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Caridade do Piauí

CARIDADE | Clicks do Mês de março retrata uma história de sofrimento, luta e resistência; confira!

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Um Clicks do Mês que quebra padrões. Que conta uma história de sofrimento, dor, humilhação, mas que em seus detalhes, mostra também luta, fé, resistência, coragem. Indo cada vez mais longe, a equipe do projeto percorreu cerca de 120 km, até a cidade de Caridade do Piauí, para realizar a edição de março do Clicks do Mês.

Francisca Romana da Conceição, 79 anos, conhecida como Chica Preta, é a nossa personagem principal. Uma mulher simples, humilde e que carrega as marcas de uma árdua jornada de vida. Ela nasceu na localidade Formosa, zona rural de Caridade do Piauí.

Francisca foi entregue pela mãe para ser criada por outra mulher, nas mãos de quem ela viveu seus piores dias. Da sua infância até entre os 20 e 25 anos de idade, ela foi tratada como uma escrava.

“Minha mãe me deu a uma mulher pra ela criar, aí ela tinha raiva de mim porque eu era uma “nega”. Ela não me tratava bem, me queimava, jogava “burrai quente”, eu carregava panela quente na cabeça. Mandava eu ir buscar água e ia atrás, pegava um cipó e eu ia com uma cabaça na mão, a lata na cabeça e ela me batendo. Eu tenho uma marca ainda de um dia que ela tava “me surrando” e depois me furou com uma faca” relembra ela.

Pela idade e problemas de saúde que enfrenta, Francisca, (in)felizmente, não se lembra de todo sofrimento que passou, mas as lembranças que ainda carrega marcam sua vida e a de quem ouve seus relatos. “Eu sofri demais, eles me colocavam era em cativeiro mesmo. É porque tem muita coisa que não lembro mais, mas tem um vizinho meu mesmo que sabe de tudo que vivi” destacou.

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“Ela me colocava para fazer as coisas e se eu não fizesse ela “largava a pea”. Um dia eu tava na roça “catando maxixe” e ela me batendo, aí chegou um filho dela e perguntou “mãe, porque que a senhora tá “surrando” ela, é porque ela é preta e nós somos brancos?”. Teve um tempo que um filho dela matou umas galinhas e dizia que era eu que tinha matado, aí ela com raiva colocava comida pra todo mundo e pra mim ela dava só feijão com arroz. Tinha vez que quando eu ia comer era de noite.  “Toda vida fui judiada” contou.

Quando já não aguentava mais o sofrimento e humilhações, Francisca resolveu ir fugir a casa da mãe, em Ouricuri-PE. “Eu sai de lá eu fui para a casa em Ouricuri. Mãe me recebeu lá, mas voltei para cá, fui para Ouricuri de novo, mas não deu certo. Voltei para Caridade e fiquei “zanzando aqui”, depois conheci um povo meu e fui para a Formosa de novo, mas ninguém ligava para mim não” contou.

Quando voltou para o Piauí, Francisca conheceu seu atual companheiro, Ciridião Mariano. “Se não tivesse encontrado esse homem aí eu já tinha morrido Nós fizemos empréstimo e construímos essa casa. Foi bom demais quando conseguimos fazer essa casinha. No tempo chegou um homem aqui dizendo para a gente fazer só um quarto e eu disse “não quero quarto, quero uma casa”. Aí conseguimos construir e estamos vivendo do jeito que Deus quer. Eu nunca pensei que ia ter uma casa” falou em um rastro de lembrança.

Dona Chica também tem deficiência visual. Ela parou de enxergar há 3 anos.  “Eu já estava doente de um olho, mas enxergava. Quando fiquei sem enxergar foi ruim demais. Quando ainda enxergava ele ia para roça e quando chegava 10 horas o almoço já tava pronto, eu gostava de fazer as coisas. Antes eu lavava minhas roupas, louça, banheiro, cuidava da minha casa. Até depois que fiquei cega ainda fazia. Aí depois que tive que ir ao hospital de Simões doente, eu deixei de fazer, mas tem uma menina que trabalha aqui” disse.

Depois de tudo que passou, hoje, Francisca, apesar dos problemas de saúde, tem uma vida mais tranquila e conta com a ajuda e cuidado do seu companheiro. “Hoje minha vida tá boa, só não está melhor porque a gente adoece e fica pensando em coisas ruins. Mas Deus ajuda e vai ajudar ainda. Eu achei esse homem e foi Deus que conseguiu ele para minha vida porque meu sofrimento era demais. O povo que me criou, me maltratou, quase todos já morreram, mas eu estou viva ainda e posso dizer que estou na glória” falou.

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Ciridião Mariano da Silva, conta que bebia muito e que familiares de Francisca não queriam a união dos dois. “Eu bebia, era sem futuro, todo dinheiro que pegava gastava. Aí um dia encontrei ela em Simões e ela me perguntou se ela me desse o cartão se eu deixava de beber e fazia uma casa para ela. Eu disse que sim. Aí fui pegar o cartão com a família dela e eles disseram que eu era cachaceiro, vagabundo e ia era judiar dela. Mas hoje já está com 12 anos que convivo com ela e nunca encostei um dedo”.

Ele conta que a vida dos dois mudou. “Nós dois mudamos. Eu fiz ela feliz e sou feliz por causa dela. Ela me sustentou durante onze anos, eu só vim conseguir o meu agora, não faz nem um ano. Agora estou cuidando de ajeitar a casinha dela e vamos vivendo do jeito que Deus quiser. Nesses doze anos a gente nunca separou. Semana passada ela teve que ser internada em Simões e a gente quase não consegue levar ela porque ela só queria ficar lá comigo, só confia em mim. E minha vida é cuidar dela, porque ela merece, porque não era só ela que estava jogada antes, mas eu também, porque vivia na perdição e mudei depois que encontrei ela. Quando ela adoeceu semana passada, do jeito que ela saiu eu achava que não voltava viva e já fiquei imaginando como seria minha vida sozinho” relatou.

Ele disse que Francisca sofreu muito. “Quando juntei com Chica ela já enxergava pouco, já era doente dos olhos. Ela foi muito judiada, acho que até furaram o olho dela. Ela tem um corte que foi a mulher que cuidou dela que deu uma facada. Mas ela perdeu a vista porque uma irmã de criação dela deu remédio para ela sem indicação do médico e aí ela cegou de uma vez. Se fosse relatar o sofrimento dela era três dias só contando”.

Por fim, Mariano lembrou da alegria de Francisca quando soube teria uma casa. “No dia que disse para ela que essa casa estava coberta ela veio aqui pra dentro, sem porta ainda, sem nada e começou a chorar. E ela não quis mais sair, a gente teve que vir para cá e dormia aqui era no barro mesmo, mas ela era satisfeita, ainda enxergava e cuidava das coisas. Toda vez que olhava para a casa ela chorava porque nunca tinha imaginado na vida dela que possuiria uma casa, nem que fosse de taipa. A gente ficou trabalhando, a comunidade ajudou, o banheiro foram eles que fizeram, recebemos muita ajuda” disse.

No fim, dona Chica, na sua simplicidade e inocência disse que gostou de participar do Clicks do Mês. “Gostei de participar. O passeio foi bom, a conversa foi boa (risos), e as fotos também” finalizou.

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No ensaio do Clicks do Mês de março, contemple imagens de uma mulher forte, que carrega marcas de sofrimento, mas que apesar de tudo, sorri e toca o coração de quem tem a oportunidade de conhece-la :

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