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JAICÓS | Tradição popular das plantas medicinais: conhecimento que ultrapassa gerações

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Hortelã para gripe, malva do reino para ferimentos, alho para pressão. Ainda pequenas, várias pessoas aprenderam com os avós e pais que o alívio para um mal-estar pode ser colhido na mata, no quintal de casa, ou comprado na feira. Fazer xaropes, chás e garrafadas a partir de plantas é uma tradição que se perpetua por gerações.

O uso de plantas medicinais é muito antigo. Por muito tempo as doenças eram tratadas apenas de forma natural. Hoje, diversos remédios são disponibilizados pela indústria farmacêutica, mas a sabedoria popular no uso das plantas segue presente no dia a dia de muitos, que acreditam que a cura pode vir também da natureza.

A fim de retratar um pouco sobre essa tradição do uso de ervas para o tratamento de problemas de saúde, a reportagem do portal Cidades na Net, conversou com algumas moradoras de Jaicós que preservam os ensinamentos que receberam dos pais, produzem remédios naturais e também repassam o que aprenderam para os filhos.

Maria Do Carmo, aprendeu com mãe a usar as plantas em benefício da saúde. “Aprendi tudo através da minha mãe. Tudo dela sempre era remédio do mato. Antigamente não tinha remédio assim de farmácia, ir ao médico, tudo dela era “tem que arrumar casca de imburana, romã”. Aí pai ia para o mato, arranjava as cascas e ela fazia. Aí eu fui olhando e com o tempo aprendi. Depois ela parou de fazer e eu decide seguir”.

Do Carmo produz há anos uma tradicional “garrafada”, que segundo ela, já ajudou muitas pessoas. No quintal de casa, ela tem várias plantas que utiliza na produção do remédio. “Tenho aqui o hortelã vick, que serve para infecção de garganta, gripe, resfriado. Uso também gengibre, hortelã roxo, agrião e várias plantas. Eu faço garrafadas para a família e por encomenda e são aprovadas. Tem gente que já foi curada com as minhas garrafadas. Faço para infecção de garganta, inflamação no útero e ovário. Faço também o mel com romã, gengibre e açafrão que serve para falta de ar, pedra na vesícula e outras coisas”.

Ela disse que os familiares sempre usam o produto feito por ela. “Na porta da minha geladeira não falta mel com gengibre, garrafada, remédio para inflamação, para infecção de garganta. Minha filha Francisca quando sente qualquer coisa ou as crianças, já procura garrafada, e meus familiares em Picos também. Esse remédio meu já foi até para São Paulo. Tenho uma amiga lá que sempre pede” contou.

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Segundo ela, muitas pessoas já falaram que foram curadas de um problema com o remédio. “E se você for comprar uma garrafada dessa eu vendo a 10 reais, mas as vezes você vai na farmácia comprar um remédio, usa e não serve. As vezes as pessoas dizem, Do Carmo teu remédio valia mais, porque lá em casa ficou bom todo mundo com um vidro. Teve uma mulher que sofria de asma, aí a sogra dela chegou aqui e eu disse que fazia um remédio. Eu fiz e ela disse “Do Carmo, minha nora ficou curada com aquele remédio”.

Maria Do Carmo falou que é gratificante saber que o remédio ajuda as pessoas. “E eu dou graças a Deus, porque é gratificante quando a gente faz uma coisa que aquela pessoa usa e tem a certeza que é verdadeira, que ajuda. Eu tenho prazer de dizer as pessoas que tenho garrafada em casa, pois tenho certeza que serve. Mas tem gente que não acredita. Um dia uma vizinha estava com hemorragia que não podia nem levantar, aí uma amiga veio aqui “as carreiras” pedindo ajuda, e eu peguei a malva santa e ensinei a ela pra dar o sumo da folha. Quando foi a tarde ela veio aqui dizendo que a mulher estava muito melhor. E tem a malva do reino, que se você tiver um ferimento que não quer sarar, você pega a malva, pisa, amarra ela com um paninho de algodão em cima, que ela suga toda aquela sujeira da ferida e sara” finalizou.

Josefa Barbosa também tem várias plantas em casa e sabe os benefícios de cada uma delas. “Tem o alho para pressão, o boldo que é muito bom para intestino preso. A malva milagrosa, junto com a malva do reino, folha de algodão, e hortelã, é bom para qualquer tipo de inflamação. Tem um garrafada que é associada com muitas plantas que vem do mato mesmo, tem que ir colher, como raiz de mandacaru, casca de angico, raiz de carnaúba, pau ferro” explicou.

O conhecimento sobre as plantas medicinais ela adquiriu com a mãe e irmã, mas também fez um curso. “Eu não uso remédio, só faço exame para saber o que é que eu tenho. Quando sei do meu problema depois do exame eu vou lá e faço o remédio. Então eu tenho a testemunha de meus remédios através de mim mesma. Alguns remédios eu aprendi com meus pais e minha irmã, que é “remedeira” também, mas o associamento das plantas, qual dá certo com qual, eu aprendi em um curso que eu fiz pelo SEBRAE há muito tempo aqui em Jaicós mesmo”.

Josefa diz que só faz um remédio para a pessoa se ela mostrar o exame comprovando o problema que tem. “E quando uma pessoa chega aqui para mim, diz que está sentindo algo, mas não fez exame, eu não faço. A gente não pode fazer remédio sem o exame, sem saber o que a pessoa tem. Se a pessoa está com uma dor no pé da barriga, como vai saber se é cisto ou inflamação no útero? Tem que fazer o exame. Depois que a pessoa faz o exame, aí é que eu vejo o que faço. E graças a Deus, até hoje tem dado certo, tenho muitas testemunhas”.

Ela citou que um cadeirante, que estava com cisto, obteve a cura com a ajuda do remédio feito por ela. “Teve um cadeirante que fez o exame e deu cisto na próstata. Aí ele me mostrou o exame e eu fiz o remédio. Ele tomou a primeira garrafada, sentiu melhora e quando fez o exame novamente o médico disse que tinha diminuído uns centímetros. Aí ele voltou, eu fiz mais duas e ele curou. Aí hoje ele está ai contando a história pra todo mundo. E através dele já veio mais pessoas atrás desse remédio. Tem também da folha de mastruz que faço que é bom para verme e cicatrização” concluiu.

Graça da Silva Sousa, lembra que os pais faziam muitos remédios naturais e disse que o que aprendeu com eles não será esquecido. “Meus pais faziam muitos remédios, chá de hortelã com malva do reino, mameleiro. Eu pegava as plantas com minha mãe e fazia com ela também os remédios, tudo que aprendi foi com ela. Ela já faleceu, mas o que a gente aprende não esquece né. Então hoje eu tenho minhas plantas. Quando morava no interior eu tinha muito mais”.

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Ela disse que sofria de falta de ar e dores de barriga e a mãe e a tia sempre recorriam ao chá. “Lembro que tinha um chazinho para quando a gente sentia dor de barriga, era de mameleiro, com goma dentro. A gente rapa aquele mameleiro da malha branca, coloca goma e sal e pode tomar para diarreia. Tem o vinagre também que pode colocar. E eu tinha problema de falta de ar e minha tia fazia chá de cravo para mim.  E quando tinha meus filhos pequenos eu fazia todo remédio do mato e sempre funcionava, graças a Deus. Hoje eu tomo remédio da “butique”, mas nunca esqueço do mato, sempre faço meu remédio caseiro”.

Ela contou que dificilmente vinha a cidade, pois era muito longe, então o remédio caseiro sempre era a solução. “Eu tomava meus remédios em casa. Eu só vinha para rua na hora mais precisa, porque era muito longe para vir para rua, então era no remédio caseiro mesmo. Hoje é que está mais diferente, qualquer dor a gente já tem que correr para o médico. Mas minha filha hoje quando está com o filho doente ela já lembra do meu hortelã e já vai daqui para lá. E assim vai passando, os mais velhos vão se acabando, mas os mais novos vão sabendo dos remédios” concluiu ela.

Maria Paiva, 78 anos, disse que quando alguém ficava gripado a mãe dela sempre fazia o remédio natural. “Do mato minha mãe fazia remédio de aroeira, catingueira, malva do reino, malva grossa, coentro, cravo, era muita coisa. Quando “nos caia” de gripe ela fazia de aroeira, catingueira e colocava endro, erva doce. Não tinha a medicina como hoje naquele tempo, então o remédio que ela fazia era esse e nós melhorava. Hoje é que parece que o povo não tem mais fé”.

Ela lembra que alguns remédios eram feitos de forma diferente. “Ela tinha um que rapava os pau, colocava numa vasilha e cozinhava com malva do reino e malva grossa. As vezes quando pai arrumava ela fazia de mel de munduri, misturado com outras coisas. Tinha um remédio que ela fazia que ela colocava três dias para nós poder tomar. E tinha um que enterrava por três dias e só no quarto era que a gente tomava pra gripe. Mãe sabia de muita coisa”.

Dona Maria conta que aprendeu muito com os pais e que a mãe tinha várias plantas em casa. “Eu aprendi muita coisa boa com mãe e pai, os dois faziam remédios. Mãe tinha toda planta em casa e as que ela não tinha pai comprava. Quebra faca e aroeira era o remédio que mãe mais fazia para nós quando a gente tava gripado. E nós melhorava. Hoje toda dor que essas meninas sentem aí eu faço o remédio de coentro, erva doce, endro, cravo”.

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Ela relatou que uma filha esteve doente e só melhorou com o remédio que ela aprendeu a fazer com a mãe. “A Socorro tinha uma gripe e ela já caiu de pneumonia e quase morre. Eu já caminhei com ela para farmacêutico, dava remédio e ela não melhorava. Aí um dia uma irmã minha veio aí e perguntou porque eu não fazia o remédio que mãe fazia, então eu fiz, ela tomou quase dois meses, mas ficou “boinha”. Aí um dia fui lá no farmacêutico e ele perguntou com o que ela tinha ficado boa e eu disse que tinha sido com remédio do mato”.

Por fim, Dona Maria disse que ensinou também aos filhos o que aprendeu. “São oito mulheres e dois homens de filhos e hoje todos eles sabem. E aqui no meu quintal tem é muita planta, muito remédio. Minha filha faz também, eu ensinei ela, Socorro, Aparecida, até o homem sabe, eu ensinei todos os filhos, porque quando eu morrer eles ainda vão ficar com o conhecimento”.

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