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30 ANOS DO MASSACRE | Confira depoimento de oeirense que perdeu irmão no Carandiru

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30 anos e 2.223 quilômetros, estes são os números que hoje separam a dona de casa Maria Neta Silva Santos de um capítulo que ficou marcado na história do Brasil .

Aos 49 anos, Neta, como prefere ser chamada, reside no município de Oeiras (PI), distante 2.223 quilômetros da grande São Paulo, local que há 30 anos foi palco do maior massacre carcerário do país, e este, ficou marcado para sempre na vida dela.

“Eu morava em São Paulo só com meu esposo. Nós não acordamos já com o noticiário não, acordamos e depois foi que a gente soube que tinha acontecido esse massacre lá no pavilhão nove do Carandiru. Só depois a gente soube pelo noticiário da televisão”.

Essa é a lembrança que a oeirense tem do dia 02 de outubro de 1992, ela nos conta enquanto está sentada numa cadeira de macarão em sua residência. Ao redor, as paredes verdes que compõem a casa estão decoradas com vários quadros, dentre eles, um pendurado na cozinha chama a atenção: a fotografia de um homem sério, com bigode imponente, sobrancelhas cerradas e vestindo uma camisa branca de botão e calça jeans escura.

O retrato é a única memória física do irmão de Neta, Francisco Ferreira Santos, morto aos 32 anos no massacre do Carandiru. Francisco chegou à Casa de Detenção em 18 de dezembro de 1989 após ser condenado a 13 anos de prisão por homicídio. Assim como a irmã, Francisco era natural de Oeiras, nascido na zona rural, numa comunidade chamada Boa Nova.

Ao acompanharem o noticiário, Neta e sua família se angustiaram ao verem ao vivo que a Polícia Militar acabara de invadir o Pavilhão 9 da Casa de Detenção para impedir uma rebelião dos presos. “Nós ficamos apavorados porque sabíamos que meu irmão estava no pavilhão nove”.

Os próximos momentos foram de incerteza e busca constante por informações de Francisco. “Quando e gente descobriu do massacre, meu esposo e meu outro irmão foram procurar, foram lá para o Carandiru porque eles botavam assim os nomes das pessoas, sabe, do lado de fora na parede, mas meu irmão disse que não viu o nome dele. Enquanto estavam lá, eles viram sair só os caminhões de lixo com bastante corpos dentro”.

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PMs entrando no Carandiru em 1992 — Foto: reprodução da TV Globo

Do lado de fora, a situação era calamitosa, centenas de pessoas se aglomeravam desesperadas em busca de informações de seus familiares. Mães, irmãs, pais, filhos e filhas, todos queriam saber o que estava acontecendo, mas apesar da aflição, ninguém dava informações sobre a real situação do Carandiru. “O tumulto era grande demais né, era muita gente desesperada e eles viam os carros saindo com os corpos e aí foi essa cena que eles viram né”.

Lá dentro, cerca de 500 policiais conduziam uma ação violenta que resultou na execução de 111 presos. Sabendo da quantidade de mortos, Neta e sua família passaram a procurar Francisco em vários necroctérios, a princípio ele não foi encontrado e por isso, os familiares nutriam a esperança dele ter sobrevivido.

“Meu irmão e meu marido ficaram indo nos necrotérios e no IML, mas não achavam ele. Antes deles encontrarem, um primo meu saiu numa reportagem, acho que foi da Globo, o repórter perguntou ao meu primo quem ele estava procurando e ele respondeu que era meu irmão, Francisco. Nós achávamos que como meu irmão era muito esperto e ele era muito devoto, como você pode ver, na foto dele tem Nossa Senhora Aparecida. Aí a gente achava que ele tinha se salvado, nem que fosse debaixo de uma coisa, ou se fingindo de morto. A gente tinha a esperança, porque ele era muito esperto, a gente tinha essa esperança que ele tivesse feito o jeitinho dele lá para escapar, mas foi em vão”.

Cinco dias depois, seu esposo e irmão acharam o corpo de Francisco num necrotério próximo a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo – Ceagesp. Segundo Neta, ele foi morto com vários tiros no rosto e na cabeça, e que por esse motivo, tiveram dificuldade em reconhecê-lo.

“Minha irmã foi pra lá também, aí eu lembro que foi obrigado a fazer aquele teste das digitais para confirmar que era ele porque estava irreconhecível”. Confirmada a morte, a família enterrou Francisco no dia seguinte no cemitério São Luís.

A tragédia do Carandiru ecoou em todos os cantos do país, nas décadas seguintes, julgamentos foram realizados para punir os culpados.

A mãe de Neta morava em Oeiras quando tudo aconteceu. No ano de 2005 ela foi a São Paulo assegurar o direito de receber uma indenização pela morte do filho. A quantia foi paga em parcelas durante alguns meses. Anos mais tarde, ela foi convocada para comparecer ao júri, mas optou por não participar.

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“Chamaram ela para tratar da indenização, aí ela teve que ir. Era pra ela ir uma segunda vez, que era na época da condenação, veio a carta aqui pra Oeiras convocando, mas ela não foi não, mamãe disse que a justiça era divina”.

E a senhora, acha justo o que aconteceu com seu irmão? Pergunto a ela.

“Ninguém acha né, eu acho que tudo bem você pagar pelo que fez, ninguém é cego para não ver isso, mas já que ele estava pagando pelo o que fez, não precisava uma coisa dessas, deixava ele lá. Sei que pra mim foi muito difícil porque foi um baque que a gente nunca tinha visto na família, a pessoa ser morta num lugar que você acha que está seguro, porque ele estava preso e aí você acha que está seguro. Mas é assim, um dia após o outro, a gente lembra, sofre com as lembranças, mas já vai completar 30 anos e o sofrimento diminui bastante, mas na época eu fiquei revoltada”, respondeu.  

Neste domingo, 02, completa oficialmente 30 anos do massacre, ao longo dessas três décadas nunca houve as prisões dos policiais militares condenados pelos assassinatos dos detentos. Além disso, não há um desfecho do caso na Justiça, já que as defesas dos agentes pedem a redução das penas.

Por fim, Maria Neta lembra com carinho do irmão. “A lembrança que tenho era dele ser muito travesso e brincalhão. Dos meus irmãos, ele era o mais bonito, ele era lindo e carinhoso, só chamava a gente de ‘mana’ e tinha muitos amigos em São Paulo”, dia de domingo a casa dele era cheia”.

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