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JAICÓS | Fé e ensinamentos que perpetuam gerações: relatos de quando uma tempestade chega

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No fim da tarde, o céu nublado coberto por belas nuvens azuis, já anunciava a chegada daquela que é tão preciosa para o sertanejo: a chuva. O clima ameno e o vento que aliviava o calor tão comum na cidade, convidavam a sentar na calçada ou armar uma rede na varanda.

Porém, o cenário mudou. No início da noite a chuva começou e veio acompanhada de vento, trovões, relâmpagos e raios. Chegava na Terra do Galo uma tempestade, há muito tempo não vista pelos moradores.

Quando a chuva começou estava de visita na casa da minha avó materna. Acompanhada por ela durante toda a tempestade e observando seu comportamento, percebi que a chegada de um temporal traz à tona costumes, crenças e ensinamentos repetidos há décadas.

Assustada, mas ao mesmo tempo cuidadosa e preocupada, ela me pediu para não usar o celular, tirar o óculos de grau e até evitar falar. Na hora dos relâmpagos e trovoadas ela rezava, cantava em voz alta e clamava pela proteção divina. A luz de uma vela acesa no canto de uma parede se juntava a dos relâmpagos. A calmaria só veio depois que a tempestade passou.

Nesta quarta-feira (23), em busca de relatos daqueles que guardam tradições vindas de gerações e gerações, percebi que a fé e os ensinamentos estiveram presentes em diversos outros lares naquela noite e estarão em outras em que uma tempestade chegar.

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Josefa Rita do Nascimento (minha avó), 76 anos, falou sobre as orações que faz. “Quando a chuva “tá de vento” a gente pega um litro de água e joga na porta em forma de cruz, de preferência com um branco. Se tiver uma tempestade forte você reza a “salve rainha” bem alto”, até o ponto que diz “nos ‘amostre’ Senhor, que essa tempestade afaste”. Tem também uma oração que mamãe me ensinou “Chagas abertas, coração ferido, sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, entre nós e o perigo” contou.

Além das orações, ela também aprendeu com os pais a cobrir as coisas com panos e ficar em silêncio. “Eu ‘cubro’ tudo com medo, tudo que tem nas tomadas eu tiro, rádio, geladeira, televisão. ‘Cubro’ as panelas de alumínio, espelho e se for possível até amarro minha cabeça com um pano e fico caladinha só rezando, foi tudo que minha mãe me ensinou. Não pode falar na hora da chuva porque meu pai me disse que até os dentes da gente atrai os raios. Eu me ‘pego’ com Deus, tenho fé e peço para ele ‘alancar’ aquela tempestade” disse.

Ela lembra o que os pais falavam quando uma tempestade chegava. “Tem outras pessoas que jogam prato no meio da rua, machado, mas eu nunca fiz isso (risos). Quando morava com papai ele dizia ‘senta todo mundo e cala a boca’, e a gente não podia sentar unido, era distante. Mamãe falava a mesma coisa que papai e ficava só com o terço rezando. Eles ensinaram para todos os filhos. Não podia sair no meio da chuva, nem ficar com nada na mão como vejo vocês hoje com óculos, celular na mão. Até um anel de ouro é perigoso (risos). E deitar perto do outro ‘Deus o livre’” falou.

Ela conta que também acende vela, que a fumaça ajuda a afastar a força da tempestade. “Agora hoje a gente dá um conselho e o jovem não escuta. Se cai um raio em uma casa ‘morre é tudo’. Só que tem uma coisa, se cair em uma pessoa e outra pegar na língua dela e puxar antes de travar os dentes, é difícil de morrer. Pode acender umas velinhas brancas, em hora de chuva eu sempre acendo, porque quando a gente apaga ela sobe aquele cheirinho e dizem que é muito bom. Gente queima algodão, pneu, tudo é bom para afastar a força dos relâmpagos”.

Ela ainda contou que quando morava na roça, um raio caiu e destruiu árvore e plantações. “Quando morava na roça eu lembro que caiu um raio que ‘torou” o ‘pé de cajueiro’ de uma vez, matou mandioca, malva e ao redor fica aquele ‘lugarzão pelado’. Eu sei que ‘tô’ pedindo a Deus que não dê mais uma igual essa de ontem aqui” finalizou.

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Maria Otília da Costa, 63 anos, diz que o que aprendeu com a mãe ela segue até hoje. “Quando começava um ‘nuvuero’ mãe dizia ‘menino entra pra dentro de casa e calça o chinelo porque chuva assim a gente tem medo vir um raio e atingir a casa, e todo mundo calçado e sentado não faz medo’. Naquele tempo a gente só tinha ‘um raidinho’, aí desligava e todo mundo ficava quieto. O que aprendi com minha mãe ainda hoje estou seguindo” relatou.

Na tempestade desta terça, ela conta que deligou todos os aparelhos que tem em casa. “Ontem quando vi o ‘movimento’ da chuva mandei desligar os aparelhos, internet, televisão, geladeira, celular. Aí no escuro peguei a lanterna para ver se não estava entrando água na casa, aí o menino disse ‘mamãe com essa lanterna não faz medo não?’. E eu disse ‘faz, mas Deus ‘ai’ de me ajudar porque não dá para ficar no escuro em uma casa grande dessa. Depois desliguei a lanterna e guardei. Quando a chuva passou foi que fui limpar a casa toda molhada” disse.

Otília também falou dos costumes quando tem chuva acompanhada de muito vento. “Quando a chuva é de vento a gente reza, mas ontem aqui não ‘deu vento’. Agora no tempo que tinha muito vento a gente jogava água benta fora, caroço de algodão, tinha as cinzas de são João, fazia a cruz no meio da porta, até hoje eu tenho essas coisas e se acontecer uma chuva de vento eu faço. Quando a chuva é muito vento e trovão a gente pede a Deus para não acontecer nada e sempre Deus ajuda a gente. A gente pobre lembra de Deus toda hora” concluiu emocionada.

Júlia Joana da Conceição, de 94 anos, diz que reza sempre com o terço na mão. “Aprendi tudo com meus pais. Na hora da chuva é tudo coberto, televisão, geladeira, desligo até o ‘contador de energia’ eu rezo e chamo por Jesus até o fim. Rezo com o terço na mão para nos livrar dos perigos que vem do céu pra terra. Os santos que mais me apego na hora da chuva são ‘Maria Valez e São Francisco do Canindé’. Ontem rezei demais e tava com o terço na minha mão. Sei de muita reza que meu pai e minha mãe me ensinaram” disse.

O que aprendeu ela repassou para os filhos, mas diz que hoje os tempos mudaram. “Tudo que aprende ensinei para os filhos, todas as minhas filhas sabem. Eu fui criada em um tempo que a gente rezava, respeitava pai e mãe, hoje não. Antigamente um pai não chamava um filho para ele dizer ‘o que é’, a gente dizia ‘senhor meu pai’ e ia saber lá onde ele tava o que era que ele queria. Agora hoje tem jovem que nem acredita no que a gente diz” falou.

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Aristeu José de Sousa, 78 anos, contou que apenas reza e pede proteção a Deus. “Na hora da chuva a gente fica quieto dentro de casa e manda todo mundo ficar quieto e rezar. Minha ‘veia reza mais eu’. Meu costume é só rezar e confiar em Deus. Aprendi esse costume com minha mãe, quando ela via a chuva ela já reunia nós todos e rezava. Até hoje sou muito devoto e me apego com Deus. Tem uma coisa que nunca esqueço. Papai fez uma casa em cima do morro, aí a telha da outra casa só deu para cobrir um quarto e os outros cômodos ficaram descobertos. Aí veio um temporal igual a esse aí e nós ficamos só naquele quarto” relatou.

Na tempestade, ele fez as orações que a mãe ensinou. “Nessa tempestade de ontem rezamos muito, as orações que mamãe me ensinou. E os relâmpagos ‘foi de Deus nos acuda’, essa foi a maior tempestade que já vi, foi a pior. Nesse momento me apego com a fé, peço que Deus nos ‘acuda’, rezo para Nossa Senhora da Conceição e Sagrado Coração de Jesus” disse.

De uma tempestade seu Aristeu também carrega tristes lembranças. Há cerca de 20 anos, ele perdeu dois irmãos. “Meus irmãos trabalhavam na roça limpando o feijão. Eu tava em casa quando passaram para a roça, aí com pouco tempo começou o tempo fechar e eu só pensei neles, que não vinham embora. Eles ficaram lá, a mulher de um deles veio para casa com um cachorro e o outro ficou lá. O cachorro veio e voltou com pouco tempo, veio avisar. Aí quando ela chegou lá já estavam mortos um do lado do outro e o cachorro, em baixo do pé de cajueiro. Vieram me avisar e quando cheguei lá já tinha gente que não cabia” relatou.

Depois do exemplo na família, ele diz que passou a acreditar mais ainda no que a mãe ensinou. “O raio não caiu bem em cima, mas ainda atingiu eles, porque estavam os dois de pés descalços e a terra molhada. Os dois tinham pouco mais de 40 anos. Eles não eram muito ‘acreditados’ nos ensinamentos, quem acreditava mais era eu, tudo que mãe dizia para mim era uma verdade. Com o exemplo que vi na minha família comecei a acreditar mais ainda, quando a tempestade vem já ‘tô me apegando’ com Deus para nos livrar. Tenho muito medo, por cauda deles dois que morreram” concluiu.

Cuidados em uma tempestade

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O Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe) dá algumas orientações sobre os cuidados que devem ser tomados para acidentes serem evitados durante uma tempestade elétrica. Veja os principais:

Durante as tempestades procure abrigo nos seguintes lugares: carros não conversíveis, ônibus ou outros veículos metálicos não conversíveis; em moradias ou prédios, de preferência que possuam proteção contra raios.

Se estiver dentro de casa, evite: usar telefone, a não ser que seja sem fio; ficar próximo de tomadas e canos, janelas e portas metálicas; tocar em qualquer equipamento elétrico ligado a rede elétrica. Se estiver na rua, evite: segurar objetos metálicos longos, tais como varas de pesca, tripés e tacos de golfe; empinar pipas.

Se possível, evite também certos locais que são extremamente perigosos durante uma tempestade, tais como: áreas abertas, campos de futebol, estacionamentos abertos; proximidade de cercas de arame, varais metálicos, árvores isoladas, praias e campos de futebol.

A Defesa Civil também orienta:

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– Evite lugares abertos, como estacionamentos, praias e campos de futebol;

– Abrigue-se em casa, edifício ou em instalação subterrânea como o Metrô;

– Não permaneça em rio, mar, lago ou piscina;

– Se estiver no carro, mantenha os vidros fechados, sem contato com as partes metálicas do veículo;

– Caso não encontre um abrigo por perto, fique agachado com os pés juntos, curvado para frente, colocando as mãos nos joelhos e a cabeça entre eles até a tempestade passar;

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– Mantenha distância de objetos altos e isolados, como árvores, postes, quiosques, caixas d’água, bem como de objetos metálicos grandes e expostos, como tratores, escadas e cercas de arame;

– Evite soltar pipas, carregar objetos, como canos e varas de pesca e andar de bicicleta, motocicleta ou a cavalo;

– Mantenha distância de aparelhos e objetos ligados à rede elétrica, como TVs, geladeiras e fogões;

– Fique afastado de janelas, tomadas, torneiras e canos elétricos;

– Evite tomar banho durante a tempestade.

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