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NOTÍCIA DESTAQUE

Nojo, vergonha, dor: o silêncio quebrado de mulheres vítimas da cultura do estupro no Piauí

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Há um paradoxo cultural ao qual sempre fomos imersos a respeito do universo da mulher: ela é endeusada e digna de todo respeito, pois é a principal fonte de vida da humanidade ao conter um útero dentro de si. Ao mesmo tempo o sexo feminino é estigmatizado, frágil e deve se comportar tal qual seu sexo oposto a padroniza. É uma contradição em demasia de desigualdade.

Acima foram citados dois aspectos culturais bastante intrínsecos na sociedade, mas eis que mais um fica a mercê do agendamento midiático, sendo bastante debatido pelos brasileiros atualmente. A tão cruel, massacrante e fria cultura do estupro. Podemos dizer que é uma expressão nova em nosso vocabulário, advinda principalmente de lutas feministas que querem mais que equidade de gênero. O que desejam mesmo é a liberdade para sair às ruas sem serem vítimas de um assobio maldoso, de um olhar indiscreto, de uma mão boba, de um puxão no braço, em suma, sem apelações sexuais que venham silenciar, envergonhar e intimidar aquelas que cansaram de rótulos.

Cultura do estupro está sendo um dos assuntos mais debatidos da atualidade (Foto: Édrian Santos / O Olho)

Cultura do estupro está sendo um dos assuntos mais debatidos da atualidade (Foto: Édrian Santos / O Olho)

MASSIFICAÇÃO DA MÍDIA

Pode até ser um tema ao mesmo tempo novo em abordagens e já massificado pela imprensa, inclusive em nível internacional, mas convenhamos que tais comportamentos sejam tão velhos quanto a preocupação torpe e machista que o homem tem em manter sua virilidade animalesca e dominadora. Antes tarde do que nunca? Errado. Nós, os meios de comunicação, temos dívidas incalculáveis sobre a violência sexual presenciada diariamente pelas mulheres.

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Ajudamos a construir padrões que até hoje perduram como ditaduras. Culpamos a única pessoa que não deveria ser responsabilizada pelo ato do estupro. Interferimos no seu vestir, agir e falar. Fazemos parte da monstruosidade das estatísticas dos abusos sofridos constantemente neste país, em especial no Piauí, que desde 2015 vem se destacando como o estado onde se concentram mais casos de estupro coletivo do país, como ocorreu na cidade de Castelo do Piauí.

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EXISTE SOLUÇÃO?

Então surge a pergunta: qual seria a solução para findar esta realidade?

De um lado, talvez até pela precária situação do Legislativo e Judiciário brasileiro, muitos gritam por pena de morte, castração física ou química, prisão perpétua. Mas será que essas medidas realmente sanariam o problema que há muito tempo está por ser resolvido neste país, neste estado, nos mais afastados povoados ou densos conglomerados urbanos do Piauí, ou seja, em todo lugar?

Então onde estaria o erro desta nação? Enquanto muitos cobram medidas austeras contra quem comete o crime sexual, as vítimas gritam em uma só voz para que essa triste realidade se transforme em um final feliz: investimento em educação que aborde sobre as questões de gênero para que os meninos inocentes de hoje não se transformem em estupradores e assediadores num amanhã não tão distante.

Trata-se de um apelo para a revolução cultural, que é a base para a transformação social, ao passo de conseguir o respeito tão ambicionado pelas mulheres, inclusive fundamentado em teorias.

DADOS ALARMANTES NO PIAUÍ

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O fato é que o número de casos de abusos sexuais contra as mulheres aumenta ano após ano em todo o estado do Piauí, de acordo com dados do Serviço de Atenção às Mulheres Vítimas de Violência Sexual (Samvvis), órgão ligado à Secretaria de Saúde do Estado do Piauí (Sesapi). O Samvvis relata que em 2004 foram notificados 44 casos, enquanto que em 2015 a quantidade de denúncias saltou para 467.

Com dados de janeiro a março deste ano, foram 169 registros de queixas pelas vítimas. Esse valor pode ser bem maior, já que muitas delas são silenciadas por medo do agressor, por vergonha do que a família e amigos dirão ou simplesmente porque o psicológico dessas mulheres impede a sua exposição.

REIVINDICAÇÕES LEGÍTIMAS

13461255_1397827020231058_398177058_oO Olho decidiu ouvir algumas vítimas de abuso, não necessariamente com o ato sexual consumado, mas mostrar os relatos do desconforto com a presença de um homem que não soube respeitar suas decisões, de uma sociedade que a culpa por ser do sexo feminino, de uma ética que não entende que a educação é o berço para as mudanças que este país tanto necessita e de um Executivo, Legislativo e Judiciário que não veem o quanto a mulher ainda não ocupou de vez o seu espaço neste país e que suas reivindicações são legítimas.

Por questão de resguardar a imagem das entrevistadas, que pediram que não fossem identificadas, O Olho optou por adotar nomes fictícios para nos reportarmos às vítimas. Entendemos o quão delicado e comprometedor são casos como esses, já que também envolve os seus familiares e pessoas próximas. Somente uma delas, a estudante de Nutrição da Universidade Federal do Piauí (Ufpi), Bianca Silva, autorizou a divulgação somente do seu nome.

JORNALISTA PIAUIENSE RELATA ABUSO FAMILIAR

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Por Frida Alencar, nome fictício.

“Quando eu sofri violência sexual, aos 12 anos, eu contei para a minha mãe e a reação dela foi de susto porque achava que era impossível que o marido dela tivesse feito aquilo. Ele era perfeito demais para isso, está com ele até hoje. Disse que eu não precisaria me preocupar que aquilo não iria mais acontecer.

Entretanto, isso não mudava em nada o fato e não havia mais plástica. Eu viveria (ainda vivo) o restante dos meus dias com o desespero de ter o corpo violado.

Tem dias que o cérebro não perdoa e as lembranças voltam com uma força que exibem como uma peça teatral macabra tudo aquilo. Minha mãe sempre esteve errada, aquilo volta a acontecer todo o tempo.

É verdade que você consegue viver e depois de tudo isso ter um sopro de vida digno. Mas é preciso que um foco diário para que o abuso sexual não se transforme num algoz mais do que já é. Sabe, a maioria das pessoas precisa matar um leão por dia, eu preciso matar o leão e o demônio.

A lembrança rasteira daquelas mãos deslizando sobre o meu corpo, quando eu na melhor da minha inteligência (era uma criança) tinha nojo e desespero. Aquela boca nojenta. O desejo nefasto de um pai por uma filha. Eu tenho adoção paterna, nesse estilo a brasileira, que homens adotam o/a filho/o do parceiro/a e depois constituem família. Todos esses fazem eu ter mais asco por todo essa dilaceração que eu vivi.

A culpa é vítima. Carregar essa máxima na alma é tão doloroso quanto o abuso em si. Como dá para perceber a minha mãe não fez absolutamente nada e eu terminei vivendo por muitos anos com aquele constante terror de que tudo vai se repetir.

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Por muitos meses eu pegava uma faca na cozinha e colocava debaixo da cama.

Aos 14 anos, eu fui embora e me mudei para Teresina. Eu cresci numa cidade do interior. Estudei, me formei e somente aos 26 anos tentando me curar de uma depressão eu consegui me livrar da demanda que era viver ou conviver com a pessoa que cometera o abuso.13442084_1397827010231059_1960046846_o

Falei tudo. Saí oficialmente da casa onde convivia com a minha irmã (ela ficara sabendo e foi a primeira a dizer que eu era inteligente demais e que naquela idade já saberia evitar muito bem qualquer. Eu não podia transformar o pai dela em um monstro ou pessoa ruim só por causa disso. Só, né?), e em alguns momentos mãe e padrasto que vinha do interior.

Eu realmente tentei esquecer que tudo isso tinha acontecido. Sei lá, perdoar. Mas é impossível porque você já tem que lutar todo dia para viver como alguém que não vale muito. Você sempre acha que não vale nada, nem mesmo a sua mãe pode largar um homem em virtude disse. Se convencer do valor de si próprio e da autoestima é outro exercício que nunca é fácil.

Com um espírito de tentar ir além eu sempre estudei e lia com os olhos de comer livros. Cheguei a um estágio da vida profissional que muitos sonham em alcançar, apesar de ainda faltar muito, mas tenho noção de que a minha vida emocional e afetiva é precária em consequência desses demônios que carrego como alguém que é vítima de estupro. Imagine como é difícil crer que algum homem tenha qualquer dignidade. Eu conheço muitos que são incríveis, porém no meu âmago eu desconfio de todos. Sempre tem aquele pé atrás.

Ser mulher vítima de violência sexual transforma você em algo que mescla o desespero, a batalha diária e ânsia de poder relatar que mesmo com tanto coisa ruim dentro de si para enfrentar é possível ser alguém na vida.

Nos últimos meses aqui no Piauí e no país vimos uma sequência de casos midiatizados de estupros. Desde então eu não durmo direito. Você nunca dorme direito com essas histórias e fica sentindo-se novamente diante do abuso. Às vezes, eu vomito. É bem recorrente isso.

Se um dia eu saberei como é ter uma vida sem medos, eu não sei. O fato é que não dá para esquecer. Se um dia eu vou ter um amor e constituir uma família, eu não sei. É assustador em pensar que algo do tipo possa acontecer com um filho. Nessa hora, eu me transformaria em uma assassina.

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O problema do abuso sexual é que ele não acontece e passa, ele acontece e fica. E isso não tem nada a ver em crer em Deus, ou que ele vai ajudar. Eu já ouvi isso demais. E não tem nada a ver com isso. Tem a ver com fomentar uma sociedade menos machista, mais igualitária e onde a gente possa sair de casa sem achar que vai ser violentada de novo. Tem a ver com educação.

O filme Volver do Pedro Almodóvar é um retrato bem disso. Você viver com os fantasmas pairando. Tem horas que você desiste da vida, só que eu sou fraca demais para me matar.

Eu nunca denunciei, porém penso em fazer isso todos os dias depois do momento de chutar o pau da barraca. Se perguntam porque não vou mais a casa da minha no interior, eu conto a história. Não tenho mais medo de falar que aquele cara tido como de índole irretocável cometeu abuso sexual contra a filha. Talvez essa seja a minha denúncia. Eu demorei para reagir e ainda acredito que irei a uma delegacia. O fato é que eu ainda tenho medo. E me apavora a certeza de que sempre terei”.

À FRENTE DO TEMPO

Fernanda Santos, 21 anos, integrante do grupo de mulheres Batuque Feminista e estudante da Universidade Federal do Piauí (Ufpi) – o curso da estudante também não será divulgado. Ela conta ao O Olho que, desde criança, sempre foi uma menina à frente do seu tempo. Mais ainda, à frente do que lhe impunham como o certo: ‘menino pode fazer tudo e menina não pode fazer nada’.

Entrevistada faz parte de coletivo feminista (Foto: Édrian Santos / O Olho)

Entrevistada faz parte de coletivo feminista (Foto: Édrian Santos / O Olho)

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Fernanda afirmou que as duas situações de estupro que sofreu foram quando ela era criança, mais ou menos a partir dos cinco anos, com constante assédio do tio, e quando tinha 15 anos, um ex-namorado, após uma festa, bêbado, forçou uma relação sexual, inclusive sem o uso de preservativos, o que a deixou com mais medo, pois poderia adquirir alguma Doença Sexualmente Transmissível (DST) ou alguma gravidez indesejada.

MOTIVOS PARA FICAR PERTO

No primeiro caso, Fernanda enfatiza um fato que pode causar mais revolta, já que uma criança estaria sendo abusada por um homem adulto, ainda mais sendo o seu tio. “Eu era muito criança. Eu acho que eu tinha uns cinco, seis anos, por aí, mas não passava. Eu era bem novinha mesmo”, relata, completando que ia sempre ao interior da família para passar as férias e lá o abusador estava à sua espera, tendo as piores desculpas para poder ter em mãos o corpo da vítima.

“Eu sempre tive muito sinal. Hoje meus sinais sumiram mais, mas quando eu era criança eu era cheia de sinal. Cheia, cheia, cheia de sinal. Eu tinha muito sinal nas pernas. E era a forma que ele usava para tentar me assediar, de pedir para ver os meus sinais. Só que eu nunca deixei, mas mesmo assim ele metia a mão e ficava me pegando, ficava me tocando”, relembra Fernanda.

Além desse contexto para que seu tio ficasse mais próximo, Fernanda relata que costumava ir brincar num riacho que tinha nas propriedades da família, na maioria das vezes sozinha, pois estava sem companhia. Nesse meio tempo, ela também pontua que seu assediador ia e inventava de tomar banho também, tentando tocá-la dentro d’água. “Eu ia para o riacho banhar e os meus primos iam. Mas aí os meus primos cansavam e eu queria continuar lá porque meus primos viviam naquilo ali e eu só vivia aquilo ali poucos dias no ano, então eu queria ficar no riacho. E aí enquanto eu estava sozinha no riacho, ele [tio] vinha e inventada de banhar lá também. Quando ele vinha tocando em mim eu já saía de perto”, narra.

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("What Happened, Miss Simone?", documentário de Nina Simone) (Reprodução: Facebook Empodere Duas Mulheres)

(“What Happened, Miss Simone?”, documentário de Nina Simone) (Reprodução: Facebook Empodere Duas Mulheres)

FINGIA QUE DORMIA

Fernanda ainda revela que quando sua tia pedia que ela fosse a algum lugar distante, seu tio já estava na espreita para tocá-la e assediá-la, não ficando só nessas tentativas. “De eu estar dormindo e ele estar lá me olhando o tempo todo. Foi horrível porque ele estava no quarto e quando eu vi, ele ficava me vendo quando eu era criança dormindo e a minha tia que ficava todo tempo vigiando, mas aí quando a minha tia saía ele ia lá no quarto, pegava em mim, eu dormindo mesmo. Às vezes eu só sentia, mas eu continuava fingindo que estava dormindo porque eu não queria”, confessa, segura de seu depoimento.

Já um pouco mais recente, a universitária conta que, aos 17, 18 anos, enquanto dormia na cama da sua tia, sentiu que alguém estava lhe tocando. Por medo, vergonha, nojo e outros sentimentos ruins, ela permaneceu de olhos fechados, pois se sentia indefesa em tentar agir efetivamente para que aquela situação tivesse um fim. “Eu estava com nojo, eu estava com vontade de chorar, eu estava com medo e não queria mais que a confusão acontecesse porque eu não gosto de briga, eu não gosto de confusão”, acrescenta, confirmando que naquele momento ela estava muito assustada por passar tantos anos sob os abusos sexuais de um tio.

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(Reprodução: Facebook)

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O EX-NAMORADO

O segundo caso envolvendo a violação dos direitos da Fernanda enquanto dona do seu corpo diz respeito à prática de estupro cometido por seu então namorado, isso há seis anos, quando tinha 15 anos. “Um dia a gente acabou de sair de um congresso, ele estava muito bêbado e realmente me estuprou. E aí para eu lidar com aquilo no momento eu só fiquei parada e não falei nada. Depois eu terminei a minha relação e fui explicar”, expõe à reportagem.

Sobre esse caso, Fernanda conta que fazia parte de movimentos punks e que lá os integrantes bebiam muito, além de fumar bastante e, inclusive, “usavam outras coisas”. Após o acontecimento, ela se desvinculou do grupo e se dedicou mais ainda aos movimentos feministas.

TEME CONFLITOS ENTRE A FAMÍLIA, MAS NÃO SERÃO PERDOADOS

O fato é que chegar à tranquilidade de contar seu caso a um desconhecido, principalmente se tratando da imprensa, não é tarefa nada fácil à vítima. A primeira dificuldade de Fernanda foi reconhecer que o que ela passou, seja quando criança, com o tio, seja na adolescência, com o namorado, foi sim uma violência sexual. Ela confessa que ainda não se sente à vontade para falar sobre isso, mas que a conversa que teve com o O Olho foi a terceira referente aos abusos sofridos.

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Fernanda conta que se sente tão mal ao relembrar das cenas, que falta inclusive coragem para contar à família, já que os envolvidos são próximos da mesma. O que ela não quer é causar brigas entre seus familiares e amigos, confessando que os traumas sofridos jamais serão esquecidos e que os violentadores jamais serão perdoados.

“Me fez muito mal aquilo dali, de adoecer, de ter depressão, ter transtornos desenvolvidos. Não é que eu esqueci. Eu continuo lembrando daquilo que aconteceu comigo. Eu continuo não perdoando a pessoa, não vou perdoar, mas hoje eu já sei lidar melhor”, afirma.

 (Reprodução: Facebook Empodere Duas Mulheres)

(Reprodução: Facebook Empodere Duas Mulheres)

“MEU CORPO, MINHAS REGRAS”

Os relatos de Fernanda são voltados a não violação do corpo de uma mulher por um homem, em hipótese alguma, principalmente quando usa a motivação de estar bêbado, estar namorando com as vítimas ou simplesmente porque diz que o agressor está apenas aliviando o seu extinto animal.

“Não importava se ele estava bêbado. Isso não é justificativa. Que não importava se eu fosse namorada dele, que no tempo eu era. Não importava nada. Meu corpo, as minhas regras tinham sido violadas. Eu não queria e eu tinha sido desrespeitada naquele momento”.

Fernanda ainda avalia como a cultura do estupro está nas entranhas da sociedade. Para ela, o que está acerca dessas ideologias é mascarar as constantes violências sexuais sofridas pelas mulheres, de forma que se ela for assediada é porque ela merece aquilo, devido às roupas usadas, à forma de falar, de comportar-se. Ela aconselha que as mulheres devam ficar atentas a isso e que não se privem dos seus desejos porque a sociedade, ainda machista, impõe padrões em que as vítimas devam encontrar meios para evitar um estupro.

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(Foto: André Ávila/Agencia RBS)

(Foto: André Ávila/Agencia RBS)

“VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA”

“A cultura do estupro enraizou tanto em mim, que, na época, eu não entendi que aquilo foi um estupro. Ainda tem a questão psicológica sua que você fica muito abalada e você não tem forças para contar para ninguém. Quando não é isso, ainda tem a delegacia que não tem preparação alguma para atender essas mulheres”.

Fernanda afirmou à reportagem que teve que passar por alguns tratamentos psicológicos, embora não dizendo diretamente aos analistas que foi estuprada. Questionada sobre como aconselhar outras possíveis vítimas, ela finaliza a entrevista contando que a única coisa que faria seria abraça-la e dizer que ela não está sozinha.

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(Reprodução: Instagram)

MOEDAS E DOCINHOS

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A outra história de estupro aconteceu com Bianca Silva, 20 anos, estudante de nutrição da Universidade Federal do Piauí (Ufpi), que permitiu ser identificada pelo O Olho, porém não fotografada. Natural da cidade de Campo Maior, a 86 km de Teresina, esta vítima declarou que todo o seu sofrimento aconteceu em âmbito familiar.

Os assédios vieram de um tio paterno que sempre a agradava quando criança com moedas e docinhos, além de inventar algumas desculpas para estar próximo da violentada.

Bianca contou que veio perceber os olhares diferentes do tio a partir dos seus 17 anos, mesma idade em que a atitude mais radical dele aconteceu. Sempre tentando manter-se afastada dele, ela não fazia questão nem de saber do seu nome e o chamava como todos os outros parentes e vizinhos o chamam, apenas de Pineu.

SEPARAÇÃO DOS PAIS

O contexto da história da vítima se passa num momento de separação dos seus pais. Prevendo uma depressão no seu pai e uma possível tentativa de suicídio, Bianca decide ficar com ele. Além do divórcio dos pais, o seu tio, no mesmo período, também terminou o relacionamento com a esposa, vindo de um histórico de traição de ambos. Ela conta que nenhum dos filhos dele o abrigou. Compadecendo-se da situação do irmão, o pai de Bianca o deixou morar em sua casa, cenário perfeito para voltar com os assédios contra a menor.

As investidas sexuais não se restringiram somente à sobrinha, inclusive. Bianca relata que tinha uma amiga que morava no Tocantins e vinha sempre passar as férias no Piauí, na cidade de Campo Maior, chegando a dormir, às vezes, na sua casa, a seu pedido. O motivo? Medo de a qualquer momento o Pineu invadir o seu quarto e tentar algo contra ela. Na época, sua amiga tinha 12 anos.

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“Quando eu era criança, ele [tio] frequentava a minha casa. Ele não era divorciado ainda e ele tinha a mania de me dar balinhas, chicletes, bombons, oferecer moedas e eu aceitava. Meus pais não diziam nada. Ninguém via como maldade nenhuma. Ele me botava no colo, me tratava bem, me chamava carinhosamente, passava a mão em mim”, narra, completando que tinha mais ou menos uns cinco ou seis anos.

OLHARES DIFERENTES

A estudante relata que seu tio saiu de Campo Maior e foi morar em Timon, no Maranhão, retornando à cidade anos depois, quando a mesma já estava “mocinha”. Mais madura e atenta do que quando criança, Bianca notava olhares diferentes do seu tio, principalmente para os seus seios. Ela ainda retrata que ele insistia em pedir bênção à sobrinha e que tal prática era um tanto quanto estranha, já que ele usava essa desculpa para tocá-la e afirmou que seus outros tios não faziam isso.

“É normal respeito, cumprimentou, tomar bênção, pronto. Afastamento. Ele não. Era o único que queria me abraçar, me dar beijo aqui”, esclarece.

Bianca descreve que seu tio, quando chegou a sua casa, colocou todas as suas coisas no quarto dela, já deixando um forte indício de que tinha outras intenções, mesmo dormindo, à noite, na sala. Ela confessa que deu adeus à privacidade, pois nos momentos mais incômodos ele batia na porta, querendo entrar, principalmente quando sabia que sua sobrinha estava com roupas de dormir.

 (Reprodução: Facebook Empodere Duas Mulheres)

(Reprodução: Facebook Empodere Duas Mulheres)

PAI CHEGAVA TARDE DO TRABALHO

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“Eu vivia com medo constante de ele entrar de madrugada em meu quarto”, cita, já que o pai dela era garçom e chegava muito tarde do trabalho.

Ela também alerta que esse medo perdurou por cerca de dois meses, período em que estava de férias da escola, quando fazia a terceira série do ensino médio. Pensando nisso, a presença de uma amiga seria importante, pois assim, caso acontecesse algo, as duas provavelmente seriam mais forte do que o potencial estuprador.

NÃO SE DEIXOU INTIMIDAR

O ápice de tudo, o momento mais marcante da vítima, foi quando a mesma estava usando o computador na sala de casa.

Seu tio, relata, chegou por trás e passou as mãos pelo corpo da menor, até chegar aos seios e apalpá-los. Foi aí que Bianca não se deixou intimidar, e num ato de coragem, gritou.

Correu ao quarto, assim como qualquer menina da sua idade que passasse por isso, e foi chorar. Sentiu nojo, medo, vergonha.

Seu pai, que ouviu os gritos de desesperos da filha, questionou o que estava acontecendo. No entanto, retraída, Bianca continuou trancada no quarto chorando e refletindo sobre o que iria fazer a partir de então. No dia seguinte, após ser aconselhada pelas vizinhas, que demonstram muita ternura por ela, a futura nutricionista revela o acontecido ao pai, que fica indignado com o irmão, mas sem tomar alguma decisão sobre o caso, de imediato. Dias depois, o pai de Bianca expulsou o irmão de casa.

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cultura-do-estupro-3TIAS ACOBERTAM CASO

Bianca tentou ao máximo esconder o caso de sua família materna. Esse bojo incluía sua mãe, a qual ela sentia mais desejo de externalizar. Ela exprime que também tinha medo de sua mãe entrar com uma ação na Justiça para que ela fosse afastada do pai. Ao que tudo indica dificilmente uma mãe aceitaria calada um ato desse contra sua filha, mas não foi o que pensaram as tias paternas de Bianca.

Bianca conta que ficou bastante chateada com suas familiares paternas, pois elas tentaram acobertar o caso, inclusive culpando a menor.

Afirmavam que ela estava inventando todo esse cenário para ficar sozinha em casa e fazer festas, já que o pai passava a maior parte do dia fora de casa. Outra, em específico, que era evangélica, alegava que o irmão sofreria bastante se fosse para a cadeia sendo acusado de estupro, ainda mais contra uma menor de idade.

“A família ficou tipo com raiva de mim, entendeu? As tias. Porque achavam que eu estava inventando história, que eu estava sendo fantasiosa, que eu estava querendo privacidade, que eu estava querendo a casa só para mim para eu fazer festas. E eu fiquei um pouco triste por causa disso também, porque elas não deixaram eu ir na polícia”, pontua Bianca, entristecida.

NÃO PODE CONTAR COM A MÃE

Com os olhos lacrimejando e a voz trêmula, as lembranças de uma adolescência marcada por altos e baixos fizeram com que traumas permanecessem com a vítima até os dias atuais. Em um período em que não falava com a mãe, Bianca se sentia sozinha, pois não tinha uma figura materna para desabafar e aconselhar-se.

“Eu entrei em conflito com a minha mãe. Eu fiquei um tempo sem falar com ela. E é aquela coisa, sabe? De você estar passando por isso e não poder falar com a sua mãe?”, questiona, emocionada. Completa: “Para mim foi muito difícil eu lidar com aquilo sem poder dizer ‘mãe, eu preciso de ajuda’, ‘mãe, esse tio está me fazendo mal, esse tio me assediou, eu tenho medo de ser estuprada’. E eu não pude contar com a minha mãe nesse momento tão difícil da minha vida”, ressalta.

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(Reprodução: Instagram)

QUER PERDOAR

Não só de raiva e nojo Bianca vive atualmente. Dizendo que já lida melhor com o trauma, ela fala que tem muito medo de seu tio morrer e ela não conseguir perdoá-lo, talvez seja pelas heranças cristãs da família. Outro fator que implica nessa decisão da vítima diz respeito ao foto de ela acreditar que ele seja um pedófilo, o que ela considera como uma causa mais patológica do que cultural.

“Eu tenho medo é dele morrer, porque ele já está idoso, já está acabado, sozinho, e eu não ter perdoado e me arrepender. Mas também ele não chegou a pedir perdão para mim. Nunca pediu perdão”, considera Bianca.

Se encontrasse outra menina na sua situação, Bianca relata que encorajaria a vítima a denunciar seu caso às autoridades, de forma que isso não fosse levado adiante.

“Com certeza para ela falar com a família, para ela ir procurar alguém, ir procurar um ajuda porque aquilo poderia se consumar e que não era bom. É uma coisa traumatizante”.

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(Reprodução: Instagram)

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O Olho

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