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Sem crise: no interior do Piauí, moeda local é mais valorizada que o real

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Em meio à crise financeira e a valorização do dólar, uma cidade no semiárido piauiense sem agência bancária vem lucrando com a situação. Enquanto o restante do país poupa dinheiro, em São João do Arraial, a 253 km de Teresina, a escassez do real fez com que os moradores passassem a usar cada vez mais a moeda própria, o ‘cocal’. A arrecadação do município aumentou R$ 500 mil em um ano, segundo a prefeitura.

Crise econômica valorizou uso de moeda social em São João do Arraial (Foto: Catarina Costa/G1 PI)

Emancipado desde 1996, a prefeitura de São João do Arraial criou um banco comunitário com o objetivo de aumentar a circulação de dinheiro na cidade. Antes da inauguração do Banco dos Cocais em 2005, os moradores tinham que se deslocar até Esperantina, a 20 km de distância, para realizar procedimentos simples como sacar dinheiro da conta e pagar um boleto.

Criação do Banco dos Cocais foi fundamental para circulação do dinheiro (Foto: Catarina Costa/G1)
Criação do Banco dos Cocais foi fundamental para
circulação do dinheiro (Foto: Catarina Costa/G1)
Coordenador do Banco dos Cocais, Mauro Rodrigues, fala dos bons resultados (Foto: Catarina Costa/G1 PI)
Coordenador do Banco dos Cocais fala dos bons
resultados (Foto: Catarina Costa/G1 PI)
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De acordo com o coordenador do Banco Comunitário dos Cocais, Mauro Rodrigues, a instituição é de responsabilidade da sociedade civil e tem reconhecimento do Banco Central, já que moeda circula somente dentro do município, um dos requisito estabelecidos pelo BC. Além da distribuição da moeda, a instituição também paga os servidores da região, arrecada taxas públicas, como água e energia, e distribui benefícios como o Bolsa Família.

Mauro Rodrigues diz ainda que o crescimento da economia do município veio junto com a implantação da moeda social, que desde então incentivou a abertura de novos comércios. Segundo ele, a crise econômica foi boa para a valorização do cocal.

“Quando diminui a circulação de real, como na crise, há uma procura a mais pela moeda local. No período da greve dos bancos nacionais, por exemplo, os moradores de São João do Arraial não foram afetados. Quando nos Correios e Lotérica faltavam dinheiro, o Banco dos Cocais tinha e isso faz uma diferença para a população que investe no cocal. Ao invés dele diminuir, só valoriza”, explicou Mauro Rodrigues.

‘Cocal’ no comércio
A comerciante Siamara Cardoso Amorim, avalia que a cidade não foi afetada pela crise, porque o dinheiro local não deixou de circular e garante ter mais segurança usando o cocal.

“Com a crise, os moradores passaram a usar mais o cocal e até aqueles que eram mais resistentes ao uso da moeda local passaram a aceitar. Isto trouxe até mais segurança aos comerciantes, que são alvos de menos assaltos, porque o dinheiro só pode ser trocado na cidade”, declarou.

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Comércio em São João do Arraial (Foto: Catarina Costa/G1 PI)
Comércio em São João do Arraial (Foto: Catarina Costa/G1 PI)

Ainda de acordo com o coordenador do Banco dos Cocais, além da crise, outro fator que tem retirado de circulação o real na cidade é a postura dos comerciantes. Eles passaram a usar a moeda nacional somente para pagar os fornecedores, ficando com os cocais para o comércio local.

“Ano passado tínhamos C$ 25 milhões circulando em São João do Arraial. Atualmente o valor pulou para C$ 50 milhões em cocais – o que equivale a mesma quantia em real. É importante destacar que a moeda não veio para substituir a moeda nacional, mas complementar já que são fabricadas notas de até C$ 10 para facilitar o troco”, completou Mauro Rodrigues.

Agricultora Maria Antônia Carneiro revelou dificuldades com o uso da moeda local (Foto: Catarina Costa/G1 PI)
Agricultora Maria Antônia revelou dificuldades com o
uso da moeda local (Foto: Catarina Costa/G1 PI)

Restrições da moeda
A agricultora Maria Antônia Carneiro, de 40 anos, recebe o Bolsa família no Banco dos Cocais. Desde a implantação da moeda, ela não precisa ir até a cidade de Esperantina para receber o benefício. No entanto, Maria lamenta os poucos serviços oferecidos no estabelecimento e a falta de informação dos comerciantes na troca do dinheiro.

“Semana passada precisei pagar um boleto no valor de R$ 1 mil, mas não consegui porque o banco só aceita um limite inferior. Também solicitei uma simulação de financiamento e tive o pedido negado pela funcionária, que pediu para procurar uma agência na cidade vizinha. Outro problema é a desinformação de alguns comerciantes que não aceitam trocar o dinheiro, porque os seus fornecedores são pagos na moeda local. Muitas vezes passo semanas guardando real por real para custear uma consulta fora”, explicou Maria Antônia.

A empresária Esperança Oliveira vende passagens de ônibus para São Paulo e Brasília por C$ 200 e C$ 250, respectivamente. Ela recebe dos clientes em cocal, mas precisa repassar o valor em real para a empresa interestadual. “Às vezes é difícil trocar o dinheiro porque falta moeda nacional no banco. Então o que recebo em cocal gasto na própria cidade e guardo o real para pagar as empresas de ônibus”, revelou.

População segura
O ex-professor Lourival de Freitas, de 70 anos, acredita que a crise afetou apenas uma parte da população da cidade. Ele recebe o valor da aposentadoria em real, mas confessa que prefere utilizar o cocal por ter mais segurança.

Aposentado declarou sentir mais seguro ao usar o cocal ao invés do real (Foto: Catarina Costa/G1 PI)
Aposentado declarou sentir mais seguro ao usar o cocal ao invés do real (Foto: Catarina Costa/G1 PI)

“Pelo real está ruim, mas pelo cocal não. A crise que aperta aqui é o valor da água e energia. Com a situação financeira do país, o dinheiro ficou mais na cidade e os moradores de São João do Arraial passaram a utilizar mais o cocal. Outro bom motivo para o seu uso é que ninguém tenta roubar o banco daqui, porque a moeda só circula dentro do município. Eu mesmo ando mais com o cocal, porque se eu tiver ele no bolso não serei roubado”, declarou.

O aposentado lembrou que no início da criação do cocal os moradores tinham medo porque pensavam que a moeda iria desvalorizar diante do real, mas hoje tem o mesmo valor já que todo o comércio da cidade aceita a moeda.

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G1

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