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Feminicídio: Piauí registra 90 casos em menos de três anos

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Muitas são assassinadas pelo simples fato serem mulheres e a esta tipificação de crime hediondo foi designado o nome de feminicídio. Para lutar contra os homicídios cometidos contra pessoas do sexo feminino, além de outras ações e criação de órgãos, foi instituído no Piauí a data de 27 de maio, este domingo, como o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio. Infelizmente, é um marco em que há pouco o que se comemorar, porque mulheres continuam sendo assassinadas por homens que lhes têm como objeto de posse, menosprezo ou inferiorização.

De 10 de março de 2015 até 17 de junho de 2018, foram registrados 90 casos por todo o estado. Os dados são do Núcleo Central de Estatística e Análise Criminal da Secretaria de Segurança do estado, atualizado em 24 de maio. Em 2015, foram seis casos em Teresina e 20 no interior. Em 2016, foram quatro na capital e 20 no interior. Em 2017, seis na capital e 17 no interior, e em 2018, seis feminicídios até junho em Teresina e 4 no interior.

A quantidade de mortes por feminicídio em Teresina nos seis primeiros meses desse ano já é igual ao número total desse tipo de crime registrado no ano passado. Mesmo as estatísticas apontando que os feminicídios não estejam aumentando no Piauí, – já que foram registrados no total, 26 em 2015, 31 em 2016 e 23 em 2017 – a preocupação maior gira em torno da excepcionalidade dos assassinatos, mostrando na maioria dos casos crimes cruéis e com motivos frívolos frutos de uma cultura machista e patriarcal.

Foto: Divulgação SSP-PI

Apenas em 2015 foi lançado outro olhar sobre o feminicídio, quando ele passou a ser considerado por lei um crime hediondo, um tipo de homicídio doloso qualificado. Foi quando começaram a ser instituídas no Piauí as primeiras políticas de combate ao feminicídio. Os homicídios qualificados têm pena que vai de 12 a 30 anos, enquanto os homicídios simples preveem reclusão de 6 a 12 anos.

A partir de então, a perspectiva de legalização de ações e aparatos regionais de defesa e proteção às mulheres deu maior notoriedade ao número de registros, o que não acontecia antes, pois os processos eram registrados apenas como homicídios, bem como suas tipificações. No entanto, a Secretaria de Segurança Pública compreende que ainda há subnotificação, contando que muitos ainda não são julgados com a qualificadora real de feminicídio.

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A delegada Luana Alves, coordenadora do Núcleo de Feminicídio da Polícia Civil do Piauí, salienta que é considerado feminicídio quando “a mulher é morta apenas por estar sendo mulher”. De acordo com a delegada, existem várias qualificadoras dos crimes de homicídio, como um motivo fútil ou torpe, e em qualquer um desses motivos pode ser constatado casos de feminicídio.

“Os crimes de homicídio, muitas vezes têm alguma qualificadora, que pode ser um motivo fútil, como por exemplo, o companheiro que matou a mulher porque ela não fez o jantar. Ou então, o marido matou a esposa porque ela o traiu ou por ciúme, que é considerado motivo torpe. O fato é que nesses casos, a mulher está sendo morta porque está sendo mulher, pelo fato de ser mulher, de ser do gênero feminino. Se fosse o contrário, provavelmente nesses casos a mulher não mataria o homem”, esclarece a coordenadora.

A designação e regulamentação do crime de feminicídio, então, chega como um avanço quanto ao julgamento desses crimes, porque é uma garantia a mais de que os suspeitos serão punidos pela razão certa, conforme a delegada. “É para aquele agressor ser punido pela motivação real”.

Significa dizer que a pena dos agressores que praticam crimes contra a mulher por questões de gênero é agravada. Isso envolve violência doméstica e familiar, além de “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

A legislação diz ainda que a pena do feminicídio é aumentada de um terço até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; contra pessoa com menos de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência; e na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

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Foto: EBC

Maníaco do Parque
Luana Alves também destaca que nos processos de feminicídio, é comum constatar que os agressores menosprezem as vítimas ou as tem como um objeto de posse. Ela deu o exemplo do famoso caso do maníaco do parque, ocorrido em 1998. Mesmo o suspeito não tendo sido condenado pelo crime de feminicídio, o caso serve para exemplificar bem os crimes cometidos conta a mulher por razões pura e simples da condição de sexo feminino.

À época, um assassino em série brasileiro, Francisco de Assis Pereira ficou conhecido como o maníaco do parque. Ele estuprou e matou pelo menos seis mulheres e tentou assassinar outras nove. Francisco foi julgado e condenado por homicídio triplamente qualificado, estupro, atentado ao pudor e ocultação de cadáver, mas não por feminicídio, já que a qualificadora não existia ainda.

“Em vários depoimentos dele, ele dizia que convencia a mulher a tirar a roupa. Ao mesmo tempo, ele questionava como aquela mulher tirava a roupa para alguém que ela mal conhecia. No momento em que ele dizia isso, ele demonstrava que desprezava as vítimas. Naquela época não existia o crime, mas se já houvesse essa tipificação de crime, ele seria julgado por cometer um feminicídio”, lembra.

Visibilidade
A lei do feminicídio vem responder à necessidade de que sejam tomadas providências mais rigorosas em resposta aos altíssimos índices de violência contra as mulheres no Brasil. Em segundo lugar, tem o importante papel de evidenciar a existência de homicídios de mulheres por questões de gênero.

A delegada Eugênia Vila, diretora de Gestão Interna da Secretaria de Segurança do Piauí, alerta que é de substancial importância esclarecer sobre o tipo de crime de gênero. “Temos que mostrar de uma vez por todas que estamos sendo mortas por sermos mulheres”.
Fazer com que esses casos ganhem cada vez mais visibilidade perante a sociedade, de acordo com a delegada, é outra tarefa que precisa a todo momento ser motivada a fim de trazer conscientização popular. “Porque dependemos dela, da sociedade, também pois os julgamentos desses casos vão ser por júri popular. Precisamos dessa conscientização”.

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Pioneirismo
Desde 2015, quando foi estabelecida a Lei do feminicídio, o Piauí vem investindo em aparatos de defesa da mulher e combate a violência de gênero. Eugenia Villa lembra que o Piauí foi o primeiro estado a contar com uma delegacia especializada na investigação de feminicídios, em 2015, e que continua sendo pioneiro na instituição deste tipo de política pública.

“Nós é que estamos impulsionando os estudos e trabalhos sobre o feminicídio, divulgando isso e servindo de exemplo para outros Estados. Nós estamos sendo pioneiros, nossa perspectiva de estudos nesse aspecto vem sendo muito avançados”, afirma Eugênia Villa.

Camila Abreu, Aretha Dantas e Gisleide Santos, assassinadas por nada
No dia 31 de outubro de 2017, o corpo da estudante Camila Pereira Abreu, de 21 anos, foi encontrado no povoado Mucuim, na zona rural de Teresina. O capitão da Polícia Militar Alisson Wattson, que era namorado de Camilla, é o suspeito do crime e levou a polícia até o local onde o corpo estava. A jovem havia desaparecido no dia 25 de outubro. Uma amiga de Camilla relatou que a estudante dizia ter sofrer agressões do namorado.

No dia 15 de maio de 2018, a cabeleireira Aretha Dantas Claro, de 32 anos, foi morta pelo ex-namorado com mais de 20 perfurações de arma branca (faca). O corpo também apresentava sinais de atropelamento.  O ex-namorado Paulo Alves dos Santos Neto é apontado pela polícia como autor do crime passional. As informações são que Aretha sofria ameaças e agressões antes de ser assassinada.

Três dias após o brutal assassinato de Aretha Dantas chocar o Piauí, mais uma mulher foi assassinada a facadas pelo companheiro. Em 18 de maio de 2018, a doméstica Gisleide Alves dos Santos, de 36 anos, foi encontrada morta com 16 facadas e dois tiros de revólver dentro da própria residência, no bairro Santa Fé, na zona Sul de Teresina. O suspeito de matar Gisleide é o namorado que conheceu pelas redes sociais, preso no mesmo dia da morte, identificado como Samuel Lucas. O crime foi cometido, supostamente, por ciúmes.

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Camila Abreu. Foto: Divulgação/ Redes Sociais

A data
A lei de enfrentamento ao feminicídio, de autoria do Governo do Piauí através da vice-governadora Margarete Coelho, que define o dia 27 de maio como o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, foi sancionada em 2018. Portanto essa é a primeira vez que a data é lembrada. A ação visa unir esforços do poder público e da sociedade civil no combate a violência e assassinatos com motivação de gênero.
A data foi escolhida em alusão ao crime bárbaro que chocou o estado no ano de 2015, quando quatro jovens foram estupradas e arremessadas do alto de um morro de cerca de 10 metros de altura, por um homem e quatro adolescentes, na cidade de Castelo do Piauí.

Aparatos de Defesa à mulher
No dia 15 de maio de 2018 finalmente foram sancionadas pelo governo do Estado as leis que criam o Departamento Estadual de Proteção à Mulher e também as Delegacias das Mulheres em todos os territórios de desenvolvimento do estado.

Segundo Eugenia Villa, a Delegacia da Mulher na zona Norte de Teresina, a primeira a ser criada no Brasil, foi instalada ainda em 2003, mas somente agora foi legalmente instituída, assim como as outras. Ela conta que em 2006 foi criada a Delegacia da Mulher na zona Leste, e somente em 2016 foi instalada a da zona Sul. Já o Plantão de Gênero, na região Centro Sul, de acordo com a delegada, foi reestruturado em 2018, e então em 2015 houve o marco da criação do Núcleo de Feminicídio no estado, totalizando cinco delegacias na capital.

“Legalmente não tínhamos nada disso. Se entrasse outro governador com um ato apenas ele poderia revogar o funcionamento desses órgãos. Então, e lei torna perene e imune esses departamentos”, comemora.

Além disso, foram instruídas pela lei as Delegacias de Mulheres e Meninas Desaparecidas, Delegacia de Crimes Cibernéticos contra às Mulheres na Perspectiva de Gênero e Delegacia das Mulheres das Águas, Floresta e Campo, que é a primeira do Brasil.

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No interior, foram criadas em lei 12 delegacias da mulher, como a Delegacia Territorial da Mulher da Planície Litorânea, segundo a delegada.

No âmbito das Coordenadorias, existe desde este ano a Coordenadoria de Inteligência da sobre a Perspectiva de Gênero e a Coordenadoria de Estudo e Pesquisa em Violência de Gênero.

“Para avaliar o trabalho desenvolvido por todas as delegacias. Serve como ferramenta para serem pulverizadas e criarem protocolos únicos sobre todo e qualquer caso de violência contra a mulher no estado. Assim, o atendimento a mulher vai ter um padrão, uma mesma linguagem e assim vai servir para ajudar a unificar todas as políticas de mulheres no plano da Polícia Civil, para monitorar o atendimento e instituir programas de equidade de gênero, raça e etnia, estabelecendo maiores igualdades para cargos, profissões e outras questões”, observou.

Salve Maria
O aplicativo Salve Maria, -tecnologia desenvolvida pelo Governo do Estado- pode salvar vidas. A delegada Eugênia Vila esclareceu que o mecanismo foi criado para que a “polícia esteja mais próxima da população” e para “chegar o mais rápido possível no local onde a vítima está”, trazendo a possibilidade de as pessoas acionarem o Botão do Pânico. De acordo com ela, o dispositivo aumenta o número de denúncias envolvendo violência doméstica.

O Botão do Pânico,  quando acionado pelo denunciante emite um ponto de localização da ocorrência para a viatura mais próxima, fazendo que os policiais cheguem o mais rápido possível até a vítima. A própria vítima que estiver em perigo iminente ou qualquer outra que estiver testemunhando uma ameaça ou agressão, como um vizinho ou um parente, pode baixar o app e ativar o botão.

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Foto:PT/ Divulgação

Lyza Freitas | cidadeverde.com

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