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MUNICÍPIOS

Suspirando por energia elétrica,histórias dos moradores de Betânia do Piauí que ainda vivem no Século XX

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Só quem sofre com os problemas de estar em um século, vivenciando mesmos hábitos e dificuldades do século passado, pode imaginar o que atualmente milhares de moradores do Sertão do Piauí passam devido a não terem energia elétrica em suas casas. São famílias e mais famílias sem o direito de usar uma geladeira para tomar água gelada ou para conservar alimentos e até medicamentos, também sem direito a ver televisão para poder se informar e se entreter sobre o que ocorre no mundo, além de uma série de dificuldades que torna um simples ato de engomar uma roupa algo que demora até um dia inteiro.

Em mais uma série de reportagens O Olho, foi até Betânia do Piauí, também no Sertão Central do Estado (a 511 quilômetros da capital) para conhecer outras realidades e, principalmente, novas histórias, mostrando que os “sem luz” ainda são muitos no Sertão piauiense.

A Sociedade do Candeeiro

A reportagem encontrou uma população unida em uma causa, cheia de revolta com os poderes públicos, principalmente o Governo Federal, responsável direto pelo Programa Luz Para Todos, e também disposta a radicalizar caso não sejam beneficiados nos próximos meses. Uma parte dos moradores cansou de promessas de mais de uma década de que haveria eletrificação de todas as residências do Piauí.

A Eletrobrás Piauí, responsável pelo Luz Para Todos no estado, promete uma nova licitação e inclusão de todas as comunidades do estado este ano, com previsão para até o final de 2016 de eletrificação de todas as residências piauienses.

Os moradores da região do Suspiro, que ficou conhecido nacionalmente por em 2012 ser o lugar escolhido para comercial da Coca Cola denominado “Natal Iluminado”, foram convidados a falar e dar depoimentos. Mostraram como sofrem, e sofrem muito. São depoimentos fortes, principalmente de uma gente que há décadas padece com seca, falta d´água e até desprezo das autoridades. São histórias de vergonha, luta, união e de um clamor único e direcionado: energia elétrica urgente para as residências para que saiam do Século XX, com anos de atraso e, finalmente, sejam cidadãos do Século XXI.

Estradas da escuridão. Muito próximo às zonas de iluminação, mas bem distante de ter energia elétrica em casa

CERCADOS POR ENERGIA ELÉTRICA E ÀS ESCURAS

Um dos fatores que mais revolta os moradores da região do Suspiro, em Betânia do Piauí, é que eles estão cercados de comunidades que já foram beneficiadas com eletrificação rural.

“Por que nesse monte de lugar tem e aqui não tem? O que a gente fez para não ter? Aqui perto, a um quilômetro e meio tem energia. A rede de energia da cidade passa a menos de dois quilômetros”, questionou o líder comunitário Elídio Alves de Macêdo, 44 anos, morador da região há quase três décadas.

Líder comunitário Elídio Macêdo: por que uns têm e outros não?

O líder comunitário também relata que alguns moradores já sugeriram radicalizar, derrubando vários postes das redes já existentes. Esse tipo de ato desesperado e radical seria uma forma dos clamores por energia elétrica da comunidade serem ouvidos. “Mas a gente decidiu que ainda é melhor conversar, pois pode dar cadeia. Aí a gente ficar sem energia e na cadeia é mais complicado a gente lutar”, relatou.

Elídio de Macêdo também falou sobre a frustração de muitas vezes várias empresas terem passado na região fazendo levantamentos das casas como se fossem instalar energia elétrica. “Tomaram nossos nomes, deram esperança, mas nada de energia”, frisou.

O agricultor também diz o quanto tudo fica pior quando não se tem energia elétrica em casa. Um simples ato de pegar água, que é difícil na região, ocupa quase um dia todo. Com energia elétrica seria possível instalar bombas nos poços já existentes e a água poderia irrigar as plantações e dar melhores condições de renda para a região. Quase todos os moradores dependem do Bolsa Família e de aposentadorias dos idosos para sobreviver.

COM CANDEEIRO, ÁGUA QUENTE E FERRO A BRASA

A dona de casa Maria dos Remédios Alves Macêdo, 45 anos, moradora da comunidade Suspiro, também em Betânia do Piauí, já participou de vários protestos na região do Sertão Central piauiense para pedir energia elétrica.

Maria dos Remédios e o kit escuridão

Ela sempre anda com um kit de três objetos: um candeeiro, que serve para iluminação e mostrar que não tem energia, uma garrafa pet, para demonstrar que os sertanejos tomam água quente e um ferro à brasa. Esse tipo de ferro só funciona após um processo demorado para esquentar brasa e ainda tem de ser de uma madeira boa para não prejudicar as roupas engomadas. Esse ato representa as dificuldades dos sertanejos não terem o direito a possuir eletrodomésticos a energia elétrica.

Maria dos Remédios reside com o esposo e três filhos e demonstrava a mesma revolta e indignação dos outros moradores da região em relação à escuridão e ainda serem obrigados a viver com hábitos do século passado.

Ela fala que a padroeira católica da comunidade, Nossa Senhora dos Remédios, há de interceder para que o lugar seja beneficiado pelo Luz Para Todos, apesar de, às vezes, se mostrar triste com tantas promessas.

DIABÉTICA E SEM ENERGIA ELÉTRICA PARA CONSERVAR REMÉDIOS

Para a aposentada Maria Edemilsa Coelho, 57 anos, moradora da localidade Espinhaço, na divisa Piauí – Pernambuco, em Betânia do Piauí, ter energia elétrica em casa não é só questão de comodidade. Mais que isso: é questão de saúde.

Maria Edelmisa e sua inseparável lanterna

Diabética ela tem de tomar insulina. O remédio tem de ser conservado em ambiente refrigerado. Por isso uma geladeira é essencial. Ela depende sempre do medicamente guardado nas residências de moradores das vizinhanças do Piauí e de Pernambuco já beneficiados pelo Luz Para Todos.

“É um dos meus sonhos. Disseram que em 2014 iam fechar tudo (sobre o fato de todas as casas da região serem eletrificadas), mas fechou foi o escuro aqui”, destacou a aposentada, com sua inseparável lanterna, guia noturno das noites de trânsito pelas veredas do Sertão do Piauí. A diabetes e o convívio com candeeiro, que prejudicam a visão e ela praticamente não vê nada mais próximo do que um metro.

Vídeo do depoimento de Maria Edelmisa:

“Passamos muitas dificuldades. Não podemos passar mais”, relatou. A aposentada ainda sugeriu para vários dos presentes que só votassem novamente no dia que fornecessem energia elétrica para as comunidades da região.

“A GENTE TERMINA NEM CONHECENDO OS NOSSOS GOVERNANTES”

Sem energia e sem informação

Sem energia elétrica, sem televisão e com poucas formas de se informar: como conhecer melhor os governantes e o que eles fazem? Foi assim que o agricultor José Edivaldo Rodrigues Freire, 39 anos, refletiu sobre o fato de não poder ter muitas informações graças ao fato de estar sem energia elétrica.

Morador da localidade Quixadá nunca viveu em uma residência com energia elétrica. Mora com a esposa e três filhos e é uma das provas vivas do quanto a falta de energia elétrica é prejudicial.

Ele reclamou que já assinou vários documentos de protestos e que também já cansou de ver políticos passarem na região e não fazerem nada. Mandou um recado para o governador Wellington Dias para pedir à presidente Dilma que possa ajudar a ter energia na região. “Eles podem fazer pela gente. A gente é pequeno, não pode fazer muita coisa, mas eles são grandes, podem, em um segundo, fazer o que quiserem para beneficiar a gente. Não é possível que o governador, que já andou aqui uma reca (muitas) de vezes não pode nos ajudar”, apelou.

A VERGONHA DE NÃO TER ENERGIA ELÉTRICA EM CASA

O aposentado Josias Raimundo de Carvalho, 65 anos, morador da localidade Quixadá diz se sentir envergonhado por ser cidadão e não ter energia elétrica em casa. “Todo mundo aqui da região tem. E a gente não tem. Todo mundo pergunta porque a gente não tem. Não sei dizer”, relatou, em tom de tristeza.

Josias Carvalho pergunta se são mais feios ou menos cidadãos por não terem direito a energia elétrica

Josias Raimundo também fala da frustração ao cair a noite e estar com o candeeiro em sua casa e só escutar, dos vizinhos das comunidades das proximidades (menos de um quilômetro e meio) sons de televisão e das benesses de quem já tem energia elétrica. “Fico escutando sons e só chupando o dedo”, contou.

“Somos mais feios, somos mais pobres para não termos direito de energia elétrica”, questionou.

A vivência no século XX ainda impede que muitas vezes uma simples ligação de telefone celular, para uma emergência ou para um recado, seja prejudicada, já que, apesar de quase todas as casas já terem o aparelho, algumas vezes ficam descarregados, pois os mesmos necessitam ser conectados em casas das comunidades que têm energia. É todo um percurso, quase que diário, de andar quilômetros para o simples ato de encontrar uma tomada. E assim vive o Piauí que continua na escuridão.

 

O Olho

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