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JAICÓS | Conheça a história de dedicação e força do capoeirista Welves Tony, que hoje vive na Rússia

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A dedicação, força de vontade, determinação e coragem, fizeram o diferencial na vida do jovem jaicoense Welves Tony de Lima, 29 anos, e o levaram a alcançar grandes conquistas. Na infância vivida no interior de uma pequena cidade do sertão piauiense, foi onde sua história de sucesso, ainda nem imaginada, começou a ser escrita.

Em casa, pela televisão, o garoto assistia os capoeiristas, observava os movimentos e gostava do que via. Ali, bem cedo, uma paixão era descoberta. “Eu sou do interior e via a capoeira pela televisão, quando era bem pequeno e sempre tive vontade de treinar. Não sei como surgiu esse desejo, porque na nossa família geralmente gostamos de algo quando vem de outra pessoa, mas não tinha ninguém da minha família que gostava. Criei esse amor pela capoeira apenas vendo, gostava dos movimentos. Depois de um tempo abriu um projeto social na escola Francisco Crisanto, e a professora, que hoje é mestre, Mazé Angel, veio dar aula para a gente e foi uma oportunidade maravilhosa para mim”.

Para treinar, o filho de Francisca da Conceição Lima e Valdinar João de Lima, percorria 4 km para chegar até a cidade. “Comecei a treinar com ela, mas eu morava muito longe da cidade, 4km, era um pouco difícil para se deslocar. Às vezes vinha de bicicleta e minha mãe ficava preocupada porque acabava um pouco tarde. Mas foi aí que fui começando a capoeira, treinei com ela nesse grupo chamado Mocambo 7 anos, sendo que depois de um tempo comecei a frequentar também o outro espaço onde ela dava aulas que era a casa das irmãs, no alto das Pedrinhas , depois esse grupo acabou e nos filiamos ao grupo cordão de ouro do Piauí coordenado pelo mestre escravo (Silvan Cesar Barcelar ) que faço parte até hoje. Treinei 3 anos e depois surgiu uma oportunidade de viajar para São Paulo” contou.

Mas, no ano de 2010, Welves teve que enfrentar o que muitos piauienses vivenciam. A sina de sair de sua terra em busca de trabalho. “Na verdade, eu não queria ir para São Paulo, porque na época, além da capoeira, eu também era B.Boy, mas por conta de não ter trabalho em Jaicós, estava muito difícil e eu já tinha quase 20 anos, eu acabei indo. Fui sozinho. Não conhecia cidade grande, nunca tinha pego nem mesmo um ônibus sozinho para outro lugar, então fiquei 5 meses parado, ficava treinando sozinho onde podia”.

Na cidade grande, após o primeiro emprego não ter dado certo, o jovem conseguiu trabalho em uma firma. “Minha família sempre estava em contato comigo, tinha aquela tristeza de todo nordestino quando vai embora né, querendo voltar. Falava sempre que ficaria só um ano lá. Fui para trabalhar em um bar, mas não deu certo. Depois, graças a Deus, consegui emprego em uma firma, apesar do serviço ter sido pesado, tive dificuldades, mas consegui trabalhar e me ajudou a me manter em São Paulo”.

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No novo emprego, Welves, que treinava sozinho desde a chegada em São Paulo, conheceu um capoeirista e através dele, conseguiu chegar a um dos mais importantes mestres de capoeira no Brasil, Suassuna. “Trabalhando na firma conheci um capoeirista e através dele conheci uma das academias do grupo Cordão de Ouro em São Paulo, que era a do dono do grupo. Como já tinha um amor muito grande pela capoeira, eu meti a cara e fui sozinho para o Centro, consegui encontrar a academia e treinei com o mestre Kibe 1 ano e meio e lá conheci o dono do grupo, mestre Suassuna. Eu trabalhava o dia inteiro e só podia treinar de manhã”.

A força e empenho do jaicoense logo foram notados e ele foi convidado para ir para o Sítio do Vovô, local onde diversos capoeiristas treinam. “Eu treinava antes, durante e depois do treino e o mestre sempre observava isso. E ele tem um sítio lá em São Paulo para onde levava alunos para morar com ele e treinar lá. Os alunos que iam para lá eram os dedicados, que amavam mesmo a capoeira e queriam viver disso. Eles trabalhavam, treinavam e viviam de capoeira. O mestre gostava de me ver treinando e me convidou para ir para o sítio, que era um sonho muito grande. Todo mundo queria ir para o Sítio do Vovô. Eu fui com alguns amigos para conhecer, mas ia e voltava, pois nesse tempo ainda estava trabalhando e tinha minha casa pagando aluguel” disse.

Porém, mais uma vez, Welves ficou desempregado. “Depois de um tempo, a firma teve um crise e eles tiveram que me mandar embora. Foi difícil, comecei a ficar sem dinheiro e não podia mais ir muito ver o mestre. Comecei a arrumar uns bicos, de servente, pintando, em posto de combustível, tudo que ia aparecendo”.

Apesar das dificuldades, ele seguiu empenhado e depois passou a treinar e trabalhar no sítio. “Sempre que ia lá acabava ficando na casa do mestre ou da mãe de um dos alunos dele e acabei criando amizade com eles. No natal e ano novo eu passava sozinho porque não tinha família lá, aí as vezes eles me chamavam para passar com eles. Quando fiquei desempregado eles me convidaram para ir para lá, eu fui. Primeiro fui para a casa do mestre, depois para a casa desse pessoal. Me acolheram como filho. Morava lá e sempre treinava com o mestre e foi assim que fui aprendendo mais sobre a capoeira, a trabalhar também porque lá o sítio era muito grande”.

Apesar de ter tudo no sítio, Welves sentia o desejo de trabalhar. “Nessa época eu só trabalhava no sítio. O mestre dava tudo para a gente, comida, não faltava nada, mas as vezes a gente queria comprar uma coisa e não tinha dinheiro. Então, consegui um emprego de educador social em uma instituição da Alemanha, chamada proBrasil CCA ( Centro de Crianças e adolescentes), ajudando na educação de crianças carentes. No início foi difícil, mas depois de um tempo esse trabalho virou uma benção na minha vida, aprendi a lidar mais com as crianças” contou.

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Treinando com o mestre Suassuna, o jovem teve a oportunidade de viajar para diversas cidades, até que surgiu um convite para dar aula em outro país. “Continuei treinando e como estava com o mestre eu sempre ficava viajando para eventos e nessas viagens as pessoas foram me conhecendo. Comecei por cidades no interior de São Paulo, depois outros estados, até que um dia veio um pessoal da Colômbia, alunos do meu amigo mestre Ivan, para participar de um evento aqui e eles queriam alguém para dar aula lá. Depois que a acabou o evento que a gente estava, o mestre deles me falou que queria me levar para lá”.

Ele conta que a decisão foi difícil. “Quando surgiu essa oportunidade de viajar foi um pouco difícil para mim a decisão, porque apesar do meu amor pela capoeira, amava muito meu trabalho com as crianças, mas a capoeira tinha chegado primeiro na minha vida, então tive que deixar esse trabalho. Eu e as crianças choramos bastante, mas por conta de tudo que já tinha treinado na capoeira, decidi ir”.

Ao voltar de viagem, o jovem não pensou duas vezes. O dinheiro que ganhou ele usou para voltar a sua terra e rever a família. “Fiz essa primeira viagem para fora do país. Fui para a Colômbia, Panamá, Costa Rica e depois voltei. Na hora que voltei dessa viagem a primeira coisa que fiz com o dinheiro que ganhei lá foi vir em Jaicós visitar minha família. Mas antes disso tinha vindo aqui uma vez e foi o pessoal daqui que me trouxe para dar aula e isso é uma coisa que até hoje tenho muito orgulho, pois minha primeira viagem dando aula de capoeira, em que pagaram minha passagem e me deram um cachê, foi na minha própria terra, as primeiras pessoas que me valorizaram” disse.

Após voltar para São Paulo, ele vivenciou mais experiências. “Depois voltei para São Paulo e continuei treinando e viajando. Fui para Israel com o mestre, fizemos um bom trabalho lá. Depois fui para a Rússia onde fiquei uma semana dando aula de capoeira. No início foi um pouco difícil quando fui para a Rússia, porque em Israel o pessoal da capoeira fala português e inglês, mas na Rússia é mais inglês e o russo mesmo. Mas eu já gostava de inglês e quando comecei a viajar para esses países me dediquei e aprendi mais a língua. Na verdade, quando fui nessa viagem já falava um pouco e foi a primeira vez que tentei dar aula de capoeira falando inglês” contou.

Na segunda viagem à Rússia, resolveu ficar e iniciar uma nova jornada. “Na segunda oportunidade que tive de viajar para a Rússia decidi ir e ficar. Faz um ano e 9 meses que moro lá e dou aula só de capoeira. De lá viajo para outros lugares, Israel, França, Alemanha, Índia, Itália. Morei um ano e meio em Moscou e o rapaz que me ajudou a ir para lá, o mestre Cueca, tem um trabalho muito grande lá, me ajudou a ficar lá e morei na casa dele um tempo e da Sofia, que também me ajudou muito. Com ele aprendi didáticas de ensino para criança, novas didáticas de ensino para adultos e adolescentes”.

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Em sua nova casa, o jovem adquiriu mais conhecimento e depois seguiu para outra cidade, onde iniciou um trabalho próprio. “Lá, por ser outro país, cultura e maneira de pensar, me adaptei. Aqui no Brasil a capoeira é vista como uma porta de oportunidades para você se dar bem na vida, mas lá nem tanto, porque todo mundo tem oportunidades. É diferente o jeito de ver a capoeira lá e por isso ela é adaptada à cultura. É diferente o jeito que ensina, treinamentos mais leves, porque ela não é tão como luta como no Brasil, é mais forte a parte artística, da movimentação e beleza. Aprendi essa didática com ele, trabalhei com ele lá nas aulas com criança e depois viajei para outra cidade, que é onde estou atualmente, que se chama Vologda”.

Hoje, ele compartilha com grupos formados por pessoas de diferentes idades, tudo que aprendeu em sua longa trajetória. “Nessa cidade comecei a dar aula com meus próprios grupos, lá tenho grupo de crianças de 3 a 6 anos,7 a 9, 10 a 15 e adultos. Dou aula de capoeira, acrobacia, dança. Tudo que aprendi aqui de forró, brincadeira populares, os ritmos brasileiros, eu levei para lá e consegui introduzir na capoeira, o pessoal adora. Uso o que aprendi lá, junto com o conhecimento que tinha daqui. Viajando já faz quase dois anos, mas com um trabalho meu mesmo faz 2 meses que atuo lá. É maravilhoso, trabalho de domingo a domingo, pois nos finais de semana sempre tem alguma viagem”.

Foi pela sua dedicação e por acreditar na capoeira, que Welves, que saiu de Jaicós, no interior do Piauí, passou a ser conhecido mundo a fora. Ele diz que não imaginava que a capoeira o levaria tão longe.

“Nunca imaginei que a capoeira me levaria tão longe, comecei a enxergar isso quando fiz minha primeira viagem. E tudo aconteceu pela dedicação, desde quando estava no Piauí que eu me dedicava muito. Quando comecei a treinar era bem fraquinho, passei algumas dificuldades, não tinha muitas habilidades e a galera da época até me “zuava” um pouco. E isso me deu uma certa força de vontade, eu treinava muito para aprender o que não conseguia fazer. Depois veio também o breaking na minha vida, que gostava muito. Quem trouxe o breaking dance para cá fui eu e até hoje o grupo está aí e isso para mim é um orgulho grande. A dedicação daqui eu levei comigo sempre e foi o que fez o mestre Suassuna me ver e me dá oportunidade de ir para o sítio e pessoas de outros países me verem. Eu acreditei na capoeira, quando morava aqui muitas pessoas falavam para eu parar, que não dava futuro.  Só me dei conta que poderia ir além quando viajei a primeira vez para a Colômbia” disse.

O que aprendeu com seu mestres, ele faz questão de compartilhar também na sua terra. “Para mim é um prazer enorme trazer minha experiência para Jaicós. Desde a primeira vez que vim aqui já tinha muita vontade de compartilhar o que aprendi. Foi uma alegria muito grande quando voltei aqui a 1ª vez e pude rever pessoas queridas. Estar na minha terra foi uma alegria muito grande. Toda vez que venho vejo como está a capoeira aqui, procuro conversar com eles, deixar o máximo de conhecimento. Também falo com o pessoal que está dançando, o pessoal do breaking também. Vou em Vera Mendes, Teresina, e dou aula de capoeira. Onde tiver capoeira quero ir e levar o máximo de conhecimento” falou.

O jovem que por muitas vezes ouviu que devia deixar a capoeira, se tornou exemplo para muitos. “A capoeira é minha profissão, é um orgulho muito grande. Eu terminei virando um exemplo para muitas pessoas, não falei para me verem assim, mas as pessoas que não acreditaram, que falaram que a capoeira não me daria futuro, para eu parar porque era coisa de malandro, que eu tinha que fazer faculdade, quando viram o que a capoeira tinha me dado elas por si só reconheceram. Muitos me parabenizam até hoje, tem orgulho, e alguns me veem como exemplo”.

Tudo que conquistou não mudou seu jeito de ser. Welves conta que segue com humildade e que as lutas que enfrentou o fizeram mais forte. “Fico feliz por verem minha história como exemplo de motivação, de não desistir, mas não me gabo por isso. Nunca vou chegar em um cara e falar “você me ‘zuou’ e olha onde estou agora’. Eu não cresci assim, cresci sempre tendo humildade com todo mundo. O que tive de dificuldade na minha vida, que me machucou, nunca fiz isso com uma pessoa, pois doeu muito comigo e nunca vou querer que alguém sinta também. Mas as coisas que aconteceram de ruim comigo foram importantes para o meu desenvolvimento”.

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Ele diz que até a educação rígida que teve, serviu para moldar seu caráter. “Meus pais são os melhores do mundo, mas não tive uma infância fácil, tive uma educação rígida, de apanhar, ficar de castigo. Na época eu ficava bravo, mas hoje até me arrependo de coisas que falei, porque tudo que sou hoje, a educação que adquirir e onde estou chegando foi tudo por causa da minha vida aqui. Cada pessoa que passou na minha vida teve uma parte na minha história”.

Por onde passa, Welves tem levado o nome da sua cidade. Ele diz que fala com orgulho que é de Jaicós. “Lá na Rússia onde conto minha história a primeiro coisa que falo é que sou de Jaicós Piauí. Depois falo da minha primeira mestre, que foi Mazé, do mestre escravo. Faço questão de falar, pois tenho muito orgulho daqui. E os lugares que visitei aqui, tudo que comi, estou compartilhando com eles. Falar da cultura, comidas, danças do Piauí é um orgulho” concluiu.

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