um povo religioso. A Igreja foi erguida em honra de São José de Botas, uma referência aos vaqueiros e aos fazendeiros que habitavam a região”, narra a professora Oneide Rocha.

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No ano de 1948 o padre José Inácio de Jesus Madeira, se decidiu pela demolição da primeira Igreja Matriz erguida em 1871 pelo padre José Antônio Pereira Ibiapina, mais conhecido por Frei Ibiapina. Apesar de ter sido um acontecimento traumático, o Pe. Madeira não enfrentou oposição da população na época. Ele transferiu as imagens dos santos para as residências dos fiéis e em ritmo de mutirão ergueu o novo templo, adotando o estilo neogótico, prezando pela verticalização e fazendo da Catedral de Nossa Senhora dos Remédios, por duas vezes a 2° Maravilha do Piauí.

Além da forte religiosidade e do tino comercial a população picoense demonstraria logo cedo interesse pela política, marcada pelo acirramento e pela participação das chamadas “famílias tradicionais” que conseguiram se destacar nessa arena. Desde Clementino de Sousa Martins (1890-1892) primeiro intendente-municipal (prefeito), muitos nomes se destacaram na esfera política administrativa. Seja pelas realizações, trato com o eleitor, ou pelo número de vezes que geriram o município. Neste último item destacam-se o Coronel Francisco de Sousa Santos, por cinco vezes prefeito municipal, e Justino Rodrigues da Luz, que por seis vezes esteve à frente do município.

E muito mudou em mais de 100 anos de história, especialmente as tradições e hábitos de seus moradores, como as visitas, a segurança de dormir com a porta destrancada, sentar-se às calçadas a noite. Saudosismo é a palavra mais pertinente para acentuar o sentimento daqueles que testemunharam o fim de muitos costumes.

“Eu sinto saudades de tantas coisas, mas agora me lembrei do coreto da Praça (Félix Pacheco) de Picos e das retretas. A Banda de Música de Picos era um patrimônio e costumava ter retreta na praça às quintas-feiras à noite, e aos domingos. Linda a praça, tudo lavado, bem cuidado e os passeios, limpos. Era realmente uma praça, uma área de lazer onde as pessoas iam passear”, lembrou a professora Olívia Rufino que não esconde sua frustração com a descaracterização desse espaço de lazer fundado ainda na década de 1940 pelo então prefeito Adalberto de Moura Santos (1938-1940).

Os espaços urbanos passaram por constantes modificações. No livro “Picos nas anotações de Ozildo Albano” organizado pela professora Conceição da Silva Albano e Albano Silva, consta que em 1930 surgiu a primeira “rua larga” da cidade, com o nome Coriolano de Carvalho, depois rebatizada para Avenida Getúlio Vargas, modificada constantemente pela iniciativa privada.

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Picos conta atualmente com três grandes universidades, duas públicas (UFPI e UESPI) e uma privada (Faculdade R.SÁ), e segundo dados do último censo do IBGE, possui mais de 14 mil alunos matriculados no Ensino Fundamental e quatro mil no Ensino Médio, o que lhe garante o status de centro educacional. Como marco desse avanço na educação pode ser citado a inauguração de um colégio que ganhou nome, o Ginásio Estadual Picoense, atual Unidade Escolar Marcos Parente, fundado em 1950, após aprovação da Assembleia Legislativa e por esforço do então prefeito Celso Eulálio.

Olívia Rufino orgulha-se por ter pertencido a segunda turma do Ginásio. “Nós tivemos um diretor de primeira grandeza, Vidal de Freitas e depois Severo Eulálio, um socialista, uma pessoa destemida que ia para cima e nós ensinou a não ter medo, a falar e nós andamos e até fizemos o enterro de pessoas que queriam acabar com nosso Ginásio. Nessa primeira e segunda turma nós aprendemos e ensinamos a cidade, inclusive com o jornal a Flámula, que dizia o que nós queríamos falar da população”.

Se por 80 anos a cidade conservou um ar interiorano, tranquilo, onde todos se conheciam, a grande mudança nas relações pessoais foi protagonizada pela chegada do 3° Batalhão de Engenharia e Construção em 1970. Deslocado de Natal, capital do Rio Grande do Norte, com o batalhão não vieram apenas militares, mas inúmeros trabalhadores civis que se fixaram em Picos e aqui deixaram descendência. O batalhão de engenharia realmente proporcionou um novo impulso ao município e região, com a construção de açudes e estradas.

“Picos era uma cidade muito tranquila, nós sabíamos até quem tinha carro, quando o 3° BEC chegou deu outra visão a cidade, muita gente, uma população que veio de fora, muitos carros, então quando o 3°BEC chegou, quando alguém diferente aparecia, todo mundo dizia que era do BEC”, narra a professora Oneide Rocha. Ela comenta que devido ao crescimento populacional verificado a partir dos anos 1970, não foi mais possível conhecer a todos pelo nome.

Em suas lembranças o médico e ex-prefeito de Picos, Oscar Eulálio, o “Dr. Oscar” (1967-1970) preferiu falar sobre a importância dos italianos para o município. Ele lembra a grande diversidade de culturas produzidas às margens do rio Guaribas, como o alho, cebola, feijão, beterraba, tomate.

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O mesmo rio Guaribas que em algumas ocasiões deixaria transparecer sua fúria, como em 29 de março de 1960, quando a enchente deixou centenas de pessoas desabrigadas. Esse acontecimento chamaria a ação o Pe. Geraldo Gereon, que ajudaria os desabrigados e fundaria um novo bairro, o bairro Paroquial. As traumáticas imagens da cheia não permaneceram apenas na mente dos picoenses, mas foram registradas pelas lentes do fotografo Cristino Varão.

No entanto, as memórias daqueles que viram o rio Guaribas correr caudaloso são da mais pura nostalgia, uma vez que o mesmo foi reduzido a um pequeno fio de água após a construção da Barragem de Bocaina pelo 3° Batalhão de Engenharia e Construção. Concluída em 1986 a obra foi traumática para muitos bocainenses que, por estarem na área a ser inundada, foram obrigadas a se mudar, e para os picoenses que perderam um dos seus cartões postais.

Mas passados 127 de anos de sua elevação a cidade, produzindo nomes que até hoje são lembrados, como os políticos Helvídio Nunes e Severo Eulálio, ou o inteligente Ozildo Albano, expoente da cultura local, a população picoense contempla o crescimento presente lamentando a inexistência de espaços de lazer, de um teatro, de maior apoio a cultura, de mais oportunidades de emprego para as centenas de estudantes que se formam nas universidades todos os anos, na perspectiva de que não continue a perder tantos jovens para outros centros econômicos do país.

Conectada com o século XXI e com jovens cada vez mais precoces e inteirados das modernas formas de tecnologia e comunicação, chamativos veículos importados, empresas de renome, Picos vive o desafio de permanecer nesse trilho, buscando sempre o desenvolvimento e a justiça social, sem esquecer, no entanto, do seu passado, e daqueles que contribuíram para que a cidade se tornasse o que ela é hoje, às custas de sua fé, sangue, suor e muito trabalho.

Fonte: Folha Atual

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Foto: reprodução

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