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MUNICÍPIOS

Raio-x do que mudou no interior do Piauí com a chegada dos médicos cubanos

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Eles andam de bicicleta para ir ao trabalho, dormem em quitinetes simples e participam da vida nas comunidades em que residem. Os médicos cubanos que vieram ao Piauí para trabalhar no programa federal “Mais Médicos” têm um discurso em comum em resposta às críticas dos médicos piauienses contra a “importação” de profissionais de outros países para atuarem na rede pública: “Viemos agradar aos pacientes, não aos médicos brasileiros”.

Com cerca de 40 mil habitantes, Esperantina, distante 179 quilômetros de Teresina, é o segundo município do Piauí que recebeu a maior quantidade de médicos cubanos desde o lançamento do programa do Governo Federal “Mais Médicos”, em 2013. De acordo com dados da secretária municipal de Saúde, atualmente dez profissionais de Cuba atuam na cidade.

 

Elba Velasquez chegando no trabalho; Foto: João Alberto/ O Olho

Elba Velasquez, 54 anos, faz parte desse quadro de cubanos que trabalham em Esperantina. Ao O Olho, a médica, que fala misturando o espanhol com o português, afirma que se sente satisfeita em poder cuidar da saúde dos esperantinenses. A cubana está no município desde setembro do ano passado e desenvolve na cidade, além da medicina geral, um trabalho voltado à saúde da mulher.

“Percebi que os pacientes gostam da atenção que nós damos. Conversamos com eles e orientamos em como devem se prevenir de doenças. Estamos colocando em suas cabeças que a prevenção é a melhor forma de evitar doenças”, explica Elba.

“NÃO SOFREMOS RESISTÊNCIA NEM PRECONCEITO”
A médica trabalha de segunda a quinta-feira nos turnos da manhã e tarde em duas Unidades Básicas de Saúde. Elba leva uma vida simples na cidade. Morando em uma kitnet de dois cômodos, a profissional se considera uma pessoa feliz e diz que só a saudade do filho, que mora em Cuba, a incomoda. “Me acho muito realizada trabalhando aqui. Nem eu, nem os outros cubanos que estão aqui sofreram qualquer tipo de preconceito ou resistência. Somos bem recebidos”, disse.

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Médico cubano, Jorge Jordan fala à reportagem do O Olho sobre o programa; Foto: João Alberto/ O Olho

Jorge Jordan Escalona, 36 anos, é outro cubano que atua em Esperantina. Querido pelos pacientes, o médico chegou à cidade em março de 2014 e trabalha na comunidade Mundo Novo, localizada zona rural do município. “O programa ‘Mais Médicos’ é o mais importante programa do Brasil. A pessoa mais pobre não tem como conseguir atendimento de médicos por meio da rede privada. O programa é uma prática de bondade”, avalia.

Apesar da polêmica criada quando o programa “Mais Médicos” foi implantado no país, principalmente acerca da questão salarial e das condições de trabalho dos cubanos, Jorge, assim como a médica Elba, afirma estar satisfeito trabalhando no município. “Sou médico por amor, por consciência. Gosto de curar as pessoas”, declara. O cubano, de hábito humilde, só reclama mesmo do calor. “Plantei um pé de banana aqui na Unidade para ver se a temperatura fica mais amena”, conta.

Foto: João Alberto/ O Olho

De acordo com a secretaria municipal de saúde, os médicos cubanos recebem uma ajuda de custo mensal no valor de R$ 2 mil por meio da prefeitura, além de R$ 3 mil do Ministério da Saúde. Parte desse dinheiro fica depositado em uma conta em Cuba.

PACIENTES: “MÉDICOS CUBANOS SURPREENDERAM”
Aquela consulta rápida, na maioria das vezes sem um diálogo mais aprofundado entre o paciente e o médico, está deixando de fazer parte da rotina de atendimento em saúde de Esperantina. Pelo menos é o que garante quem é atendido pelos cubanos.

A estudante Naíza Lopes, por exemplo, afirma que se surpreendeu com o acolhimento dos médicos. “Por preconceito, eu achava que não seria bom. Mas eles são carismáticos, conversam mais demoradamente, e toda vez que estive doente tomei medicamentos receitados por eles e fiquei boa”, elogia. A lavradora Tânia da Silva, levou a filha de dois anos de idade para se consultar com a doutora Elba. “Só não entendi muito bem a língua, mas gostei da consulta”, afirma.

Tânia da Silva comenta sobre o primeiro contato que teve com os médicos cubanos; Foto: João Alberto/ O Olho

A paciência do médico de Cuba é uma característica que atrai e conquista os esperantinenses. “Gostei da calma da doutora Elba em me ouvir”, conta a costureira Maria dos Remédios, que se consultou a primeira vez com a médica cubana e descobriu durante o atendimento que pode estar esperando um filho.

“MÉDICOS CUBANOS ME DÃO GARANTIA DE BOM ATENDIMENTO”
O secretário municipal de saúde, Albano Amorim, avalia que a ida dos cubanos para Esperantina melhorou o serviço de saúde básica tanto para a população, quanto para a gestão pública.

“Tenho a segurança de que nós teremos médicos para atender nas Unidades Básicas de Saúde. Não tenho dúvida que a vinda desses médicos foi uma decisão acertada. Os pacientes se sentem mais seguros,”, coloca Albano. O secretário afirma que não houve nenhum tipo de entrave entre os pacientes e os profissionais. “Nem em relação à língua. Eles falam mais em português do que em espanhol e dá para entender”, completa.

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O modelo de atendimento aplicado pelos cubanos tem como consequência êxitos inevitáveis. “A saúde melhorou. O atendimento deles é diferente. As pessoas estão se preocupando em se prevenir e quando há prevenção o risco de enfermidade diminui”, pondera Albano Amorim.

Outro ponto levado em consideração pelo gestor é a falta de médicos que queiram atuar em cidades afastadas da capital. Enquanto no Brasil a taxa média é de 1,83 médico por mil habitantes, no Piauí esse número é de apenas 0,92 médico por mil habitantes. O Piauí se inclui nos 22 estados que estão abaixo da média nacional, ficando ainda entre os cinco que têm menos de um médico para cada grupo de mil habitantes.

“Por conta dessa deficiência, antes eu tinha que aceitar o médico de qualquer maneira. Agora, posso impor condições pois me sinto mais seguro”, finaliza Albano.

EM UNIÃO, MÉDICOS CUBANOS JÁ RECEBERAM ATÉ CARNE DE JACARÉ DOS PACIENTES
O sentimento de satisfação em exercer um trabalho voltado à saúde básica da população carente também é sentido pelos médicos cubanos que atuam no município de União, distante 53 quilômetros de Teresina.  Dos profissionais de Cuba que estão no Piauí, dois ficam na cidade: Leonel Peraza e Guilhermo Mendez.

Foto: João Alberto/ O Olho

“Me sinto muito satisfeito atendendo esses pacientes. Me sinto feliz”, garante Leonel Peraza. O médico atende pacientes na Unidade de Atenção Básica à Saúde da Vila da Conquista, na zona Urbana de União.

Prática comum de moradores de cidades pequenas, presentear quem lhes tem agradado com comidas é algo comum em União. Agradecidos com o acolhimento dos cubanos, pacientes já deram até carne de jacaré para os médicos.

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“Nos presentearam com galinha caipira, tatu e até carne de veado. Gostei muito”, relembra aos risos o médico Guilhermo Mendez.  O cubano afirma que busca manter uma relação de amizade com pacientes. Trabalhando de segunda a quinta-feira, os médicos utilizam o final de semana para estudar e também participarem de festas de União.

O médico Leonel Peraza conta que faz questão de participar da vida social da cidade. “Procuramos visitar nossas amizades, que são pacientes e companheiros de trabalho, ir para os festejos. A festa que mais gostei desde quando cheguei foi o carnaval. Especificamente a segunda-feira de carnaval”, fala. Ele garante que só observou a festa. “Fiquei só olhando”, acrescenta.

Médico fala da satisfação em tratar piauienses; Foto: João Alberto/ O Olho

VIEMOS AGRADAR OS PACIENTES E NÃO OS MÉDICOS BRASILEIROS, DIZEM CUBANOS
Apesar de afirmarem que não sofreram discriminação, os cubanos garantem que não estão preocupados com a opinião dos médicos brasileiros em relação a  eles. “Viemos para cá [União] para agradar pacientes”, diz o médico Guilhermano Mendez.

A adaptação dos cubanos em União foi complicada de início. Em outubro de 2013, quando chegaram ao Piauí, os médicos sofreram diante das temperaturas elevadas do Estado e da lembrança da família.

“Nos primeiros meses a saudade dos familiares veio forte, mas com o passar dos dias conseguimos nos confortar mais. Em agosto do ano passado passei um mês de férias em Cuba e fiquei com meu filho, que tem 23 anos. Também sofremos com o calor, mas se vocês brasileiros se acostumaram, nós também vamos”, acredita Leonel Peraza.

Cubano fala sobre o dia a dia em União; Foto: João Alberto/ O Olho

Leonel e Guilhermino moram juntos em União. A casa onde residem é alugada por meio da prefeitura municipal. Os médicos afirmam se sentirem confortáveis onde convivem. O local tem dois quartos, dois banheiros, cozinha, sala e quintal. “Estamos satisfeitos, a casa tem boas condições”, falou Guilhermano.  As atividades domésticas são realizadas pelos próprios médicos. “Nós preparamos a janta, lavamos roupa, fazemos a comida. Às vezes uma pessoa ajuda”, acrescenta”.

Os médicos todos os dias vão à secretaria municipal de saúde e de lá seguem para as Unidades Básicas de Saúde.  Segundo a coordenadora da Atenção Básica de União, Perpétua Sampaio, a prefeitura é responsável pelo transporte, mas o médico Guilhermano, por exemplo, prefere se locomover para a secretaria de bicicleta.

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“Eles têm hábitos simples. Todos gostam. A prefeitura também está satisfeita com o trabalho que eles exercem no município. O trabalho de prevenção é primordial para evitar enfermidades”, defende Perpétua.

88% DOS PROFISSIONAIS DOS “MAIS MÉDICOS” QUE ATUAM NO PIAUÍ SÃO CUBANOS
De acordo com dados da secretaria estadual de saúde, ao todo, 355 profissionais de saúde ingressaram no Piauí por meio do “Mais Médicos” e do Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica (Provab). Destes, 276 são cubanos, 31 brasileiros e dois intercambistas (um boliviano e outro português).

Os profissionais foram distribuídos em 144 municípios piauienses. O secretário estadual de saúde, Francisco Costa, acredita que a garantia no atendimento em áreas de difícil acesso fazem que o programa tenha grande adesão nas cidades do Piauí, já que mais de 50% deles já estão cadastrados.

Iniciado em 2013 pelo Governo Federal, o programa “Mais Médicos” tem ações voltadas no atendimento à saúde da mulher, como no pré-natal, e prevenção de doenças como câncer do colo do útero, hipertensão e diabetes.

“A chegada desses médicos melhorou significativamente a demanda do estado. Os médicos ajudam a fortalecer a atenção básica dos municípios, atendendo a população antes desassistida”, avalia Francisco Costa.

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Fonte: O Olho

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