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Bocaina

História de Cazé: da crueldade à devoção a partir de memórias bocainenses

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Joaquim Cazé de Gouveia Aquino, popularmente conhecido como Cazé, se tornou uma figura icônica na cidade de Bocaina, lembrado por sempre carregar uma viola debaixo do braço e fazer cantorias e improvisos nas residências, visual marcante por sua estatura alta, pele bronzeada e cabelos escuros e lisos, Cazé era um andarilho que trouxe a magia da música para a pequena cidade.

Ele chegou pela primeira vez à cidade no final da década de cinquenta. No entanto, após um período, ele retornou para sua cidade natal, São Julião-PI. Anos depois, Cazé fez sua última passagem por Bocaina, desta vez abalado psicologicamente. Todavia, ele não deixou para trás sua essência artística. Durante sua jornada, era acolhido pelas famílias locais, como de costume na região.

Imagem de Cazé

Tragicamente, a história de Cazé teve um desfecho brutal, no caminho entre Bocaina e Santo Antônio de Lisboa, foi perseguido até um recanto isolado do matagal. Lá, foi brutalmente atacado com pedradas e pauladas, sem qualquer piedade. Os relatos indicam que, devido aos traumas, ao clima quente, à fome e à sede, Cazé não resistiu e faleceu. Seu corpo só foi encontrado vários dias depois, já em estado de decomposição. A comunidade se reuniu no local do assassinato e improvisou uma sepultura, dado o estado do cadáver. Infelizmente, o crime não resultou em punições para os envolvidos.

No entanto, a trágica morte de Cazé se transformou em um símbolo de perdão na comunidade, por ser popularmente contado que ele chegou a perdoar os seus assassinos durante o ato, uma reflexão de como a violência pode atingir até mesmo os mais inocentes e talentosos.

A fé do bocainense e o surgimento da capela de Cazé

A fé desempenha uma missão significativa em muitas comunidades, especialmente nas cidades pequenas, onde a tradição oral e os costumes têm um papel fundamental. Um exemplo notável dessa manifestação pode ser encontrado na cidade de Bocaina, cerca de vinte e cinco quilômetros de Picos. A cidade é conhecida pela devoção fervorosa de seus habitantes. Não surpreende, portanto, a profunda crença que se desenvolveu ao longo dos anos em relação à intercessão de Cazé.

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José Araújo de Macêdo, de 86 anos, carinhosamente chamado de Cazuzinha, ao ser questionado sobre o início da crença popular na cidade, enfatizou que a população levou em consideração as circunstâncias brutais da morte e a crença da concretização das graças atribuídas a Cazé, refletiu ele:

Cazuzinha, bocainense que conheceu Cazé

“O pessoal se condoeu muito do grande sofrimento que ele morreu, com fé que ele tinha sido agraciado com algum milagre, o povo tinha fé e se apegava.” A sogra de Cazuzinha, Francisca Otávia, popularmente conhecida como Chiquinha de Cural, foi a primeira pessoa a realizar uma obra no local onde Cazé foi morto. Inicialmente, ela ergueu uma espécie de pedestal, simbolizando um túmulo. Cazuzinha explicou:“Ela se viu muito ‘afragelada’ com algumas coisas, né? E junto com a fé em Deus recorreu ao espírito dele (Cazé) e foi agraciada, aí fez um serviço em cima da sepultura dele”.

A sogra de Cazuzinha, Francisca Otávia, popularmente conhecida como Chiquinha de Cural, foi a primeira pessoa a realizar uma obra no local onde Cazé foi morto. Inicialmente, ela ergueu uma espécie de pedestal, simbolizando um túmulo. Cazuzinha explicou:

“Ela se viu muito ‘afragelada’ com algumas coisas, né? E junto com a fé em Deus recorreu ao espírito dele (Cazé) e foi agraciada, aí fez um serviço em cima da sepultura dele”.

À medida que mais pessoas tomaram conhecimento da história e dos relatos da fé em Cazé, a tradição se espalhou de família para família, resultando em centenas de visitantes indo ao local, e posteriormente, a construção de uma capela para honrar a memória de Cazé. Confira o processo de herança familiar do caso no próximo bloco.

Ancestralidade familiar do conto de Cazé

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A memória e a ancestralidade foram importantes na manutenção da transmissão da história de Cazé ao longo de seis décadas. Na família de Maria Claudinete, essa tradição foi passada de geração em geração, de avó para mãe e, por sua vez, para os filhos. Maria Claudinete compartilha sua experiência:

“Mãe passava pra nós as histórias, dizendo que era vó Nercina que passava pra ela, nós vivemos fazendo nossas devoções e passando para nossos filhos”.

Claudinete relembra um momento especial da sua infância quando, com apenas 11 anos, fez sua primeira prece a Cazé. Ela pediu que um animal de sua criação fosse salvo e seu pedido foi atendido. Em gratidão, ela se dirigiu à cova de Cazé e rezou um terço:

“Ela caiu em uma furna, onde não deu pra salvar ela, lá ela ia morrer de fome e sede, eu me apeguei a Cazé se ele salvasse minha cabritinha, eu iria na cova dele rezar um terço, no outro dia ela tinha saído, como a gente não sabe, a partir daí eu passei a ser muito devota de Cazé”, disse ela.

Devota na capela de Cazé

A primeira visita de Claudinete ao local de devoção foi uma experiência emocionante, onde ela sentiu a energia de um lugar abençoado. Nos dias atuais, quando se sente aflita, ela visita a capela, compartilha sua história e sente que é ouvida por Cazé.

Claudinete destaca a importância de transmitir essas histórias, devido os inúmeros relatos de superação e fervor a Cazé, sua irmã, Raimunda, por exemplo, é uma grande devota, pois, durante a gravidez, descobriu que sua filha tinha vários problemas de saúde. Ela recorreu a Cazé e testemunha que a saúde de sua filha foi milagrosamente restaurada, como ela compartilha a seguir.

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Relatos comoventes de devoções e intercessões

Raimunda Nonata guarda um testemunho profundo de graça, acreditando que tenha sido providenciado por Deus e Cazé. Durante sua gravidez, foi alertada que a doce espera pelo nascimento da sua filha poderia haver certas complicações de saúde, isso fez com que Raimunda reforçasse seus pedidos a Cazé e ter firmado uma promessa a ele. Quando sua filha, Eva Lucilia, nasceu, foi diagnosticada com Síndrome de Down, problemas de visão e outros fatores de saúde. No entanto, a fé de Raimunda permaneceu inabalável. Atualmente, 11 anos depois, ela pode compartilhar uma história inspiradora de superação ao lado de sua família:

Irmãs Raimunda e Claudinete

“Hoje em dia minha filha enxerga, fala e anda”, afirma Raimunda.

Ela expressa sua gratidão distribuindo anualmente um café comunitário para os fiéis que visitam a capela no Dia de Finados, dois de novembro.

Professora Girlene Barbosa

Girlene Barbosa, professora na cidade de Bocaina, vê a trajetória de Cazé como um exemplo de perdão:

“Devido a história dele ser uma história de superação não de perdão”, enfatiza.

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Girlene é tomada pelas emoções ao mencionar um momento marcante na sua própria jornada de fé, onde fez um pedido de cura, onde não imaginou ser agraciada e foi atendida, esse evento fortaleceu ainda mais sua crença em Cazé.

Apesar da importância desses relatos para a preservação da memória, a capela onde Cazé é homenageado também requer reparos e manutenção em sua estrutura. Ao visitar o local, é essencial não apenas reconhecer a profundidade da sua história, mas também colaborar com sua preservação.

A história da devoção a Cazé perpassa por muitas camadas: violência, impunidade, perdão e devoção popular, é um retrato falado das vivências da população sertaneja no interior do Piauí, mas que se assemelha a muitas outras histórias nos rincões e veredas do Nordeste.

Fonte: Piauí em Essência

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