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Gravidez precoce corresponde a 18,3% dos nascidos vivos no Piauí
Hynngled Shele Oliveira, de 26 anos, acorda todos os dias antes das 6h da manhã para trabalhar em uma casa de família como doméstica. A jovem cuida de quatro filhos, os maiores motivos de tanta luta. Eles são Letícia, de 12 anos; Francisca, 11; Gabriel, 8 e Caio, de seis. Quem fez as contas percebeu que Hynngled foi mãe muito cedo, ainda aos 14 anos de idade. As escolhas dela, ainda adolescentes, refletem por toda a vida.
Cheia de sonhos na cabeça, Hynngled conta que poderia ter uma vida melhor se tivesse tido mais informação quando jovem. “Eu sei que poderia ter terminado meus estudos e ter um emprego melhor. E é isso que falo para eles todos os dias. Essa vida não é para vocês. Estudem e procurem algo melhor. Não quero que meus filhos passem por uma gravidez precoce porque sei como foi difícil. Na minha época não era como hoje, que a informação chega para a gente tão rápido”, revela.
Atualmente a jovem vive em uma casa de um cômodo na região da Santa Maria da Codipi, zona Norte de Teresina. Com o trabalho, ela conseguiu comprar uma moto, o que facilitou a vida da família. Ela consolida aos poucos a dignidade que sempre buscou. “Eu não pensei em nada quando veio a primeira gravidez. Quando descobri, foi um grande abalo. Não pensei que ia simplesmente vir um bebê. Pensei que eu ia ter que deixar de estudar para trabalhar e sustentar minha filha. Depois tive mais três filhos, em sequência, também por falta de instrução. O resultado hoje é esse”, acrescenta Hynngled.
Histórias como de Hynngled, no entanto, estão ficando cada vez menos comuns. Isso é o que aponta os dados da Secretaria de Estado da Saúde do Piauí (Sesapi). De 2010 para 2019 o número de nascidos vivos de gravidezes precoces, abaixo dos 19 anos, caiu de 22,4% para 18,3%. Uma redução de 4,1% que mostra que as políticas públicas e a conscientização por parte das famílias está, de certa forma, no caminho certo.
A média brasileira ainda é maior que a mundial, segundo, estudos da Organização das Nações Unidas (ONU), seguindo a tendência de países subdesenvolvidos. A taxa brasileira corresponde a 62 adolescentes grávidas para cada grupo de mil jovens. 29% a mais que a média mundial que engloba 44 adolescentes grávidas a cada grupo de mil jovens entre 15 e 19 anos.
Abstinência sexual?
A nova estratégia do Governo Federal para diminuir a gravidez na adolescência tem um princípio que tem causado polêmica: a abstinência sexual. Lançada na segunda-feira (3), ao custo de R$ 3,5 milhões, com o lema “Adolescência primeiro, gravidez depois”, a campanha une os Ministérios da Saúde e da Mulher, Direitos Humanos e Família.
Para os jovens de 15 a 19 anos as peças debatem o que a gravidez na adolescência provoca na vida dos jovens. Para os menores, de 10 a 15, a campanha recomenda retardar o início da vida sexual.
Isso tem provocado uma série de polêmicas em diversos âmbitos. Na sexta-feira (31) a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública de São Paulo recomendaram que a campanha fosse vetada, pois não há embasamentos científicos consistentes para manter as peças. O mesmo argumento foi utilizado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Mas independente das polêmicas, os especialistas afirmam que o que vale mesmo é o processo de conscientização que vem do berço, pois uma coisa é certa: engravidar na adolescência pode acarretar em prejuízos para toda a vida. (L.A.)
“Política pública vazia e sem sentido”, aponta socióloga
A socióloga Marcela Castro, a estudiosa nas áreas de violência de gênero e geração, afirma que a campanha é calcada em retrocessos, onde o controle dos corpos fala mais alto que a necessidade social. Ela julga a campanha da ministra Damares Alves como uma política pública sem fundamento, que eleva a repressão sexual a um patamar institucionalizado.
A socióloga defende que existem maneiras mais práticas de debater a gravidez na adolescência. “Hoje temos mais conhecimento sobre os direitos reprodutivo, métodos contraceptivos e prevenção de DSTs que pode auxiliar na prevenção da gravidez na adolescência. Além disso, a repressão sexual não contribuiu em nada, pelo contrário esconde uma realidade que não podemos fechar os olhos”, aponta.
Marcela Castro afirma que é necessário conscientizar os jovens, não simplesmente desorientar o sexo. “Uma política pública voltada à abstinência sexual é vazia, não faz sentido. Seria mais interessante conscientizar adolescente e jovens sobre a sexualidade. Se criar um tabu e a repressão cria-se barreiras para esclarecer essas questões”, avalia.
A política da abstinência sexual pode favorecer casos de gravidez na adolescência, pois ela impede que as questões sejam de fato dialogadas com os jovens, família, escola e até na saúde pública. (L.A.)
Conscientização de casa é melhor que campanha, diz sexóloga
O psicológico termina abalado em uma situação de gravidez na adolescência, pois estas mães acabam repletas de responsabilidades que nunca tiveram na vida. A condição pode acarretar em problemas ao longo da vida. “São muitos questionamentos. Isso pode prejudicar, inclusive, a sexualidade dessa menina no futuro. A culpa por ter comprometido a vida com o nascimento de uma criança é algo que pode gerar traumas”, conta Denisdéia Sotero, psicóloga com especialização em sexologia.
O mundo contemporâneo dificulta a gravidez precoce por fatores financeiros e sociais. As meninas terminam com dificuldade para estudar e conseguir um emprego melhor e condições de vida satisfatórias. “Embora seja natural, pois há a capacidade biológica de reprodução dessas meninas, sabemos que vivemos em um novo contexto. Não somos mais extrativistas ou agricultores de subsistência, no mundo das cavernas. Há um novo contexto social, o capitalismo vigente, que implica uma série de obrigações a quem opta em ter um filho. É a escola, a alimentação, os remédios. Nos dias de hoje é complicado pensar em uma garota de 12, 13, 14 anos grávida”, aponta a psicóloga.
Denisdéia afirma que a conscientização que vem de casa é mais eficaz que campanhas do governo. “Imagine toda essa responsabilidade em uma pessoa que ainda não teve uma formação adequada. É muita pressão. Os pais devem estar cada vez mais atentos ao comportamento dos filhos, e não é exatamente a abstinência sexual que vai levar a isso. Mas sim as conversas em casa, a maneira como abordar o tema. A vida sexual deve iniciar de forma saudável, não por brincadeira de criança”, considera.
A especialista em sexologia revela que o acompanhamento psicológico é fundamental para a adolescente que acaba engravidando. “Isso pode levar a questões muito maiores. Depressão pós-parto, por exemplo. Ansiedade para saber como vai comprar o leite do mês. São uma série de fatores que devem ser ouvidos com atenção. O acompanhamento psicológico nesses casos termina sendo essencial, inclusive para o novo pai também, que não deve se esquivar da obrigação. O problema também é jogar a responsabilidade toda em cima da menina, como se ela tivesse feito o filho sozinha”, conclui Denisdéia Sotero. (L.A.)
Fonte: Meio Norte