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‘Parada Gay’ reúne mais de 100 mil pessoas em Teresina; veja fotos

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“É o melhor de nós”.

Eram mais de 100 mil pessoas na rua – de acordo com a Polícia Militar. Meninos, homens, garotas, mulheres. Foi a 14ª edição da Parada da Diversidade em Teresina. As aspas, citadas acima, foram da organizadora do evento, Marinalva Santana, uma das percussoras da luta a favor da comunidade LGBT no Piauí, enquanto caminhava junto aos que ali estavam.

E quem esteve lá viu de perto – ainda que com um número acanhado de pessoas, no fim da tarde, com evento ainda começando – como gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, levaram para a avenida Raul Lopes, esse desejo do melhor: tratamento.

Foto: Vitor Sousa/O Olho

Pessoas, assim como eu ou qualquer outra, era simplesmente isso que tinha ali. E se todos somos iguais diante dos olhos de Deus (para quem é religioso), e se a justiça do homem também prega direitos iguais, porque todos os anos eles têm que ir as ruas, pedir que intercedam por eles?

O homem cresce e evolui a passos largos, mas em alguns caminhos o pé parece afundar, travar, e junto com o pé, o pensamento. Sempre ouvi, desde muito novo, a palavra “viado” como um xingamento, assim mesmo, escrita com “i”, ou como adjetivo para medrosos. “Sai daqui viado”, “Porque tu não quer ir, tu é viado?”. Seria reflexo de uma sociedade machista, patriarcal, que parou no tempo? Ou seria pura ignorância?

Só não enxerga quem não quer, são todos muito corajosos, principalmente aqueles que se assumem e “saem do armário”, como brincam. E quem tem coragem de fazer isso aos 15 anos então, no interior do Piauí? Foi assim com Katnellen Lauanny. Hoje com 17 anos, Antônio Lobo Alves da Silva Passos – nome que carrega na identidade – já não liga para muitas coisas que passa, mas também luta por mais direitos, pois melhor do que suportar, é não se preocupar.

“ENFRENTANDO” A FAMÍLIA

Katnellen Lauanny / Foto: Vitor Sousa/O Olho

“Ainda está muito complicado, porque as pessoas não entendem, não aceitam, criticam. Até quando o povo não cair na real que ser gay não é coisa de outro mundo, que é normal, não vai mudar”. Ela – e vou tratar assim, pois é como Katnellen se vê, então assim tem que ser – veio da cidade de Lagoa de São Francisco, 209 km ao Norte de Teresina. Usava um short curto, como a maioria das garotas que também estavam na avenida O cabelo leiro, talvez tingido, peteado para o lado e com um “coque” atrás. O olhar era sempre desviado para os lados, ou para baixo.

Imagine. Como chegar diante de seu pai, de sua mãe, enquanto atravessa uma fase conturbada como é na adolescência e dizer que está errado, que aquele corpo que recebeu, não condiz com a cabeça que pensa por ele? A sociedade é sim preconceituosa. “Não tenho nada contra, mas não sei como seria se acontecesse na minha família”. Essa é uma frase que não precisa ser atribuída a ninguém, pois provavelmente 98% das pessoas já a ouviram.

“Foi tipo um espanto, sabe, não quiseram aceitar, aí eu deixei levar”. Antônio falou para os pais, expôs para a pequena cidade, mesmo sem saber como seria, mesmo sem saber o que ouviria. Como dizer que um “viado” é medroso?

Quase 18h30, a Parada da Diversidade de 2015 foi dada como iniciada oficialmente. De cima do trio era possível ver os primeiros passos de quem já vem caminhando há bastante tempo. Também dava para ver beijos, abraços, entre homens, entre mulheres, e de homens com mulheres. Pessoas bebendo, fumando, dançando.

EMBALADOS PELA MÚSICA
Eram embalados pela música. A responsável era a dj Luana Marques. Ela nem dormiu na noite anterior, não sabia o que tocar, era muita responsabilidade, segundo disse. Mas para isso teve a solução, chamou os amigos, mostrou o repertório e decretou que eles dessem o veredito, se tivesse agradado, era o que seria tocado.

Dj Luana Marques / Foto: João Brito Jr/O Olho

Seus amigos certamente a instruíram bem. As pessoas lá em baixo vibravam com o som. O que ela não conseguiu dar jeito foi no tremor das mãos, que no ritmo iam ao alto, dançando com o corpo. Mas isso também não atrapalhou, a festa estava bonita. “É imensurável a felicidade”, disse, ressaltando as palavras com o brilho dos olhos.

Muitos já estavam no estacionamento da Ponte Estaiada, não acompanharam a caminhada. Certamente algumas pessoas estivessem buscando apenas entretenimento, uma das maiores cantoras brasileiras estaria lá, afinal, mas por reforçarem a multidão, na paz – que se viu durante toda a trajetória – já deram uma grande contribuição. É que em muitos lugares até mesmo respeitar é uma tarefa difícil.

“É uma coisa muito nojenta. Tipo assim, é uma a pessoa que não tem estudo e não sabe nada da vida, mas eu também não ligo para isso”, Katnellen falava do preconceito, que hoje é uma questão resolvida, quando se trata das pessoas de sua cidade, mas basta sair de lá que consegue perceber o mal a lhe acompanhar.

O céu já está escuro quando o movimento chega ao local onde será feita a apresentação da cantora Vanessa da Mata, principal atração da festa. Mas o show já havia começado, lá trás, na avenida. Um verdadeiro espetáculo de alegria, de cores (de peles, cabelos, roupas), manifestadas por muitos, agraciadas por todos.

Foto: Vitor Sousa/O Olho

EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS
Tempos atrás falou-se muito do Kit Gay, que seria apresentado nas escolas para explicar a homossexualidade às crianças. Depois de muita discursão o projeto foi vetado, pois poderia “influenciar” os pequenos a serem aderentes da comunidade LGBT. Quanto a isso penso humildemente que não faz muito sentido, e a Katnellen Lauanny também reforçou minha visão. “A gente já nasce gay”, foi que ela me disse. A sociedade não “corrompe” ninguém para isso.

Tratar sobre o assunto com as crianças, de forma correta, ajudaria a diminuir os ataques verbais ou físicos com qualquer outro gênero que não fosse heterossexual, durante qualquer etapa da vida. A violência é algo que os preocupa. A travesti Makelly Castro foi lembrada a todo momento. Ela foi encontrada morta em Julho do ano passado, com sinais de enforcamento. O acusado só foi preso na última sexta-feira, 28, mais de um ano depois.

VIOLÊNCIA CONTRA LGBTs
De acordo com um levantamento feito pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a partir de denúncias feitas por telefone no ano de 2012, foram registradas 3.084 denúncias de 9.982 violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos. Setembro foi o mês que ocorreu o maior número de registros, 342 denúncias. Em relação a 2011 houve um aumento de 166,09% de denúncias e 46,6% de violações, quando foram notificadas 1.159 denúncias de 6.809 violações de direitos humanos contra LGBTs, envolvendo 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos.

No levantamento, Mato Grosso apresentou o maior aumento de denúncias em relação a 2011 (1.657%), seguido por Rondônia com 550%; e o Distrito Federal com 431,11%. O Piauí foi o único estado que apresentou um decréscimo de denúncias em relação a 2011, de 36,45%.

Miss Universe Gay 2015 / Foto: João Brito Jr/O Olho

Tais números corroboram a análise feita em 2011 sobre o padrão de sobreposição de violências cometidas contra essa população. Os dados revelam uma média de 3,23 violações sofridas por cada uma das vítimas.

Segundo descrito no documento, esse cenário se torna ainda mais preocupante ao se levar em conta a subnotificação de dados relacionados a violências em geral, e a este tipo de violência em particular. Muitas vezes, ocorre a naturalização da violência como único tratamento possível, ou a auto‐culpabilização. Cabe reiterar que as estatísticas analisadas ao longo dessa seção referem‐se às violações reportadas, não correspondendo à totalidade das violências ocorridas cotidianamente contra LGBTs, que podem ser muito mais numerosas do que aquelas que chegam ao conhecimento do poder público.

Apesar da subnotificação, os números apontam para um grave quadro de violências homofóbicas no Brasil: no ano de 2012, foram reportadas 27,34 violações de direitos humanos de caráter homofóbico por dia. A cada dia, durante o ano de 2012, 13,29 pessoas foram vítimas de violência homofóbica reportada no país.

FUTURO DA PARADA
A 14ª edição da Parada da Diversidade em Teresina, que faz parte da Semana do Orgulho de Ser, passou. Certamente em 2016 o evento se repetirá, assim como em 2017, 2018 e a diante. Uma dúvida que provavelmente rodea a cabeça de outros tantos é quando a Parada vai deixar de ser um ato de “protesto” por interesses que lhe são de direito e passará a ser uma festa, que irá comemorar o quanto tudo mudou.

Esse dia há de chegar, e as pessoas continuarão a se reunir, ano após ano. Caminhando, se abraçando, se beijando, bebendo, sorrindo e relembrando tempos de outrora, quando faziam tudo da mesma forma, mas para lutar. Os tempos serão outros, serão de glória, para homens, mulheres, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Sejam pretos, brancos, morenos, pardos etc.

Foto: Vitor Sousa/O Olho

Um trio, bem menor, “fechava” a marcha deste ano, e carregava alguns jovens gritando: “a nossa luta é todo dia, contra o machismo, racismo e a homofobia”. E se eu puder fazer um pedido, é que essa frase não se perca, até que achemos uma solução.

Fonte: OOlho

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