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As barreiras para doação de órgãos no PI: 540 pacientes à espera de um recomeço

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Um dos momentos mais difíceis na vida de uma família que espera em uma fila de transplante de órgãos é encontrar um doador compatível. Só no Piauí, 405 pacientes aguardam por uma córnea e 135 por um rim. O estado só está apto para transplantar dois tipos de órgãos pela falta de mais equipes treinadas. O OitoMeia conversou com quem doa, recebe e media transplantes de órgãos no Piauí.

Família do estudante Paulo Patrick optou pela doação de órgãos (Montagem/OitoMeia)

Paulo Patrick, 14 anos, foi morto nas manifestações de 2013 pelo reajuste da passagem de ônibus, em Teresina. Ele foi atropelado, na ponte Juscelino Kubitschek, sofreu um forte impacto na cabeça com a queda, entrou em coma e teve morte cerebral decretada dez dias depois. Ele vivia o ápice da vida, integrava o time de handebol do colégio Caic Balduíno, acabara de chegar do Espírito Santo e teve a vida interrompida numa fração de segundo.

“Nós tínhamos esperança na recuperação, mas infelizmente não aconteceu. Ele era do time de handebol do colégio Caic Balduíno, estava muito feliz. Quando aconteceu a morte cerebral no décimo dia, bateu o desespero. A gente como mãe fica com medo de antecipar a morte, o pensamento, porque a gente quer que ele viva. Mas os irmãos dele e os amigos disseram que já haviam conversado com ele e que o Paulo tinha o desejo de realizar doação de órgãos. Ele era tão jovem, mas já havia pensado nisso”, contou ao OitoMeia, Elis Sena, mãe de Paulo Patrick.

Na época, o caso ganhou repercussão. A mãe do menino relembrou os dias em que se apegou à fé e à esperança de que o jovem sobreviveria e que poderia levá-lo para casa. Esse dia não chegou. Ao mesmo tempo em que o diagnóstico médico foi dado, a equipe de transplantes abordou a família. O momento de luto e sofrimento se transformou em chance pela vida.

“Primeiro, nós não queríamos ouvir a negativa do médico. Foram feitos vários testes, mas a gente não aceitava o diagnóstico e pedíamos mais retorno. O médico disse que não teria mais retorno, que o corpo já estava começando a ter falência dos órgãos. Eu tinha medo de pôr fim à vida dele, quando eu dissesse sim a doação, eu acabasse ajudando ele a morrer mais rápido porque a gente queria que ele ficasse”, declarou a mãe da vítima.

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Paulo Patrick declarou em vida o desejo de ser um doador

O Sistema Estadual de Transplante informou ao OitoMeia que as vítimas que conversaram em vida com familiares e manifestaram o desejo de doar órgãos são os que mais contribuem para a diminuição de filas de espera. No Piauí, há duas equipes credenciadas e a Central de Transplantes atua como um órgão regulador que acompanha desde o credenciamento da equipe até as disposições finais que é quando o paciente recebe o órgão.

“O que fez a gente aceitar foi o que os amigos dele do Caic Balduíno disseram. Ele era um dos pivôs do time, estavam super bem, ganhando as partidas e solicitados em vários estados. Todos me falaram o quanto ele estava alegre, feliz e com certeza ele iria gostar de ajudar as pessoas. Ele era muito humano, era vegetariano, eles admiravam ele por essas características que nem todos os garotos da idade dele têm. Foi pensar que ele estaria vivo em outras pessoas e que teríamos uma aceitação dele [que autorizamos a doação]”, justificou Elis Sena. 

Uma nova vida

O ponto feliz dessa história aparece na trajetória de Rogério Carvalho. Aos 46 anos, ele descobriu um problema renal hereditário que havia sido impulsionado pelo diagnóstico de pressão alta. A hemodiálise foi um dos únicos caminhos apontados pela equipe médica, e foi o que ele fez por dois anos. Foram dias que ele relembra com pesar. Já o outro caminho, era um transplante.

Rogério Carvalho relembra com pesar os dias em que passou no hospital (Foto: Divulgação)

“Eu passei dois anos e dez meses fazendo hemodiálise. Minha rotina era horrível. Fazia hemodiálise três vezes na semana durante quatro horas. Quando eu terminava eram mais cinco horas me recompondo por conta do desgaste. Minha vida era só isso. Não existia vida. Eu não podia sair, viajar, beber água. Não era uma vida, era uma sobrevida. Hoje, eu estou 100%. Depois do transplante tudo voltou ao normal. Eu tomo a medicação no horário certo para evitar rejeição e evito carne vermelha”, relatou o receptor do órgão.

Devido aos baixos índices de transplantes no Piauí, Rogério não tinha mais esperanças. A maior surpresa da vida foi quando foi chamado para cirurgia, já que ao seu lado, nas salas de hemodiálise, haviam pessoas que esperavam há mais de dez anos. Para as famílias que têm o poder de transformar vidas, ele deixa um recado:

“É um momento de dor, mas é preciso pensar nas outras famílias. Se o órgão não for doado, ele não servirá para mais nada. É um ato de solidariedade, humanidade, a vida continua. É saber que essa família pode possibilitar a vida de outro ser humano. Eu não tinha esperança, quando esse órgão chegou para mim foi uma surpresa. Não achava que seria chamado tão rápido porque conheço pessoas que estão lá há 10 anos e nunca foram chamados”, relembrou Rogério Carvalho.

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Trâmites dos transplantes no Piauí

Além das equipes de transplante de rim e córnea, instaladas no Hospital Getúlio Vargas (HGV) e Hospital Unimed, também há no Piauí uma equipe credenciada para retirada de fígado. Assim como, há um processo em andamento para qualificar equipes médica e da enfermagem para realização do transplante completo no estado. O HGV também abriga o banco de tecido onde as córneas ficam armazenadas.

Hospital Getúlio Vargas (Foto: Reprodução)

“Quando alguém tem um problema de saúde, o paciente procura um médico credenciado, ele cadastra no sistema para saber se tem um receptor. Quanto temos uma doação, nossa equipe de Organização de Procura de Órgãos que visita todos os estabelecimentos médicos de Teresina que possam ter um potencial doador. Quando esse potencial doador é identificado pelas equipes que assistem o paciente, eles avisam a equipe para que seja feito um diálogo com a família”, informou a enfermeira Ayla Calixto, da Central de Transplantes de Teresina.

2019 registra os piores índices de transplante

O Piauí passa por uma queda brusca no número de transplantes realizados anualmente no estado. Nos últimos cinco anos, os índices mais baixos foram os de 2019 com apenas 94 transplantes de córneas e 14 de rim. Uma vez que em 2018, os números foram 140 e 156, respectivamente, de acordo com a Central de Transplante do estado.

  • Transplantes no Piauí em 2015: Córnea- 177/ Rim- 204
  • Transplantes no Piauí em 2016: Córnea- 139/ Rim- 159
  • Transplantes no Piauí em 2017: Córnea- 160/ Rim- 198
  • Transplantes no Piauí em 2018: Córnea-140/ Rim – 156
  • Transplantes no Piauí em 2019: Córnea- 94/ Rim- 14

“Esse ano tivemos uma queda significativa no número de doadores, comparando com os anos anteriores. O momento em que fizemos a abordagem é o momento em que a família está sendo comunicada sobre a morte da pessoa. Para que a doação seja realizada, infelizmente, não temos como esperar que a família se recupere dessa reação. A família está em choque e às vezes são mortes inesperadas. O que a gente percebe é que as pessoas que já falaram sobre doação para as famílias, quando a pessoa que morreu já manisfestou isso em vida, eles se sentem mais à vontade em autorizar. O que percebemos é que precisamos investir nessa divulgação, em falar sobre mortes, sobre doação”, finalizou a enfermeira.

Fonte: Oito Meia

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