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PI | Lei da acessibilidade é ignorada e Ministério Público auxilia cadeirantes a superar desafios

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O direito de ir e vir é considerado por muitos cadeirantes em Teresina “letra fria” da lei, uma vez que mesmo com tantas legislações, quem  depende de uma cadeira de rodas ou uma bengala para guiar cada passo ainda enfrenta situações difíceis e constrangedoras por falta de acessibilidade. Nesse sentido, o Ministério Público do Estado do Piauí (MP-PI), como fiscal da lei, acaba sendo, literalmente, os pés e olhos de pessoas que socialmente são vistos como diferentes.

O presidente da Associação dos Cadeirantes do Município de Teresina (Ascamte), Wilson Gomes, passou recentemente por uma situação constrangedora ao urinar nas calças por falta de acessibilidade nos banheiros da Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (Strans), um prédio público. Após situação vexatória, o problema foi resolvido e resultou na instauração de um inquérito policial.

“Solicitamos inquérito policial para ver se aquela falta de acessibilidade não importou em crime de discriminação. Existe jurisprudência no sentido de que não garantir acessibilidade pode incidir em um crime. Em outras palavras é você está dizendo para aquela pessoa que ela não pode entrar em um prédio público ou privado porque não se está garantindo acessibilidade e isso é discriminação. O gestor pode responder criminalmente. O prédio da Strans é alugado há 10 anos sabendo que não tem acessibilidade porque esse gestor não pediu para mudar de lá? É  aquela coisa de não ver o direito do outro”, disse a promotora de Justiça Marlúcia Evaristo, titular da 28ª Promotoria de Justiça de Teresina – Promotoria de Defesa da Pessoa com Deficiência e do Idoso.

A situação ocorrida com o presidente da Ascamte é apenas um dos constrangimentos quase que diários enfrentados por cadeirantes que apontam o Centro de Teresina como um dos locais mais inacessíveis à pessoa com deficiência.

Na estação do metrô na Praça da Bandeira, por exemplo, o elevador que dá acesso à parte superior para embarque e desembarque de passageiros não funciona há anos e está tomado por teias de aranhas. Assim é impossível um cadeirante pegar o metrô no local.

“De 2010 para cá acho que só funcionou por seis meses. Acredito que nenhum cadeirante chegou a usar, pois só funcionou por pouquíssimo tempo. Quando a gente começou a entender que tinha esse transporte e veio procurar já estava nessa situação, impossibilitando de usufruirmos desse sistema. Se algum cadeirante precisar pegar o metrô, não pega. Mesmo que o elevador estivesse funcionando, as outras estações em sua maioria não contemplam acessibilidade, não têm nenhuma rampa. Não foi pensado para a pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. É um direito tão básico, a lei garante a acessibilidade, o direito de ir e vir, mas está sendo descumprido”, lamentou o presidente da Ascamte.

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Na mesma estação de metrô, a escada rolante que seria uma opção para idosos, pessoas com dificuldades de locomoção visual ou física, por exemplo, também está parada. Com isso, o jeito é subir dezenas de degraus para conseguir pegar o metrô.

“Um dia eu caí subindo as escadas. O metrô ia saindo e fui tentar caminhar ligeiro e acabei caindo. Só ralei o joelho, mas podia ter acontecido algo pior. Todo mundo reclama até mesmo os mais novos. É ruim tanto pra descer como para subir. Todo dia é um sufoco”, disse o aposentado Aldamir Borges dos Santos de 65 anos.

A cada desembarque na estação central não raro descem ou sobem mães com crianças no colo, gestantes e até pessoas com muletas como é o caso da senhora Maria do Carmo, 67 anos.

“Nunca usei essa escada rolante. Quebrei meu pé há cerca de dez meses e ainda está inchado. Mas é o jeito subir essas escadas, senão não pego o metrô”, disse a idosa que caminha com dificuldades e teve que subir mais de 30 degraus para conseguir chegar à parte superior da estação.

Paulo Martins, presidente Companhia Metropolitana de Transporte Público (CMTP), confirmou que apenas seis das 11 estações de metrô de Teresina têm acessibilidade e em uma “previsão otimista” a obra que garante a autonomia aos cadeirantes só deve ser iniciada no fim de 2020 e está a cargo da Secretaria de Estado dos Transportes (Setrans).

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Sobre o elevador, ele justificou que a sobrecarga de energia provocada pelo equipamento é o grande problema.

“Ficou parado várias vezes e agora está há cerca de três anos e meio sem funcionar. Já temos recursos e aguardamos a liberação da empresa de energia para mudança da subestação. Queremos que o elevador volte a funcionar até 20 de dezembro”, disse Martins que não estipulou prazo para o retorno do funcionamento da escada rolante.

Em relação às estações de metrô Livramento [zona Sudeste de Teresina] e Boa Esperança [ na zona Norte de Teresina], o MP firmou  propostas de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Governo do Estado que devem ser estendidas paras as demais estações.

Se andar de metrô em Teresina é quase uma missão impossível para os cadeirantes, embarcar e desembarcar dos ônibus do sistema Inthegra  requer a habilidade de “empinar” cadeira de rodas. A Strans informou que os terminais de integração e os ônibus estão dentro dos padrões estabelecidos pela fiscalização e os terminais, por serem de convênio federal, passaram pela fiscalização e medição da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A Diretoria de Transportes Público se comprometeu em incluir uma operação de fiscalização nos ônibus, junto as operadoras, para verificar o nivelamento dos veículos. Contudo, na prática, observa-se que algo está errado.

O cadeirante Paulo Sousa Lima- que é técnico em Edificações- diariamente precisa pegar ônibus no terminal do Santa Lia, na zona Leste de Teresina, e encontra dificuldades já  na rampa de acesso. O local foi entregue recentemente à população, mas tem quase o dobro da inclinação determinada pela Norma Brasileira (NBR).

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Os problemas se estendem também para dentro do terminal. Um deles é um vão de cerca de 90 cm de profundidade e quase 30 cm de largura entre a descida do ônibus ao solo.

“Devia ter uma passagem de nível. O ônibus deve estar em plano nivelado com o solo para que haja uma passagem suave. Além disso existe um vão, que forma um fosso com 90 cm de profundidade. Qualquer pessoa com deficiência, criança, idoso ou com mobilidade reduzida que meta a perna ali já vai ser um acidente que pode deixar uma lesão. Eu consigo porque tenho habilidade de empinar cadeira e consigo passar só com a roda traseira. Agora uma pessoa que tem uma cadeira motorizada não consegue inclinar. Esse tipo de cadeira pesa em média 70 kg”, disse o técnico em Edificações.

Paulo também recorda uma situação em que todos os passageiros tiveram que descer do ônibus após problema na plataforma elevatória veicular. A situação ocorreu em novembro deste ano e foi registrada por meio de vídeo.

“Empurrando com barriga”

Para os cadeirantes, a falta de acessibilidade não se restringe aos prédios públicos. Pode parecer imperceptível, mas em várias lojas no centro da cidade, os deficientes físicos também não têm livre acesso, o que fere também o Código de Postura do Município.

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A promotora de Justiça Marlúcia Evaristo frisa que é competência do Município, por meio das Superintendências de Desenvolvimento Urbano (SDUs), observar o cumprimento da lei da acessibilidade nos prédios privados de Teresina que é motivo para não renovação do alvará de funcionamento.

“Em relação a prédio se privado é o município que tem que garantir acessibilidade. Então eu instei poder público municipal”, pontou a representante do MP.

O presidente da Ascamte conta que há anos denuncia a falta de acessibilidade nos prédios públicos, mas “ainda é feita muita vista grossa”.

“Tivemos reuniões e nos disseram que têm dialogado, mas não tem funcionado. São 14 anos vendo que os mesmos prédios, as mesmas lojas continuam sem acessibilidade sem rampas, sem banheiros acessíveis, sem gôndolas apropriadas. Algumas lojas até têm, contudo as rampas são inacessíveis, fora das normas. Desse jeito, o cadeirante não pode usar com autonomia. A lei é bem clara: você tem que se utilizar da acessibilidade em pé de igualdade com outras pessoas, o cadeirante tem que conseguir subir uma rampa sozinho”, desabafa Gomes.

MP garante na Justiça  que seja cumprida acessibilidade em prédios públicos 

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O desabafo do presidente da Ascamte segue por anos e só agora em 2019, foi dado ganho de causa a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado do Piauí (MP-PI) no sentido a obrigar o Estado do Piauí a garantir acessibilidade nos prédios  públicos.

“Foram duas ações, uma contra o Estado e outra contra o Município, só que aquela andou mais rápido e conseguimos uma antecipação de tutela e o juiz já concedeu a sentença. Isso significa,  em relação ao Estado do Piauí, que temos uma decisão final mandando que o estado do Piauí não só elenque os prédios públicos como em seis meses inicie as obras de acessibilidade e em 18 meses conclua as obras”, explica a promotora Marlúcia Evaristo.

A ação civil pública movida pelo MP não está relacionada apenas a obras de infraestrutura, mas garante acessibilidade plena a exemplo de um intérprete de libras nas recepções de prédios públicos  para atender pessoas surdas.

“Um surdo não ter intérprete de libras é a mesma coisa eu chegar em um país,  não saber o idioma e  adoecer.  Como vou chegar  a um hospital e dizer o que eu estou sentindo? Nessa ação garantimos também que nas repartições públicas tenham  documentos em braile para que a pessoa com deficiência visual possa conferir o que está assinando; é  disponibilizar faturas em meios digitais que sejam acessíveis. Isso garante cidadania e é isso que a gente quer,  que as pessoas cheguem aos órgãos públicos e tenham essa garantia de cidadania é uma coisa pequena que muitas vezes você nem entende porque é colocado em segundo plano, disse  a representante do MP.

Descumprimento da lei da acessibilidade é questão cultural

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Tanto descumprimento da lei da acessibilidade ainda é questão cultural. A promotora citou ainda decisão do ministro Marco Aurélio Mello sobre acessibilidade.

“Ele disse que as pessoas com deficiência tem que parar de serem vistas como cidadão de segunda classe porque não são, tem os mesmos direitos e cidadania que qualquer outra pessoa. Tudo isso é uma questão cultural. A nossa cultura é de que a maioria das pessoas não tem deficiência e não é preciso se importar com a chamada minoria. Ocorre que não são minoria.  O censo de 2010  apontou que 23, 5% da população do Piauí é constituída de pessoas com algum tipo de deficiência. Então começo desmistificando que não é questão de minoria. Infelizmente, as pessoas com deficiência são vistas como minoria e por serem vistas como minoria,  as políticas públicas não são voltadas para a cultura de olhar o outro. Não somos ensinados a olhar a necessidade do nosso semelhante”, disse Evaristo.

Inúmeras são os casos de descumprimento da lei da acessibilidade e vários são as ações impetradas pelo Ministério Público do Estado do Piauí, seja a sinalização em shoppings da Capital ou a garantia de acesso a parques públicos como é o caso do Complexo Parentão.

Conta que não fecha

O descaso com os cadeirantes acontece não só em relação às plataformas de acesso para o transporte público. Até junho deste ano, o transporte eficiente- ônibus adaptados aos deficientes físicos e garantido na lei municipal 4.008 de 2010- era pago. Ação civil pública impetrada através da Promotoria de Justiça e Defesa da Pessoa com Deficiência e do Idoso garantiu na Justiça a gratuidade no transporte eficiente, bem como outros benefícios, tais quais, o funcionamento de forma ininterrupta, todos os dias da semana, inclusive aos domingos e feriados, sem horário pré-estabelecido; gratuidade para os usuário detentores da carteira do passe livre e seus acompanhantes no sistema de transporte coletivo urbano ampliação da frota.

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O presidente da Ascamte reconhece as melhorias após o reconhecimento pela Justiça da ação movida pelo MP, mas denuncia que a determinação judicial não está sendo cumprida na integralidade. Wilson Gomes diz ainda que a “conta não fecha”. Para se ter uma ideia, atualmente existem apenas 14 vans do transporte eficiente para mais de 3 mil teresinenses.

Diante do descumprimento, a promotora de Justiça Marlúcia Evaristo pontua que já levou a situação ao conhecimento do Judiciário.

“O prazo já venceu e não consta nos autos que eles não recorreram. Então pedi ao juiz que aplicasse multa pessoal ao gestor e se o gestor continuasse descumprindo que o juiz aplicasse a pena de prisão do gestor tanto na pessoa do chefe do Executivo municipal como do superintendente da Strans. É o que a gente pode fazer enquanto Ministério Público porque chega um momento em que o Ministério Público não pode ultrapassar a questão que já foi levada ao conhecimento do Judiciário que é quem tem que entrar com as medidas”, esclarece a promotora.

Entre os avanços voltados a garantir condições de igualdade à pessoa com deficiência está o dever de acessibilidade incluído no rol do artigo 11 da lei de improbidade administrativa,  cujo descumprimento acarreta inúmeras consequências e se equipara, entre tantos outros crimes previstos na lei, como o desvio de bens públicos.

“O descumprimento traz consequências como a suspensão dos direitos políticos, perda do cargo, entre outras sanções que o gestor tem que pensar bem”, frisa a titular da 28ª Promotoria de Justiça de Teresina.

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A titular da Promotoria de Defesa da Pessoa com Deficiência e do Idoso também já sentiu na pele a falta de acessibilidade. Ela- que tem um filho deficiente visual- já passou por situação constrangedora no aeroporto durante uma viagem em família para fora do país. Após mover “céus e terras”, literalmente, a promotora conseguiu na Justiça decisão que beneficiou o país inteiro após mudar o padrão de carimbos da Polícia Federal.

“Meu filho era novinho e não assinava na grafia comum e colocaram ele como analfabeto, sendo que ele já era alfabetizado pelo sistema braile. Entrei com representação e eles mudaram o padrão de carimbo da Polícia Federal. Hoje quem não assina na grafia comum não vai sair analfabeto,  vai sair alfabetizado em braile.  Digo que sou privilegiada por conseguir conciliar os interesses pessoais com os interesses profissionais no sentido em que quanto mais eu trabalho em prol da pessoa com deficiência  indiretamente eu beneficio meu filho porque eu mudo as políticas públicas que no final das contas vão beneficia-lo também”, concluiu Marlúcia Evaristo.

Atualmente, a Promotoria de Justiça e Defesa da Pessoa com Deficiência e do Idoso é uma com mais movimentações dentro do Ministério Público  do Estado do Piauí com mais de1 mil mensais, seja o ingresso de ações na Justiça, expedição de recomendações, despacho de processos, audiências entre outras.

Em caso de descumprimento dos direitos do idoso, da pessoa com deficiência ou outros direitos, a orientação é acionar a ouvidoria do MP-PI através do 127.

Fonte: Cidade Verde

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