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Jovem não binário que refez fotos de formatura conclui curso de psicologia no Piauí: ‘processo solitário’

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O jovem Jamil Ribeiro, de 25 anos, que refez as fotos de formatura após se identificar como não binário, concluiu nessa terça-feira (5) o curso de psicologia e se tornou o primeiro psicólogo transexual formado pela Universidade Estadual do Piauí (Uespi). Ele contou ao g1 como foi o processo de terminar a graduação apesar das adversidades enfrentadas.

Trans-formando a universidade: primeiro jovem trans não binário se forma em psicologia na UESPI; ‘processo solitário, sei que sou uma exceção’ — Foto: Arquivo Pessoal/Jamil Ribeiro

“O que me motivou a terminar o curso foi saber que quando eu saísse da universidade, eu poderia ajudar outras pessoas que não tiveram apoio, não tiveram representatividade como eu”, contou o psicólogo Jamil Ribeiro.

Nesta terça-feira (5), Jamil assinou a Declaração de Conclusão do Curso. Em nota, a instituição informou que não há registro no sistema acadêmico de um aluno trans de psicologia com o curso concluído, até o momento.

Trans-formando a universidade: primeiro jovem trans não binário se forma em psicologia na UESPI; ‘processo solitário, sei que sou uma exceção’ — Foto: Arquivo Pessoal/Jamil Ribeiro

Apesar dessa vitória, o psicólogo reconhece que é uma exceção dentro da sua própria comunidade, com relação a uma parcela da população brasileira. Dados levantados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), apontam que apenas 2% da população trans estão nas universidades.

O jovem se identificou como trans não binário em março de 2021, na mesma época em que iniciava o último período do curso de psicologia. Pessoas de gênero não binário são aquelas que não se percebem como um gênero exclusivamente. Ou seja, sua identidade de gênero e expressão de gênero não são limitadas ao masculino e/ou feminino.

“Eu acho que o ponto não é sobre lançar as primeiras pessoas, saber quem são, porque com certeza eu não sou o primeiro, com certeza não sou nem o segundo. O ponto é, por que antes não falaram dessas pessoas? Por que não têm registros?”, questionou o psicólogo.

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Jamil contou ter trancado o curso início do ano, porque a instituição de ensino não acatava seu nome social, reconhecido por lei. Segundo ele, foi um dos vários problemas que teve que enfrentar antes de conseguir o tão sonhado diploma.

“Por causa da universidade recusar meu nome social por vários meses, chegou um momento em que eu coloquei tudo na balança e decidi não me desgastar com uma graduação que não me reconhecia”, comentou.

Trans-formando a universidade: primeiro jovem trans não binário se forma em psicologia na UESPI; ‘processo solitário, sei que sou uma exceção’ — Foto: Arquivo Pessoal/Jamil Ribeiro

Mesmo depois do direito ao nome social concedido na universidade, Jamil passou por diversos constrangimentos, como lembrar aos professores de sua existência enquanto pessoa. O jovem diz que algumas vezes os docentes não faziam por mal, mas porque não sabiam que lecionavam para uma pessoa trans.

“Enquanto os outros alunos estavam preocupados em ir para o estágio vacinados, a minha era a imunização e ser reconhecido pelo meu nome, por quem eu sou”, disse.

Em nota, a Uespi informou que houve um erro no processo de retificação do nome social de Jamil, pois os dados acadêmicos estavam com o nome que ele informou e o e-mail institucional não. A universidade ainda pediu desculpas pelos transtornos que o aluno passou e disse que vai apurar o ocorrido para que novos erros não ocorram. Confira a nota na íntegra no final da matéria.

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Acolhimento

Em contrapartida, Jamil diz ter encontrado o acolhimento com os colegas de turma, que acompanharam sua transição e o respeitaram. Porém, ele ainda sentiu falta de pessoas trans ocupando esses espaços de apoio e representatividade na universidade.

Trans-formando a universidade: primeiro jovem trans não binário se forma em psicologia na UESPI; ‘processo solitário, sei que sou uma exceção’ — Foto: Arquivo Pessoal/Jamil Ribeiroht

“Ser trans já é um processo solitário em si, porque eu sei que é difícil dar a cara a tapa e enfrentar tudo o que a gente tem que enfrentar. É ser tratado com indiferença no mundo. Pessoas cisgênero, não sabem as coisas simples que nos são negadas. Por mais que pessoas trans tenham companhia na universidade, sempre são pessoas cis”, disse Jamil.

Pessoas cisgênero são aquelas que se identificam com o gênero imposto durante seu nascimento, às vezes, antes do parto, o gênero do bebê já é definido.

Carreira e representatividade

O psicólogo Jamil contou que durante a sua graduação, mesmo antes da transição de gênero, ele nunca conheceu um profissional da sua área que fosse trans. Parte da motivação do jovem em terminar o curso partiu do ponto de construir uma representatividade na sua comunidade.

Trans-formando a universidade: primeiro jovem trans não binário se forma em psicologia na UESPI; ‘processo solitário, sei que sou uma exceção’ — Foto: Arquivo Pessoal/Jamil Ribeiro

“O que me impulsionou a me formar foi não só a solidão de nunca ter conhecido um psicólogo trans, mas também a situação de ser o primeiro. Me formei pra ver o que eu poderia fazer dentro da minha comunidade”, explicou.

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Jamil Ribeiro disse que o seu atendimento como psicólogo será voltado para pessoas transgênero. Se formar foi só o primeiro passo para seu sonho de ajudar jovens como ele e criar uma rede de apoio e representatividade formada pelas próprias pessoas trans.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Nota da Uespi na íntegra:

A Universidade Estadual do Piauí (UESPI) esclarece, em primeiro lugar, que é dinâmica, diversa, plural e reconhece e respeita essas qualidades de sua comunidade acadêmica. As diferenças fazem da UESPI uma instituição forte e democrática.

Sobre o caso do Jamil, houve, realmente, um erro no processo, pois os dados acadêmicos estavam com o nome que ele informou e o e-mail institucional não. Vamos apurar o que houve nesse percurso, para que falhas dessa natureza não ocorram mais.

De toda forma, pedimos desculpas pelo ocorrido. Hoje o aluno participou de sua colação de grau do curso de Psicologia e se torna egresso da universidade com o nome em seu diploma de Jamil Oliveira Ribeiro de Carvalho.

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Fonte: G1

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