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Massapê do Piauí

Faltava giz e transporte, mas não a vontade de aprender: um pouco da história da educação em Massapê do Piauí

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A Educação é um bem precioso. Este fato se confirma pela sua própria história, marcada, em muitos episódios, por dificuldades e desafios. Para ter acesso a ela, muitos tiveram que enfrentar barreiras, lutar, persistir.

Não diferente de tantos outros lugares, na pequena cidade de Massapê do Piauí, a trajetória da educação é marcada por percalços, mas também pela força e determinação daqueles que em tempos passados, muito se dedicaram para aprender e também ensinar.

Odília Martins da Costa, 77 anos, está entre os educadores pioneiros de Massapê do Piauí. Ela atuou por 6 anos na primeira escola do município, a João Manoel da Costa, onde esteve a frente das primeiras turmas da Rede Municipal.

Mas antes de chegar a uma sala de aula, ela enfrentou uma dura jornada para aprender o pouco, que mais a frente, iria compartilhar com muitos. Odília conta que estudou em casa de família.

“Eu aprendi alguma coisa com outros professores particulares, em casa de família. Eles não eram formados, era só para ensinar as primeiras letras. Meus pais que pagavam, as coisas eram muito dificílimas, eles eram pobres, sempre trabalharam na roça”.

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A 6ª série, até onde ela conseguiu estudar, foi concluída por apostilas. As provas, eram realizadas em Jaicós. “Completei a 6ª série por correspondência. Eu trazia apostilas de Jaicós, estudava em casa e ia fazer a prova lá. Antes eu só sabia ler e escrever, mas como ia assumir a responsabilidade de uma sala de aula, o município disse que eu tinha por obrigação dar aula, mas ficar estudando”.

Sem outro transporte e com o dinheiro que muitas vezes faltava, até de jumento ela ia para Jaicós fazer as provas. “Para ir para Jaicós era difícil, tinha que pagar passagem e a economia era pouca. Muitas vezes a gente ia até de jumentinho, porque carro era difícil na época. As estradas eram ruins, carroçais. Foi muito duro, mas como a gente queria ver mesmo desenvolver o lugar, enfrentava tudo”.

Odília se tornou então alfabetizadora. “Aqui era muito carente, não tinha ninguém para ensinar, então aquelas pessoas que sabiam mais ou menos escrever, fazer uma continha, se tornavam alfabetizadoras. Cheguei a dar aula do Mobral, em casa de família, na década de 70. Era uma aula que o Governo Federal enviava para quem não sabia nem assinar o nome. Nesse tempo a gente ia fazer treinamento em Jaicós, porque aqui não era cidade, era lugarejo pertencente a Jaicós”.

Depois, já na década de 80, veio a primeira escola do município. “Eu inaugurei o ensino na escola, na primeira sala de aula quem fez o comando fui eu e mais uma colega, a Deuzelite Maria Costa. Cada uma tinha uma turma”.

A sala de aula estava sempre cheia. Para as alfabetizadoras um desafio, mas com uma recompensa impagável. “E naquela época uma só professora pegava no mínimo 30 alunos, porque as mães diziam que queriam colocar o filho e a gente tinha dó. Mas era um trabalho complicado, uma pessoa só acompanhar tantos alunos. Hoje eu não me atreveria mais, naquele tempo é porque a gente tinha firmeza. Mas eu me sinto muito feliz pelo que pude fazer”.

Nesse período, a escola da rede estadual também já funcionava. Da João Manoel, os alunos seguiam para lá. “Os alunos eram alfabetizados por mim, depois iam para a turma de Chico Coutinho, ele dava o 2º ano. Aqueles que eram mais desenvolvidos passavam só um ano, mas os que tinham mais dificuldade, passava 2 ou até 3 anos. E nunca faltava aluno, sempre tinha criança para novas turmas” contou Odília.

Em seu último relato ao Cidades Na Net, ela falou da gratidão que muitos daqueles que foram seus alunos, tem por ela. “Hoje tem pessoas que dizem que agradecem muito, porque naquela época era muito dificílimo. E hoje tem muitos que foram meus alunos formados, sendo professor. Vez em quando falo com algum aluno e ele diz assim ‘graças a senhora é que cheguei onde estou, porque se não fosse a senhora naquela época para me alfabetizar, eu não era nada hoje”.

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Quem também contou um pouco sobre a história do ensino em Massapê foi Darcy da Costa Coutinho Sousa, que tem 62 anos de idade e 28 de atuação na educação, tendo ministrado aulas até o ano de 2010.

Segundo ela, seu pai foi um das pessoas que lutaram em busca de uma escola para a cidade. “Meu primário e ginásio eu fiz em Jaicós, porque aqui não tinha colégio. E meu pai tinha muita vontade que Massapê tivesse um colégio. Ele colocou a gente em Jaicós, mas ficou lutando por uma escolinha aqui para as crianças. Ele, juntamente com Miguelzinho recorreu ao deputado Humberto Reis, até que conseguiram essa salinha de aula pra cá. Ter essa sala de aula foi uma riqueza, um prêmio grandioso. Olavo foi um dos primeiros professores, veio até antes de Chico Coutinho. Lembro que o livro de matrícula dele tinha 100 alunos” contou.

Na primeira escola de Massapê, conquistada com a ajuda de seu próprio pai, Darcy teve a honra de ser professora. O orgulho e alegria que ela até hoje sente, estavam estampados em seus olhos que não paravam de brilhar e no largo sorriso no rosto.

Para ela, poder dar aula foi um prêmio. “Para mim foi um espetáculo ganhar esse contrato para trabalhar, porque até então eu não trabalhava, não ganhava nada. Eu conclui o ginásio e comecei a dar aula. Naquela época ninguém tinha ensino superior. Eu conclui o Ensino Médio depois que já tinha meus filhos. Depois de um tempo cheguei até a fazer a prova do vestibular em Paulistana, para Letras, mas foi em um período difícil. No dia que recebi a notícia que tinha passado, foi o dia que minha mãe morreu. Então, eu só frequentei uns 15 dias e abandonei”.

Ela lembra que na época tudo era diferente. “Quando recebi o contrato e comecei a trabalhar era tudo diferente de hoje, a gente que corria atrás dos alunos, e quando os pais sabiam que a matrícula estava aberta vinham até a gente. Muitas mães queriam que os filhos estudassem no estado. Quando entrei Chico Coutinho já era professor, e eu entrei sem muita base (risos), mas graças a Deus deu certo e foi muito bom”.

Darcy contou que no começo era apenas uma sala de aula. “As dificuldades eram muitas, eu nunca esqueci. Quando começou o colégio do estado era só era uma sala e a salinha aqui do meio, que hoje é o corredor que a gente entra. Não tinha cozinha, fogão, nada. Nessa primeira sala que foi construída, eu dava aula num período e Chico Coutinho no outro. Só depois, com o passar dos anos, foi que conseguiram outras salas”.

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Para os alunos, não tinha transporte escolar, nem merenda. “As crianças vinham a pé e chegavam aqui cedinho. Eu tinha dó quando eles voltavam 11 horas, a terra quente. E no início também não tinha merenda, as crianças vinham com o cafezinho e voltavam pra casa sem comer. Era muito sacrifício, mas também muita vontade de aprender e os pais se esforçavam muito pelos filhos”.

Os recursos eram poucos, mas mesmo assim, havia gratidão. “Não tinha nada, era só os alunos, a gente e o giz. Era muito difícil, tudo feito à mão. Mas a gente tinha as fichas completinhas de final do ano e as de matrícula. A gente guardava tudo em casa, porque no colégio não tinha nem armário. Mas mesmo assim naquela época pra gente era gratificante”.

Darcy diz que apesar de todos os desafios, havia o aprendizado. “Eu acho que cheguei a ter até 43 alunos. Era muito difícil pra gente e acredito que para eles também, mas mesmo assim, com tanta dificuldade, a gente via que tinha o aprendizado. E aqui tem pouca gente que não estudou comigo e Chico Coutinho”.

Para a educadora, ver tantos que passaram pela sua sala de aula, concluindo os estudos, é recompensador. “Eu creio que nossa contribuição para a educação foi extraordinária. Nós não tivemos condição de ir mais longe, mas hoje a gente vê os que foram nossos alunos concluindo o ensino superior. E isso para a gente é gratificante demais, como temos orgulho em saber que foram nossos alunos. Acredito que todos os professores, assim como eu, tem o mesmo orgulho”.

Por fim, ela disse que a educação de Massapê melhorou muito. “A educação evoluiu muito, graças Deus. Eu acho a educação de Massapê boa, e se a gente puder evoluir mais, melhor ainda. A rede estadual sempre foi muito boa, já tem saído muita gente daí que hoje tem sua carreira, e isso é um orgulho pra gente. Professores que tem hoje aqui foram alunos nossos. E o Rafael pra mim é minha família até hoje” conclui.

Quem também faz parte dessa história é Francisco Raimundo Coutinho, 77 anos, que foi o segundo professor a atuar na Escola Estadual Rafael Manoel da Costa. Ele começou a trabalhar como professor em 1972, na Localidade Angical, em Jaicós, onde residia. Sem escolas, ele ensinava na residência do pai.

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No ano de 1976, Chico Coutinho, como é mais conhecido, passou a trabalhar na U.E. Rafael Manoel, substituindo o primeiro professor da escola, Olavo José da Silva. ­Na unidade de ensino, ele trabalhou até sua aposentadoria, em 2003.

“Naquela época era muito difícil. Eu comecei trabalhar no Angical, na casa de meus pais, mas já com contrato do estado. Depois construiu o colégio Severiano Gomes, passei pra lá, e depois fui transferido pra cá. Quando cheguei aqui era só uma sala e tinha uma secretaria que servia também de cozinha. Só com um bom tempo construíram mais uma sala e em 1999 fizeram mais três, que é onde funciona agora o Ensino Médio” contou ele.

Chico Coutinho disse que a escola era cuidada pelos próprios professores e pais. “Os professores e as famílias era que cuidavam da escola, não tinha zelador, merendeira. A gente acordava cedo, ia lá limpava o colégio para dar aula de manhã até de tarde. Naquela época nem uma máquina de escrever a gente tinha, fizemos o regime da escola manuscrito e arrumava um rapaz que tinha uma máquina pra datilografar”.

Ele disse que algumas coisas vieram a melhorar somente em 1997. “Pra dar aula era no quadro e no giz, quando tinha giz, porque na maioria das vezes faltava e aí era só na garganta. Em 97, quando teve a primeira eleição aqui, que elegeu Miguelzinho, ele deu maior apoio pra escola. Passou a ter uma merendeira, a merenda vinha junto com a do município. As coisas melhoraram muito pra escola”.

Seu Chico Coutinho também foi o primeiro diretor da escola, atuando juntamente com Darcy, que passou a ser a secretária. “Nesse período foi o governo que queria aumentar a quantidade de alunos aqui na escola. Eles realizaram o concurso no estado todo, mas só pode ter os celetistas se tivesse diretor. Como só tinha dois professores, um ia ser diretor e outro secretário. Como diretor, além de promover diversas reuniões com professores, pais e alunos, criamos o primeiro Regimento Interno e a primeira Proposta Pedagógica da escola, em conjunto com os demais funcionários” contou.

O professor disse que a contribuição da Rafael Manoel para a educação foi muito grande. “A contribuição dessa escola e dos professores foi muito grande. Nós professores e os pais que queriam ajudar, sofremos muito para segurar essa escola para nossos filhos estudarem e o pessoal da região. Foi muito boa para nós, e aqui em Massapê tem muito professor que estudou naquela escola. Meu filho mais velho, Júnior, que estudou lá, quando sai ele foi o segundo diretor do colégio”.

Chico Coutinho diz que até hoje, pessoas que estudaram com ele demonstram gratidão. “Muita gente que às vezes eu nem conheço mais, diz ‘Chico Coutinho, aí foi meu professor, professor bom’ (risos). Tem gente que agradece demais, ainda hoje. A gente fica muito satisfeito, porque além de eu ter ensinado o que sabia para meus filhos, ensinei aos filhos dos outros”.

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Por fim, o educador disse que a educação de Massapê evoluiu. “Hoje a educação está muito diferente, só não estuda quem não quer. Aqui tem até o Ensino Médio, está de bom tamanho. Até universidade aberta tem. Se tivesse isso aqui naquela época era beleza. Mas, a educação evoluiu o que podia” concluiu.


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