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ESPORTES

Maguila recorre a canabidiol para controlar doença degenerativa no cérebro

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Depois de muito tempo nocauteando oponentes pelo mundo, um adversário invisível começou a ameaçá-lo e, deste, ele não podia se esquivar. Há anos sendo golpeado duramente pela Encefalopatia Traumática Crônica, ele encontrou um novo aliado para combater a doença: a medicina canábica — isto é, com substâncias encontradas na planta cannabis, popularmente conhecida como maconha. Com pequenas doses diárias, o campeão parece voltar a ter qualidade de vida naquela que é sua luta mais longa até aqui.

A doença de Maguila, resultado de quase 20 anos de dedicação ao boxe, foi tomando conta da cabeça e se revelando em sinais nada sutis: o campeão dos ringues passou a querer brigar fora deles também. O peso-pesado, que sempre teve o riso fácil como marca registrada, ficara agressivo.

O problema dos rivais invisíveis é que eles não cedem quando o árbitro abre contagem. Nos últimos anos, apesar da doença sem cura ter sido controlada, Maguila ficara ausente, lento, esquecido, preguiçoso e abatido.

Com acompanhamento médico especializado, Maguila e sua família agora celebram os bons resultados do tratamento alternativo com canabidiol.

“Está mais atento”, diz esposa

Vivendo há três anos no Centro Terapêutico Anjos de Deus, clínica em Itu, no interior paulista, Maguila, atualmente com 62 anos, tem uma rotina regrada e permeada de atividades que remetem ao auge da vida como lutador. Toma café pela manhã, faz fisioterapia, assiste a vídeos de lutas antigas — dele mesmo e de colegas de ringue — e, claro, proseia. As histórias que mais gosta de contar são da lendária luta contra Evander Holyfield e a amizade com o narrador Luciano do Valle.

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Adilson Maguila e Evander Holyfield, durante luta em 1989.

Nos últimos tempos, porém, familiares e cuidadores perceberam certa estagnação no tratamento do ex-pugilista, que deixou de lado até mesmo o gosto pelos exercícios e socos em sacos de areia. “A doença tem picos. Tinha semana em que ele estava bem, semana que não. Ele precisa de muita medicação, então ficava mais sonolento, preguiçoso, apático, não queria acordar, sair da cama ou andar”, relata Irani Pinheiro, advogada e esposa de Maguila.

Foi com base nesses relatos e exames clínicos que o neurologista Renato Anghinah, médico de Maguila há mais de oito anos e especialista em concussões cerebrais, sugeriu uma abordagem fitoterápica. “Optamos por entrar com o canabidiol já tem uns dois meses. Não é uma cura, mas traz benefícios no sentido da qualidade de vida. Deixa a pessoa mais tranquila, com uma sensação de bem-estar maior”, explica.

Adilson Rodrigues e sua esposa Irani, em 2001

Desde então, Maguila consome diariamente algumas gotas do óleo de canabidiol (CBD) isolado — sem moléculas de THC (tetrahidrocanabinol, que “dá barato”).

Ele tinha um olhar de infinito, sabe? Eu não sei como explicar isso. E com essa medicação eu percebi que ele olha mais no olho, está mais atento. Isso foi muito bom para ele.” Irani Pinheiro, advogada

Ainda faltam estudos, diz neurologista

Maguila foi diagnosticado com Encefalopatia Traumática Crônica, uma doença degenerativa, progressiva e irreversível, que costumava ser conhecida até os anos 90 como “demência pugilística”. Apesar do nome popular, a condição, que prejudica a memória, a capacidade motora e altera o comportamento, pode afetar atletas de modalidades com constante impacto no crânio.

“O Maguila começou a ter essas alterações com menos de 50 anos. É muito mais um distúrbio comportamental do que de memória, cognitivo”, explica Anghinah.

“O canabidiol é uma boa indicação para pacientes que tomam uma quantidade grande de medicamentos e buscam uma melhor qualidade de vida. Não serve para tudo. As maiores indicações são para epilepsia, autismo, principalmente com alterações comportamentais importantes, dor e ansiedade”, conta Anghinah, que assumiu em 2020 as pesquisas médicas como diretor global da empresa de cannabis medicinal que fabrica a medicação usada por Maguila.

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Apesar dos estudos e resultados positivos, ainda é preciso tratar com ressalvas a medicina canabinóide, diz a neurologista Sônia Dozzi Brucki, coordenadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas da FMUSP.

“Faltam estudos com um número adequado de pacientes, com uso de placebo para ver de fato a resposta aos medicamentos. É bastante promissor, mas não deve ser encarado como a melhor opção para todas as situações.”

Tratamento não “dá barato” e ainda encontra resistência

Adilson Maguila faz tratamento a base de canabidiol para combater doença degenerativa no cerébro

Ciência recente em todo o mundo, a medicina canabinóide ainda é tratada com certa resistência na sociedade e até entre a própria classe médica. “São cem anos chamando cannabis de maconha, uma droga proibida. Este preconceito contra a palavra cannabis foi martelado na cabeça da humanidade desde a Lei Seca”, argumenta Anghinah, referindo-se ao período entre 1920 e 1933, em que a venda e o consumo de bebidas alcoólicas eram proibidos nos EUA. “Depois, o álcool foi permitido, e a maconha ficou como droga ilícita. É engraçado, porque o álcool faz muito mais mal para o organismo.”

Fazer uso da medicina canabinóide não significa usufruir das características psicoativas da planta, explica Gabriel Barbosa, supervisor de pesquisa e desenvolvimento da HempMeds. A substância-base para os tratamentos é o CBD, que atua de maneira diferente do THC no sistema nervoso central. Em outras palavras, não quer dizer “fumar maconha” ou “ter barato”.

“Embora o THC e o CBD sejam parecidos entre si, pequenas diferenças em suas estruturas químicas são responsáveis por grandes diferenças farmacológicas. A molécula do THC ativa receptores encontrados principalmente em estruturas do sistema nervoso central, o que faz com que indivíduos que utilizam doses maiores sintam os efeitos clássicos do consumo adulto da cannabis. O CBD, por sua vez, não possui a mesma capacidade de ativar estes receptores”, diz Barbosa.

Não é só no boxe: a medicina canabinóide em outros esportes

A opção pela medicina alternativa extrapola os ringues e cada vez mais faz parte da rotina de atletas. Em 2018, a Agência Mundial Antidoping retirou o CBD da lista de substâncias proibidas. Apesar de a maioria das grandes ligas ainda não permitir o uso, os canabinóides estão encontrando algum espaço no ambiente esportivo.

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Nos EUA, por exemplo, a NFL (principal de liga de futebol americano do país) conduz diversos estudos para substituir remédios tradicionais por outros menos nocivos ao organismo, como o CBD. Grandes nomes do esporte, que igual ao boxe tem pancadas na cabeça como parte do jogo, já começam a se posicionar.

Com a carreira marcada por lesões, o astro Rob Gronkowski hoje está ligado a uma companhia que vende produtos à base de canabidiol e afirma que a medicina alternativa teria feito grande diferença em sua trajetória. Já aposentado, Kyle Turley foi mais categórico: “O jogo é brutal. A cannabis salvou a minha vida e poderia ajudar muitos outros.”

Mas não é somente em esportes com enorme grau de impacto físico que o CBD vem ganhando manchetes. A Liga Americana de Futebol Feminino permite o uso e é patrocinada por uma marca ligada à medicina alternativa. A norte-americana Megan Rapinoe, uma das maiores atletas do futebol mundial, defende abertamente o uso do CBD e garante que a medicação auxiliou com as dores e no processo de recuperação de duas sérias lesões nos joelhos.

Ao que tudo indica, o lobby desses atletas ganhou um reforço de peso. Ciente da medicação a base da planta tão controversa, Maguila aos poucos retoma capacidades motoras e dá indícios de que pode permanecer em pé por mais muitos rounds. E, claro, não abre mão da piada: “Quando explicamos o que era o remédio, ele até gostou, viu?”, conta Irani, rindo.,

Fonte: Natelinha

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