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Clicks do Mês

Vida de lutas e fé | Clicks do Mês de novembro conta em Simões, a história de Dona “Nera”; veja fotos e relatos!

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A família era grande, mas a casa pequena, e muitas vezes, a comida pouca. Quando o inverno era bom, tinha a garantia de comida no prato, mas se a colheita pouco rendia, a seca chegava e trazia com ela a fome.

Quando as panelas ficavam vazias, ela às vezes trabalhava em casa de família, e recebia alimento em troca. Já o marido, tinha que sair da roça em busca de um trabalho fora para receber “algum trocado”.

Quem viveu essa história foi Ana Davina dos Santos e Silva, 76 anos, mais conhecida como dona Nera, que mora no povoado Maria Preta, a 18 km da sede da cidade de Simões. Ela é casada com Justino Vitor da Silva (Em memória), com quem teve 12 filhos. São os relatos de vida dela, que o portal Cidades Na Net traz na edição de novembro do projeto Clicks do Mês.

Francisca Maria dos Santos Silva, Juraci dos Santos Silva, Francisca dos Santos Silva, Francisca Salécia dos Santos Silva, Luisa dos Santos Silva, Matilde dos Santos Silva, Francisco Xavier do Santos Silva, Manoel dos Santos Silva, Braz Orlando dos Santos Silva, José Orlando dos Santos Silva, Graciana dos Santos Silva e Eduardo dos Santos Silva, são os frutos da união do casal, que durou mais de 50 anos.

Dona Nera casou-se aos 20 anos, em 23 de dezembro de 1963, e em 64 veio o primeiro, dos 14 filhos. Dois de seus bens mais preciosos, infelizmente, se foram. Para ela, os momentos foram de dor.

“Eu tive 14 barrigas, mas uma foi uma perda com 6 meses e o mais novo morreu depois de 6 dias de nascido. Ele apresentou um privação, até que não deu jeito. Mas de primeiro tinha umas doenças que dava em criança, aí juntou tudo. Foi uma tristeza, porque a gente não quer ver os filhos da gente morrendo, mas Deus quis tirar né. Era o mais “graudinho” que nasceu, mas Deus não quis né. Era o mais novo, se estivesse comigo teria 24 anos” contou ela.

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O sustento da família, vinha da roça, mas às vezes, poucas sementes germinavam. “A gente trabalhava só na roça, plantava, capinava, aí quando chegava o tempo de comer a gente tirava e se fosse muito guardava para comer a seca toda, mas tinha tempo que só dava pra comer no inverno mesmo. Aí quando acabava a gente ia sofrer trabalhando por fora pra ganhar dinheiro para comprar feijão, milho, e tudo era de pouco. Nesse tempo as coisas eram difíceis demais, a gente “trabalhava pra morrer” para sustentar a família”.

Para poder levar comida para casa, Dona Nera, muitas vezes, trabalhou lavando roupa. Em troca, ela recebia apenas alimentos, mas ficava satisfeita, pois a família teria o que comer.

“Se não tirasse nada era seca o tempo todo. Eu mesma às vezes ia lavar roupa nas casas, e não pagavam nem em dinheiro, era em ‘bóia’ (comida). E meu marido ia trabalhar para fora para arrumar dinheiro. Quando me pagavam em comida tinha vez que eu levava pra casa e a gente passava três, quatro dias comendo daquela comida. Pra mim era um prazer ter aquele alimento em casa”.

Mas, dias de pratos e barrigas vazias, também existiram. “Tinha dia que a gente nem chegava a colocar a panela no fogo porque não tinha comida. Chegou dia de não ter nada. Em 93 mesmo, minha menina mais velha às vezes chegava lá em casa e dizia ‘ôh mãe lá em casa não tem nada para comer hoje’. Ai eu só tinha ‘a continha’ da janta, mas eu pegava e dava para ela levar para cozinhar para os filhos”.

Nos dias mais árduos, às vezes uma mão amiga surgia para ajudar. “Tem um mulher que sempre trabalhava na casa dela, aí eu começava a fazer as coisas e contava a história a ela, ‘ôh Chica, o ‘dicumê” que eu tinha pra agora de tarde eu dei pra minha menina que chegou lá em casa dizendo que não tinha o que colocar no fogo’, aí ela dizia ‘não se preocupe não’, aí colocava um prato de farinha, dois de feijão, milho, ‘quaiada’ […]. Era uma ajuda de Deus, porque se não fosse ela, de tarde ninguém ia jantar”.

Açúcar e farinha, muitas vezes se tornaram o único “cardápio” da casa’. “No dia que faltava eu morria de tristeza em saber que meus filhos estavam todos passando precisão. Tinha vez que tinha um açúcar, aí eu fazia um chazinho, se tivesse farinha dava com farinha, até aparecer outra coisa. Tinha vez que falava para meu marido ‘ó Justino, hoje não amanheceu nada aqui, como é que eu vou passar com esses meninos sem comer?’. Aí como os meninos ainda era mais pouco nesse tempo, ele dizia ‘eu voou ver se eu arrumo’, aí saia e com pouco chegava com uma coisinha pra fazer o almoço. Aí a tarde tinha que caçar outro apelo”.

Por amor aos filhos e marido, Dona Nera repartia entre eles o que tinha e dormia com fome. “Tinha dia que a gente dormia sem janta, aí eu dava um chazinho com farinha, eles comiam e iam dormir, porque não tinha outra coisa né, o jeito era se apegar com o que tinha. Quando tinha a boia, mas era pouca, eu repartia para os meninos e deixava a de Justino, porque eu tinha dó de deixar meu marido sem, porque ele trabalhava mais. Eu ficava sem jantar, aí fazia um café e ia dormir. De manhã acordava com um oco na barriga (riso). Dormir com fome né coisa boa não” disse.

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Para não preocupar, ela tentava disfarçar a fome. “Se eu tivesse com fome ninguém dava fé, porque eu não demonstrava. Só em meus filhos e o marido ter jantado, eu ficava mais satisfeita. Tinha vez que ele perguntava ‘tu já jantou’, aí eu dizia, eu já comi, menino’, mas não tinha comido porque eu via que era pouquinho. 93 foi o ano mais difícil que teve para nós”.

Apesar de todas as dificuldade enfrentadas, ele cuidou de todos os filhos com dedicação e diz ser grata por cada um deles. “Agradeço de coração a Deus pelos filhos que ele me deu. Até hoje todos os meus filhos me respeitam. Se eu disser, ‘meu fi, quero que você faça assim assim pra mim, oxente, é depressa’. Tenho um que quando chega lá em casa se eu estiver deitada ele fica tão preocupado, ele diz ‘mãe ta doente, porque eu não vejo mãe deitada’, aí ele fica preocupado e só sai enquanto eu não disser que tô sentindo alguma coisa. Todos os meus filhos são preocupados comigo, tem uma em São Paulo que liga todo dia pra saber como estou”.

Os filhos, criados ao lado do seu companheiro de vida, que há 3 anos partiu, são seu alicerce. “Em março completou 3 anos que meu marido partiu. Sofri muito tempo, é difícil ficar sem seu companheiro, mas em tudo Deus dá um jeito. A gente tem que se acostumar, mas ninguém quer ver ninguém morrer, principalmente da família. Ele teve câncer, mas só descobriu quase no dia de morrer. Cuidei dele até a última hora. Foram 53 anos de casados e ele foi um bom marido, sempre cuidou bem da família e foi um exemplo para os nossos filhos, que são meu maior tesouro”.

Dona Nera ainda criou dois netos e 4 sobrinhos. “Meu filho separou da mulher, aí um dia ele chegou e perguntou, ‘mãe, eu posso vir pra cá com meus meninos’, e eu disse, não meu ‘fi’, pode vir, e o filho que quiser te acompanhar você pode trazer, que enquanto eu estiver viva e trabalhar ‘nós come’. O mais novo tinha 2 anos e outro 4, aí eu terminei de criar os dois. Os outros eram sobrinhos e um afilhado. Criei todos com amor e até hoje quero bem a todos”.

A fé sempre a acompanhou

A trajetória de vida de Dona Nera, apesar de difícil, foi marcada também pela sua grande fé, que em todos os momentos a acompanhou. “Nunca perdi a fé em Deus, desde eles pequenos toda noite rezo para mim e meus filhos. Minha fé é grande” diz ela.

Através da mãe, ela deu seus primeiros passos na vida cristã e seguiu crescendo na fé. “Mãe me ensinava as orações, aí depois eu pegava um ‘catecisminho’ e aprendi a metade das orações ‘tudim’. Fiz a primeira comunhão, crisma, e depois formou uma comunidade na Maria Preta e passei a ser dirigente lá. Depois saí de lá e formei uma comunidade no Veredão, fazia celebração de casa em casa, porque não tinha igreja. Teve uma menina que começou comigo com 10 anos, todo lugar que eu ia, ela ia também, e hoje tem coisa da igreja que ela que me ensina, e até hoje trabalha comigo”.

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Com sua força e coragem, Dona Nera lutou até conseguir levantar uma igreja no Veredão. “Aí depois levantamos uma igrejinha, mas era bem pequeninha, toda vez que o padre vinha celebrar, que era uma vez por mês, tinha que ser fora, porque não dava dentro. Quando foi já em 2014, foi levantada uma igreja grande no Veredão. Fazia bingo, pedia ajuda a um e outro, até que consegui, graças a Deus. E todo mundo ficou feliz, eles diziam “agora tu levantou uma igreja grande, e eu respondia, eu não, a comunidade e o povo que me ajudou, porque eu só não tenho condição de levantar uma igreja dessa”.

Ela lembra que para colocar o piso cerâmico da igreja, pediu ajuda ao prefeito da cidade. “Aí quando foi para colocar cerâmica, eu disse ‘meu Deus, eu não tenho condição de colocar’. Resolvi procurar o prefeito Zé Ulisses, ele pediu pra fazer um orçamento e deu a cerâmica, rejunto, cimento, tudo. E eu ‘butei’ as mãos pro céu, graças a Deus, porque se não fosse ele, não sei nem como era que eu fazer. Aí graças a Deus tá lá e todo ano a gente festeja na igreja” contou.

Ela encerrou seus relatos dizendo que pretende seguir sua fé até quando Deus lhe permitir. “Eu rezo terço, e onde souber que tem uma missa eu vou. Em Simões, Marcolândia, Jaicós, eu vou missa. E depois que padre Miguel está em Jaicós eu já fui umas quatro missas em Massapê. Eu tenho o padre Miguel como um irmão ou filho, e dessa amizade passei a ser amiga da mãe dele também, que pra mim é como minha mãe, eu passo 8, 15 dias com ela. Quando eu tô lá ela diz que pra ela não falta nada, ela fica tão alegre. E tudo isso veio a partir da igreja, então, com a permissão de Deus, enquanto minhas pernas puder andar e eu ‘tiver’ enxergando ainda, não deixo minha fé na igreja, vou seguir participando”.


Veja os Clicks do Mês de novembro:

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