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Um ano após estupro coletivo em Castelo do PI, adolescentes condenados pelo crime alegam inocência; veja a entrevista

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No mês em que o estupro coletivo ocorrido em Castelo do Piauí completa um ano, o G1 conseguiu entrevistar com exclusividade os três adolescentes condenados pela Justiça a cumprir medida socioeducativa por participação no crime, que ocorreu no dia 27 de maio e ganhou repercussão nacional. Eles alegam inocência e dizem que confessaram o crime após serem torturados pela polícia.

É a primeira vez que os meninos falam com a imprensa desde o fato. O acesso aos menores, recolhidos no Centro Educacional Masculino (CEM), em Teresina, foi autorizado pelo juiz Antônio Lopes, da 2ª Vara da Infância e da Juventude.

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O juiz Leonardo Brasileiro, responsável por proferir a sentença que condenou os garotos, diz que não foram encontradas evidências sobre tortura. Os álibis apresentados pelos menores não confirmaram a inocência deles.

Os rapazes e mais um adulto, identificado como Adão José da Silva Sousa, foram apontados pelo Ministério Público Estadual e pela polícia como autores da série de atrocidades cometidas contra quatro garotas que foram estupradas, agredidas e arremessadas do alto de um penhasco de cerca de 10 metros de altura.

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Um quarto rapaz, Gleison Vieira da Silva, 17 anos, tido como o delator do grupo, foi assassinado dois meses depois do crime dentro do alojamento do CEM, quando já cumpria a medida socioeducativa. Os outros três garotos confessaram ter agredido o adolescente até a morte.

Foram imputados individualmente a cada um deles os atos infracionais equivalentes aos seguintes crimes: prática de quatro estupros, três tentativas de homicídio e dois homicídios (a morte de Daniely, uma das vítimas do estupro, e de Gleison). O prazo para cumprimento da medida é de três anos, podendo ser estendido, já que os menores serão avaliados a cada seis meses.

Esse primeiro ano após o crime vem acompanhado de lembranças que certamente os moradores de Castelo do Piauí gostariam de enterrar para sempre. Às famílias das vítimas, restou a dor e a missão de superar a cada dia as marcas e lembranças deixadas pelo triste fato. Às famílias dos adolescentes acusados, a hostilidade de boa parte da população e a decepção diante do sentimento de fracasso em ver os filhos seguirem pelo caminho das drogas e da criminalidade.

A Defensoria Pública do Estado, responsável pela defesa dos adolescentes, foi procurada pelo G1, mas informou que nenhuma declaração será dada sobre esse caso.

Adolescentes dividem a rotina com mais 120 internos recolhidos na instituição (Foto: Fernando Brito/G1)
Adolescentes dividem a rotina com mais 120 internos recolhidos na instituição (Foto: Fernando Brito/G1)

Menores alegam inocência
Longe dos parentes e amigos, os menores dividem hoje a rotina com mais 120 internos no Centro Educacional Masculino. Os nomes a seguir, marcados por asteriscos, são fictícios e foram adotados para preservar a identidade dos garotos. A entrevista feita pelo G1 foi toda acompanhada pelo coordenador do CEM, Ermerson de Oliveira e educadores.

Benício*, 16 anos, Ismael*, 16 anos e Jackson*, 17 anos, sustentam a versão de que são inocentes no caso do estupro coletivo. Os três, no entanto, confessam ter agredido até a morte Gleison e dizem não se arrepender pelo ato.

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No início das investigações, dois dos adolescentes chegaram a confessar o crime. Agora, eles dizem que a confissão foi feita diante das agressões que sofreram dos policiais no momento da apreensão. Jackson contou que estava em casa quando os policiais chegaram e, segundo ele, nem tinha tomado café da manhã ainda.

“Estava com fome, fraco. Me bateram (os policiais), apanhei até chegar na delegacia, lá de Castelo até Campo Maior [cidade vizinha]. Confessei pra parar de apanhar”, relatou. A distância entre as duas cidades é de pouco mais de 100 Km.

Responsável por proferir a sentença, o juiz Leonardo Brasileiro, da Comarca de Castelo do Piauí, disse que todos os depoimentos foram acompanhados pelo Conselho Tutelar e não havia sinais de tortura nos meninos.

Segundo Benício e Jackson, a recepção hostil dos demais internos do CEM veio acompanhada de xingamentos e ameaças.

“Eu pensei que ia morrer aqui dentro (CEM). Tive muito medo. Foi muito difícil no começo, mas não cheguei a discutir com ninguém. Hoje já dá pra ir levando. Quando soube que a menina lá tinha morrido eu rezei e pedi pra verdade aparecer”, falou Jackson. Ele diz que não participou do estupro coletivo e alega em sua defesa que no dia do ocorrido estava trabalhando em uma construção na casa de um vereador de Castelo do Piauí .

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“Eu não estava lá. Não conhecia essas meninas. Tem as provas, os exames pra mostrar que eu não tive culpa nisso aí. No depoimento, as meninas disseram que a gente não tava lá”, completa.

Ismael, nome fictício, 16 anos, condenado pelo crime de estupro coletivo em Castelo do Piauí (Foto: Fernando Brito/G1)

Benício, ao lado de Jackson durante toda a entrevista, também alega inocência. Sem gesticular muito e mantendo sempre as mãos juntas atrás do corpo, o garoto disse que no dia do crime estava andando de bicicleta pela cidade.

“As meninas falaram que não conheciam a gente, que a gente não tava lá. Não acharam nada nosso nos exames. É só ver aí nas investigações”, se defende Benício.

Ismael, que recebeu o G1 após voltar de uma audiência, tem como álibi o fato de estar trabalhando na mesma obra que Jackson, na casa de um vereador. Ele também revelou que Gleison chegou a denunciar, antes de ser morto, que um policial militar de Castelo havia planejado o crime. Umainvestigação foi aberta pelo Ministério Público Estadual e Corregedoria da PM para apurar a conduta do militar e sua possível influência no caso.

“O Gleison falou pra gente que um policial que tem uma rádio em Castelo foi o cabeça para fazer o estupro contra as meninas. Eu estava cavando uma fossa na casa do vereador Raimundinho Mineiro, de uma hora da tarde até cinco horas, 16 testemunhas falaram por mim. Nunca subi naquele morro. Quando a polícia começou a procurar, eu fui pra mata e depois pra casa de uma vizinha porque soube que estavam atrás de mim”, relembrou Ismael.

O advogado do PM foi procurado pela reportagem, ficou de enviar nota, mas até a publicação do texto não se pronunciou.

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Morro do Garrote, local onde as meninas foram violentadas (Foto: Patrícia Andrade/G1)

Morro do Garrote, local onde as meninas foram violentadas (Foto: Patrícia Andrade/G1)

Em entrevista ao G1, o vereador Raimundo Mineiro, citado pelo adolescente, disse que apenas Benício trabalhou na sua casa no dia do crime, mas até as 15h. Segundo a polícia, o crime aconteceu por volta das 17h.

“Três dos meninos chegaram a passar pela obra pela manhã. Um deles trabalhou lá e ficou até as 15h, segundo os pedreiros me informaram. Outro esteve pela manhã me pedindo R$ 2, mas depois saiu. Fui testemunha de acusação e relatei o que vi naquele dia”, lembrou o vereador.

Para a polícia, durante as investigações feitas na época, não restaram dúvidas quanto à participação de Adão e dos adolescentes. Laércio Evangelista, delegado que acompanhou o caso, disse que os exames de DNA comprovaram que Adão e dois dos quatro menores, participaram do estupro coletivo contra as garotas. Ainda conforme o delegado, as provas técnicas e os depoimentos foram suficientes para a condenação de todos os investigados.

O juiz Antônio Lopes, da 2ª Vara da Infância e da Juventude , falou que os depoimentos das três meninas que sobreviveram às agressões confirmaram a presença dos quatro adolescentes e Adão no Morro do Garrote, cenário do crime bárbaro.

Conforme o juiz Leonardo Brasileiro, o tempo foi suficiente para a coleta de provas e ele participou pessoalmente de todos os depoimentos. Segundo o magistrado, não ficaram brechas no processo.

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“As provas foram contundentes. A própria confissão dos meninos foi fundamental porque houve contradições e eles não conseguiram apresentar um álibi. Houve a confissão de um, que delatou os demais e manteve a mesma versão em juízo. Os outros menores confessaram na delegacia, mas em juízo voltaram atrás”, disse o magistrado.

A dor da família
O estupro coletivo das quatro garotas e o assassinato de Gleison, delator do crime, dentro do alojamento no CEM não são os únicos atos que pesam contra os garotos. Antes de serem condenados a cumprir medida socioeducativa, todos eles já tinham passagem pela delegacia por arrombamentos, roubos e assaltos.

Jackson, nome fictício, 17 anos, condenado pelo crime de estupro coletivo em Castelo do Piauí (Foto: Fernando Brito/G1)

Conversando com os meninos não é difícil traçar o perfil deles. Assim como quase todos os demais internos que cumprem medida socioeducativa pelo país, Benício, Jackson e Ismael viveram um contexto de laços familiares fragilizados, violência e miséria. Todos já eram assistidos pelo Conselho Tutelar.

No ano passado, o G1 chegou a ir até Castelo do Piauí semanas após o crime e conversou com familiares, professores e conselheiros. Confira a reportagem.

Dos três, apenas um dos menores ainda frequentava a escola, mas de forma esporádica. Nenhum deles tem, sequer, o ensino fundamental. Todos conheceram na rua o caminho cruel e, muitas vezes sem saída, que leva às drogas. À reportagem, eles confessaram que muitas vezes roubaram para comprar maconha e sustentar o vício.

“Não foi em casa que aprendi não, foi na rua. Mas eu ficava muito triste quando meu pai chegava bêbado em casa e batia na minha mãe. Sei que hoje minha família está triste. Quando a polícia me levou, meu pai chorou e queria ir comigo”, disse Benício, que tem mais três irmãos.

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A mãe de Jackson se mudou para Teresina após a condenação do filho e mora de aluguel, segundo o rapaz. A entrevista aconteceu numa segunda-feira, um dia depois do Dia das Mães. Janete* não foi ver o filho nessa data. “Não sei o que houve. Ela não veio. Quando vem pede pra eu ter força. Mãe nenhuma gosta de ver o filho assim. Sinto falta da minha família, da minha liberdade”, falou Jackson.

Ismael foi o que menos conversou com a reportagem. Perguntado sobre a família, ele se resumiu a falar que “não pode se arrepender de algo que não fez”.

Internos são separados por alas de acordo com os atos infracionais  (Foto: Fernando Brito/G1)Internos são separados por alas de acordo com os atos infracionais (Foto: Fernando Brito/G1)

Planos e medos
No Centro Educacional Masculino, os três menores estão frequentando a sala de aula, atendendo a uma das normas da instituição para que possam ser matriculados nos cursos técnicos oferecidos pela Secretaria de Assistência Social e Cidadania (Sasc).

Jackson cursa o 7º e 8º anos, Benício o 5º e 6º e Ismael o 3º e 4º anos pelo programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Dois deles dizem que pretendem estudar e, quando saírem do CEM, procurar emprego. No entanto, eles temem a recepção que terão lá fora.
“Quero sair, estudar e trabalhar, mas eu não sei como vai ser porque as pessoas estão julgando a gente. Não sei se a sociedade vai aceitar a gente”, declarou Jackson.

“Eu penso em trabalhar, mas só quando sair é que dá pra saber”, falou de forma breve Benício.

Segundo o pedagogo Joaquim José, os três tem demonstrado atenção durante as aulas e o desempenho somente poderá ser avaliado após a primeira prova que acontece ainda este mês.

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“O comportamento dos três tem sido adequado e eles têm se sobressaído. As aulas são uma exigência, já que para ser matriculado em algum curso o interno deve ter uma mínima escolaridade”, destacou Joaquim.

Em julho, os jovens já terão cumprido um ano das medidas socioeducativas. O prazo é de três anos, podendo ser estendido. O artigo 121 do ECA prevê que adolescentes que estejam cumprindo medida socioeducativa permaneçam internados somente até completar 21 anos de idade.

A lei permite o internamento de adolescentes por mais tempo, no entanto, é necessária a comprovação de periculosidade. Eles deverão passar por avaliações com psicólogos e psiquiatras a cada seis meses.

Fonte: G1

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