Para quem é de uma cidade pequena sabe que até pouco tempo isso representava tranquilidade. Raramente a vida mansa era movimentada por algum problema. Viver na zona rural dessas cidades era ainda mais garantia de paz. O que sempre incomodou as populações das zonas rurais das pequenas cidades do Piauí foi a falta de: água, energia elétrica e de atenção dos poderes públicos. Dormir de portas abertas era uma tradição de séculos. Andar despreocupadamente era um hábito tão comum quanto comer.
Mas morar nesses lugares não é mais sinal de paz. Aliás, grandes exemplos têm dado um murro na cara das autoridades do Piauí. Casos que antes pareciam pontuais e inevitáveis mostram à fundo uma nova interface: nenhum lugar está seguro. E, principalmente, as drogas chegaram, com muita força, aos locais mais ermos do Piauí. Na maioria deles é mais fácil encontrar quem venda cocaína, crack, maconha e anfetaminas a encontrar água ou uma energia elétrica que preste.
São as drogas e a impunidade que ligam as duas maiores chacinas deste século no Piauí: a de São Miguel do Tapuio (a 272 quilômetros de Teresina) e a de Alegrete do Piauí (a 388 quilômetros de Teresina). A primeira ocorreu no dia 31 de outubro do ano passado. A segunda no dia 18 de agosto deste ano. Ambas em lugares isolados das zonas rurais desses municípios. Ambos em locais perto de divisa. Em comunidades em que a droga e o silêncio imperam, contrastando com a paisagem árida, pobre e representada nacionalmente como lugares sem esperança.
O lugar da última tragédia. Pobre, isolado, mas com muita droga na região para ser vendida. Foto: PM-PI
Alegrete do Piauí e São Miguel do Tapuio distam 249 quilômetros, mas estão ligados quase umbilicalmente a si e aos outros 221 municípios do interior do Piauí pelo fato das drogas estarem presentes, literalmente, em tudo quanto é canto.
Por conta das drogas se mata e se põe o terror facilmente a quem se meta com esse mundo e vacila perante o sistema do tráfico. Chacinas que antes eram uma quase novidade negativa, se tornam, mais e mais, uma constante. Antes mais ou menos comum nas grandes cidades, agora imperando nas cidades menores e suas zonas rurais.
Chiê, ao centro, o valentão, fã de Bin Laden, que matou cinco porque foi denunciado por vender drogas. Foto: PM-PI
Os pivôs das chacinas são apontados pela polícia por conta do envolvimento com o errado, leia-se, principalmente, drogas. A impunidade reinante nesses lugares foi o combustível perfeito para as matanças serem perpetradas.
Depois dos crimes, até por conta das comoções populares e do circo midiático montado, chegou-se de maneira pontual aos responsáveis. Mas um milímetro de políticas públicas não é feito para tentar amenizar as marcas de sangue (e haja sangue!) deixados nos rastros dessas chacinas. E raramente vê-se políticas demoradas para evitar que problemas do tipo continuem ocorrendo. Cadê as escolas funcionando e educando, os trabalhos sociais, as políticas de emprego e esperança para os jovens? Ou será que só com polícia e repressão se resolve tudo isso?
Galêga: o pivô da chacina de Alegrete. Morta com cinco parentes, vítima de outros parentes. Foto: Piauí em Foco
Sem polícias para investigar o tráfico: São Miguel do Tapuio e Alegrete do Piauí não têm delegados e nenhum agente da Polícia Civil (como mais de 80% dos municípios piauienses). Lembrando que é a Polícia Civil a responsável por investigar os casos. A Polícia Militar é responsável pela ostensividade e, por mais heroica que seja, não consegue dar conta nem das zonas urbanas dessas cidades. Em São Miguel e Alegrete são menos de dez PMs por dia para cuidar de uma área maior que muitos países do Mundo.
Por isso a droga rola solta. E os problemas do tipo só são levados em conta quando ocorre uma tragédia. A de São Miguel ocorreu porque a impunidade imperou. O acusado de autoria da chacina, apesar de denunciando por ser um gangster, não foi punido anteriormente. Na de Alegrete apreendeu-se o arsenal das vítimas, mas, dos acusados, que já vinham sendo monitorados, não foi notado que também estavam com outro arsenal. Deu no que deu. Por conta do silêncio da população e da família: não duvide que venha mais mortes e mais chacinas, bem estilo bang-bang do Século XIX, com mais mortos e muito mais trabalho depois para a polícia, regrado de mais choros e de muito mais droga viciando jovens e adultos das nossas comunidades rurais, já que as urbanas estão contaminadas há anos.