Sua militância virtual, porém, segue intensa. Ela faz palestras – Marina pretende se aposentar como professora e abriu mão da aposentadoria como senadora – e lidera os debates do partido que criou, a Rede Sustentabilidade. Atualmente, a legenda elabora estratégias para sobreviver à cláusula de barreira no ano que vem.
No precoce tabuleiro eleitoral que se formou, Marina sinaliza apoio a Ciro Gomes (PDT) como o mais forte para quebrar a polarização entre o PT e o presidente Jair Bolsonaro, embora diga que, antes de nomes, o mais importante é discutir projetos.
A sra. tem disposição para disputar uma nova eleição presidencial?
Não gosto de trabalhar com essas conjecturas. Depois de ter 1% dos votos numa eleição, e diante de tanta gente que teve um melhor desempenho, é difícil alguém fazer essa proposta. Principalmente prevalecendo esse critério de que se discute primeiro as métricas eleitorais, em termos de voto, e não métricas qualitativas, em termos de programa. A única coisa que posso dizer é que tenho me dedicado o tempo todo a construir o que é melhor para o Brasil. Tenho essa disposição para o diálogo Não sou do tipo que acha que um bom projeto de país só funciona comigo.
Como tem sido a rotina da sra. na pandemia?
Estou em isolamento social desde o dia 1º de março do ano passado. Já tenho 63 anos. É de conhecimento público que sou uma pessoa hiperalérgica e asmática. Só tenho me comunicado com a minha filha que mora aqui do lado. Eles estão em isolamento também. Só saí do condomínio uma vez para ir ao médico.
Como avalia o cenário da pandemia no Brasil, que bate recorde de mortes, e a estratégia dos governadores?
Não há dúvida de que o Brasil está sendo avaliado como o país com o pior desempenho na condução das medidas de saúde em relação à pandemia. Isso se deve ao fato de o governo ter desistido de cuidar da população brasileira e pela politização, que transforma tudo em cálculo eleitoral. Se o cálculo eleitoral dissesse que fazer lockdown daria algum tipo de dividendo, era isso que teria sido feito. O governo federal, por sua vez, criou todas as dificuldades possíveis para se adquirir a vacina. A politização eleitoreira de um tema que tem a ver com a vida das pessoas é um atraso civilizatório. O negacionismo tem várias formas. Tem o ideológico e primitivo, que é colocado em palavras pelo presidente Bolsonaro, que lavou as mãos, e outro é o negacionismo disfarçado, que maquia o que a ciência está dizendo com uma ética de conveniência. Se não fosse o trabalho que a mídia tem feito, a sociedade brasileira estaria totalmente à deriva.
O PT já colocou o “bloco na rua” para 2022 com Fernando Haddad. No PSDB, João Doria já se movimenta como candidato e Bolsonaro trabalha abertamente pela reeleição. A Rede terá candidato ao Palácio do Planalto?
Há um erro no que está sendo feito. O Brasil vive um cenário de isolamento no âmbito nacional e agravamento da pandemia, mas se cria aqui o falso dilema de que o mais importante é discutir os nomes. O mais importante é discutir qual é o projeto. Eu participo de um campo do qual fazem parte PDT, PV, PSB, Rede e o Cidadania, que tem sido convidado. Há concordância que neste momento temos que adensar um projeto que leve os setores do campo da esquerda democrática, da centro-esquerda e progressistas a ter um projeto que recupere o Brasil para um percurso civilizatório coerente com o que é uma democracia ocidental. O Brasil não pode ficar trancado do lado de fora achando que pode queimar floresta.
Dentro desse coletivo partidário é possível chegar ao consenso em torno de um nome? Nestas legendas tem a sra. e o Ciro Gomes…
O Ciro já tem o nome dele colocado desde o início, o que é legítimo. O que estamos fazendo é um apelo ao campo da esquerda democrática não dogmática, da centro-esquerda, dos setores progressistas e de centro-direita que pensam em primeiro lugar no Brasil. É nesse lugar que estamos nos articulando, e com uma pessoa que tem uma experiência política, administrativa e de política nacional que já colocou seu nome, que é o Ciro Gomes. Ele está fazendo esse diálogo maior, que não é em torno do nome, mas do projeto. O pior dos mundos é criar a velha polarização que existia, entre PT e PSDB, e deixar o tempo todo o brasileiro em terceiro. Agora seria a velha polarização, mas entre Bolsonaro e Lula ou PT. Agora é o momento de a sociedade assumir o primeiro lugar. Tenho a tranquilidade de quem já perdeu três campanhas, já procurei dar uma contribuição.
Acredita então que Ciro pode liderar uma terceira via em 2022?
O Ciro Gomes tem legitimidade, competência e capacidade para se colocar, mas eu acho que ele próprio não está trabalhando com essa ideia de terceira via. Ele e todos nós buscamos a recuperação sustentável da economia brasileira, a dignidade humana, a defesa da democracia, da liberdade de expressão e das instituições. Queremos uma primeira via. E que nessa primeira via o Brasil seja capaz de colocar em primeiro lugar a saúde do seu povo.
Como avalia o nome do Luciano Huck para 2022? Ele tem conversado com a esquerda.
Numa democracia é legítimo que surjam nomes. Caberá ao debate democrático mostrar os compromissos, ideias, alinhamentos políticos e evitar que haja uma pulverização de tal forma que permita a continuidade daqueles que estão fazendo mal ao Brasil. É importante que surjam novas lideranças no cenário político. É importante que tenha surgido o nome do Luciano e que um jovem de sucesso como apresentador tenha a intenção de contribuir com o processo político do Brasil. Eu advogo a renovação da política não só no discurso, mas também dos quadros. Mas acho que ele tem alguns problemas claros a serem enfrentados. A fragilidade da articulação em torno da qual a mídia está falando que ele está, com o DEM e o PSDB. A gente ouve que há essa articulação (dele) em torno do DEM e do PSDB. O DEM na eleição da (presidência) da Câmara foi para o Bolsonaro. O PSDB tem o Doria. Tem aí um desafio muito grande. Ele (Huck) precisa refletir muito.
Descarta uma aliança com o PT em uma eventual frente contra Bolsonaro?
Quando o PT já se coloca a priori como tendo Lula ou Haddad como candidato, ele não está entendendo o que está acontecendo. Esse é o momento de olhar de baixo para cima para enxergar o que está acima de nós, e não se candidatar à permanência da velha polarização. O PT tem uma força gravitacional enorme e é um ator importante no processo político, mas a sua importância estratégica será medida pela capacidade de verificar que nem sempre aqueles que têm força gravitacional para polarizar mais conseguem ter a maior credibilidade para derrotar aquele que precisa ser derrotado neste momento. Mais uma vez o PT aponta para uma política de exclusividade, de não considerar a gravidade do momento e ficar discutindo pessoas. Os partidos e lideranças precisam ter um pouco mais de humildade.
A Rede recorreu ao STF contra a decisão que impede a fusão de legendas fundadas há menos de cinco anos. Ano que vem será a prova de fogo dos partidos pequenos para superar a cláusula de barreira. A ideia é fundir a Rede com outra legenda?
A Rede não está considerando a fusão. Esse debate foi feito em 2019 e algumas pessoas da Rede achavam que era melhor uma fusão com o Cidadania. Tenho um respeito enorme pelo Roberto Freire, mas a nossa escolha é que a Rede é necessária. Tomamos essa decisão mesmo não tendo (recursos do) Fundo Partidário.
Se a Rede não considera a ideia de fusão, por que recorreu ao STF?
A democracia existe para que as pessoas possam ter o direito de escolha. O fato de eu não querer fazer uma coisa não significa que vou criar um mecanismo para todos pensarem igual a mim. Eu posso não querer a fusão neste contexto, mas é possível que em outro contexto isso possa vir a ser desejado.
A sra. defende a proposta de federação partidária para superar a cláusula de barreira?
Esse debate vem sendo feito e a Rede participa dele, junto com PCdoB e PV. Isso possibilitaria aos partidos que têm programa, ideal e não são fictícios de poderem existir com suas identidades e programas. Esse debate está sendo feito, sim, entre partidos. Toda discussão na reforma eleitoral foi punir e acabar com os partidos de aluguel.
Estadão Conteúdo