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MUNICÍPIOS

Mistérios e respostas sobre o acidente com avião carregado de cocaína

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[ad#336×280]Era 18h02 deste sábado (11 de abril) quando a reportagem de O Olho chegou na divisa das comunidades Brasília e Lajeiro, localizadas em uma área erma, entre duas serras de menos de cem metros de altura, da zona rural da pequena cidade de Assunção do Piauí (localizada a 280 quilômetros de Teresina). A região, que foi palco no início da madrugada do mais misterioso acidente aéreo deste século no Piauí, tem pouco menos de 20 casas, quase todas espalhadas em distâncias de até dois quilômetros uma das outras. Nenhuma tem acesso a energia elétrica. Água, só via cisternas. Era um início de noite com temperatura amena.

Até então a região só era conhecida no mundo policial por geralmente ser rota de fuga de bandidos que quase todo ano assaltam a agência do Banco do Brasil da vizinha São Miguel do Tapuio. A área tem acesso direto à cidade cearense de Novo Oriente, bem como, quilômetros depois, dá interligação fácil às cearenses Crateús e Quiterianópolis. De outra forma, quase ninguém do Piauí tinha ouvido falar dessas paragens.

No entorno de 50 quilômetros de raio há menos de dez policiais responsáveis pela segurança de uma área quase do tamanho do Chipre (país da Europa).

São Miguel do Tapuio está localizada a 63 quilômetros de Assunção do Piauí e a 60 quilômetros do lugar que tornaria aquela área nacionalmente conhecida neste sábado.

No início da madrugada o céu do lugar, acostumado a ser cortado por estrelas cadentes, recebeu um clarão e dois grandes estrondos. Apesar do barulho: o resultado daquilo tudo só seria conferido pelos moradores da região no início da manhã: era um avião que caído. Tinha duas pessoas, quase totalmente queimadas, e um pacote estranho com um pó branco (cocaína). Eram entre 30 e 40 quilos da droga (o peso exato ainda não foi confirmado pela polícia).

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O que sobrou do único motor da aeronave. Foto: João Alberto / O Olho.

A aeronave era um monomotor Cessna 210, prefixo não identificado. Lia-se somente um “P” em um pedaço de asa. Os únicos vestígios de presença humana nos destroços davam conta de que eram pessoas por causa da quantidade de fêmures (ossos da coxa), quatro (podendo-se aferir que eram dois ocupantes). Nada mais além que uma mão, com o dedo polegar visivelmente quebrado, era lembrado como que ali um dia andou um ser humano. O resto era tudo cinzas e alguns pedaços de ossos. Junto a esse pedaço de mão havia um cordão de ouro. Essa pessoa estava do lado esquerdo da frente da aeronave (provavelmente era quem pilotava a aeronave).

O avião estava de cabeça para baixo. Virou após bater em várias árvores. Toda a parte central da aeronave ficou queimada. A asa esquerda estava toda destruída. A asa direita e um pedaço da cauda foram as partes menos avariadas. O motor não explodiu, ficou a três metros e meio do seu lugar original. Todas as três hélices ficaram retorcidas.

Périplo para se chegar ao local do acidente

O lugar do acidente é de dificílimo acesso. A estrada de asfalto mais próxima fica a 14,6 quilômetros (a PI-120). A reportagem só chegou ao lugar porque foi guiada pelo fotógrafo Paulo Nascimento, do Portal Samita, que cresceu na região. Poucos moradores de Assunção do Piauí e São Miguel do Tapuio sabiam chegar com precisão à área da queda.

Cinco estradas vicinais e caminhada para se chegar ao local do acidente. Foto: João Alberto / O Olho.

Da rodovia estadual para se chegar ao local do acidente passa-se por cinco estradas (adentrando quatro propriedades, uma delas um extenso milharal que teima em querer dar suas primeiras espigas; outras duas parecem que nunca foram usadas para plantação).

Para-se os veículos até um ponto ermo da quinta estrada. O lugar só era identificado como o primeiro ponto de proximidade da queda do avião por causa da presença de policiais militares, responsáveis pela segurança do entorno. De armas em punho, e sem muita simpatia, indagaram o que a reportagem estava fazendo ali. Respondido que era o trabalho de cobrir o fato, pediram identificação funcional e chegaram até a questionar para o guia se ele conhecia os jornalistas. A surpresa era porque chegara a primeira equipe de reportagem de Teresina ao local. Até então poucos curiosos tinham chegado ao local. E quem chegasse era convidado a dar meia volta.

O que restou do trem de pouso do avião que caiu. Foto: João Alberto / O Olho.

Tanta preocupação policial era necessária por causa do medo de que traficantes poderiam estar rondando a região para tentar resgatar a cocaína que estava na aeronave (o produto tinha sido levado no meio da tarde pelo secretário de Segurança do Piauí, justamente para afastar possíveis resgatadores).

Depois da passagem pela barreira policial o local só era acessado após uma caminhada de quase 800 metros em um areal, com direito a passagem por uma cerca de arame farpado e por 19 buracos de pebas (fáceis armadilhas para se torcer o pé – o repórter da TV Antena 10, Tony Black, foi uma das vítimas desse buraco – por sorte não torceu, só levou o susto de pisar e cair em uma das locas).

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Destroços espalhados por quase 500 metros em clareira aberta na mata. Foto: João Alberto / O Olho.

Só então era possível deparar-se com os primeiros vestígios de que algo estava errado ali: uma faixa de nove metros entre a mata estava como se podada irregularmente à força. Árvores de um metro e meio e dois metros estavam no chão. Esse vão avançava por mais quase 500 metros: era o lugar em que a aeronave acidentada fizera sua tentativa, em vão, de pouso. Era o sentido Leste – Oeste.

Metros a frente começava-se a ver os primeiros pedaços do avião. Um distante do outro até por cinco metros. Estavam ali após a aeronave começar a destroçar as árvores. Era nítido que o avião tentara fazer um pouso forçado. A picada era em linha reta.

Avançava-se e eram encontrados mais pedaços, cada vez maiores, até chegar ao avião propriamente dito, aliás, ao que restou dele e de seu chamuscamento. havia muito ferro retorcido, cinzas e um forte cheiro de carne queimada misturado com querosene de aviação (não tente imaginar, é horrível!). Ainda saía um pouco de fumaça nas proximidades dos corpos.

Mais cinco policiais faziam a segurança do lugar, esses mais gentis e educados. Um deles, o tenente Izenilson, falava de suas missões policiais e do quanto gosta de ler jornais e sites. Se dizia fã do colunista Francisco Magalhães, de O Olho.

Peritos da Polícia Federal examinam local da queda do avião. Foto: João Alberto / O Olho.

Quando a reportagem chegou ao lugar só haviam os policiais. Quando estava indo embora chegaram uma equipe da Polícia Federal e de duas equipes de TV, todos de Teresina. Minutos depois era o IML quebrando o matagal e a escuridão da noite com uma caixa de carregar cadáveres. Dois agentes, acompanhados de uma mulher com luvas, se dirigiam ao lugar para buscar o que restou dos corpos.

Número de tombo de manutenção pode ajudar na identificação dos que morreram e do dono da aeronave

O avião carregado de cocaína, envolvido no acidente ocorrido na cidade de Assunção do Piauí, é uma aeronave muito usada no Brasil. Sua simpatia é dada por causa de seu preço de mercado, custo de manutenção não tão alto e fácil adaptação para uso em pistas curtas.

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Essas características fazem o Cessna 210 ser muito usado em garimpos e para atividades ilegais de transporte de produtos. Tem capacidade de voar baixo, geralmente sendo pouco detectado pela maioria dos radares de acompanhamento de tráfego aéreo.

Dado fundamental que pode ajudar a polícia a identificar a aeronave e seu dono. Foto: João Alberto / O Olho.

A aeronave em questão, também conhecida por Cessna 210 Centurion, tinha, no mínimo, 30 anos de uso. Era monomotor (com um só motor – que funcionava na parte frontal do avião – no bico). Tinha fabricação norte-americana e capacidade para transportar seis pessoas (incluindo um piloto). Podia voar até a 300 quilômetros por hora.

No caso da aeronave destroçada em Assunção do Piauí, por conta das avarias, não foi possível ainda identificar seu prefixo. A aeronave era metade branca (parte superior) e metade azul escuro (parte inferior) com pequenas listras amarelas douradas separando as duas cores. A cauda repetia os mesmos detalhes com o branco sendo predominante.

Relógio de uma das vítimas. Um dos poucos objetos intactos do acidente. Foto: João Alberto / O Olho.

Um pequeno detalhe, a data da última manutenção da aeronave, pode ajudar a polícia piauiense a identificar o prefixo, quem é o dono e até quem ultimamente estava usando a aeronave, chegando mais fácil ao desbaratamento da quadrilha e identificação dos dois mortos.

A reportagem de O Olho conseguiu identificar que o avião acidentado, cheio de cocaína, tinha feito sua última manutenção no dia 21 de julho de 2014, na Stoco Aviação, em Goiânia (GO). A informação estava contida em um tombo de uma peça do motor da aeronave.

O mistério do avião que explodiu mas que ficou com carga de cocaína intacta e fora da aeronave

Um dos mistérios ainda não explicados pela Polícia Civil do Piauí é porque a aeronave acidentada ficou 80% queimada, totalmente destruída e a carga (ou o que restou dela) ficou intacta. Os quase 40 quilos de cocaína não foram queimados e, quando encontrados pela polícia, estavam do lado de fora da aeronave.

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Comandante do GPM de Assunção do Piauí e cocaína encontrada ao lado do avião. Foto: Caetano Silva / Portal Samita.

Uma das explicações é que o local pode ter sido alterado antes da chegada da polícia, inclusive com a presença de comparsas dos mortos no avião. Eles teriam estado no lugar para tentar resgatar os produtos. Há a hipótese, ainda não confirmada pela polícia, de que os comparsas apareceram no lugar para apagar vestígios e levar a cocaína, que estava em estado puro e renderia muito aos traficantes.

O primeiro policial a comparecer ao lugar foi o cabo Osias, comandante do Grupamento Policial Militar de Assunção do Piauí. Ele disse que chegou às 8h30 após ter sido informado por moradores. No mínimo, apareceu quase sete horas depois da queda.

O que era para ser a asa direita do avião. Foto: João Alberto / O Olho.

Constatando o fato o cabo acionou policiais da região. Contou que a cocaína já estava do lado de fora do avião. A droga era acondicionada em um sacola e envolta em tabletes, bem embalados com fita isolante. Era do tipo: pacote para entrega rápida.

Perto de pista clandestina de pouso de aviões e lugar de chacina

O local em que o avião caiu em Assunção do Piauí fica a menos de dez quilômetros de uma pista clandestina de aviação na cidade de São Miguel do Tapuio. O lugar foi aberto no segundo semestre do ano passado e tem aproximadamente 1.600 metros, com capacidade de pouso de aeronaves até de médio porte.

Um grande mistério é: por que em um lugar tão pobre e tão distante havia uma grande pista de pouso de aviões? Muito maior do que 97% das pistas de todas as outras cidades piauienses?

A pista, que já estava sendo monitorada pela polícia, localiza-se no povoado Palmeira. Essa localidade ficou nacionalmente conhecida ano passado por conta do dia de fúria promovido pelo desempregado Clewilson Vieira Matias, conhecido por Chiê. Ele é acusado de ter assassinado cinco pessoas em novembro de 2014.

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Clareira aberta no meio do mato após queda do avião: 10 quilômetros de lugar de chacina. Foto: João Alberto / O Olho.

Os crimes teriam ocorrido por represália devido ação de líderes comunitários do povoado em organizarem um abaixo-assinado para retirar Chiê do lugar. O acusado da chacina era tido como um dos responsáveis pelo tráfico de drogas na região.

O tenente Izenilson, que é responsável pelo comando da PM em São Miguel do Tapuio, confirmou o monitoramento da região e destaca que aquela área é muito sensível, principalmente pelas suas ligações com vários municípios do Ceará.

“Não sabemos se a droga era para lá, mas notamos que a aeronave estava voando muito baixo, como se estivesse perto do lugar. E aqui é linha reta para lá”, revelou o policial, muito experiente em combater traficantes de drogas no Piauí.

O resgate da cocaína e possível ligação com rede internacional

A Polícia Civil piauiense confirma que realmente os sete homens presos no meio da manhã deste sábado iriam resgatar a cocaína que estava na aeronave que caiu em Assunção do Piauí.

PMs e peritos da PF. Segurança no local. Ainda havia possibilidade de resgate da cocaína. Foto: João Alberto / O Olho.

Os homens, cinco cearenses e dois piauienses (da região da queda), foram presos por policiais militares do Ceará, já em território do Piauí. Os policiais cearenses estavam a caminho da região do incidente do avião para ajudar em buscas e investigações.

Os acusados estavam em três pick-ups. Eles foram flagrados com equipamentos de sobrevivência na mata (como muita alimentação e até bebidas energéticas), além de um drone (dispositivo que voa e monitora áreas por imagens). A Polícia Civil diz que esse material era para melhor procurar a cocaína.

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Os sete homens presos estão sob responsabilidade da Polícia Civil do Piauí e passaram todo este sábado sendo interrogados na Delegacia Regional de Campo Maior (responsável pela região do acidente). Pouco foi divulgado do teor da fala dos homens, mas pelo sigilo que o caso é tratado, pode vir muita novidade e até o desbaratamento de uma rede internacional de tráfico de drogas, tendo o Piauí como rota e ponto de apoio.

O que restou da cauda da aeronave. Foto: João Alberto / O Olho.

Durante este domingo os acusados passarão por novos interrogatórios. Eles serão indiciados por associação ao tráfico e formação de quadrilha. A Polícia Civil do Piauí quer saber se eles já tinham resgatado alguma cocaína do lugar do avião e até apurar se a aeronave foi incendiada para apagar vestígios, já que somente há fogo no lugar em que ocorreu a queda.

Polícia Federal vai ao local fazer perícia e retorna por conta da Polícia Civil ter levado cocaína encontrada no avião

Cinco agentes da Polícia Federal chegaram ao local do acidente por volta das 18h50 deste sábado. Já era noite e passava mais de 19 horas do horário da queda da aeronave.

Perito em busca de vestígios. Foto: João Alberto / O Olho.

Vieram escoltados por homens do 15º Batalhão da Polícia Militar do Piauí e acompanhados de duas equipes de TV.

Os federais viram que o local já tinha sido muito mexido (por causa dos curiosos) e que a principal motivação de sua vinda estava prejudicada.

“Cadê a cocaína”, indagou um dos agentes.

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Eles foram informados que a droga tinha sido levada horas antes pelo responsável da Delegacia de Entorpecentes de Teresina, delegado Menandro Pedro da Luz, e pelo próprio secretário estadual de Segurança Pública, capitão Fábio Abreu.

A retirada da droga do local ocorreu principalmente pela possibilidade do produto ser resgatado por comparsas das pessoas falecidas no avião, já que a droga, no mundo do crime, tinha grande valor de mercado, por ser pura.

Os agentes e peritos federais passaram menos de 25 minutos no local do acidente, tiraram aproximadamente cem fotografias, fizeram algumas gravações com policiais que estiveram no local e foram embora. “Sem a cocaína no local o caso deve ficar a cargo da Polícia Civil”, revelou um dos agentes da PF.

Ligação com o caso do avião que fez pouso de emergência e foi abandonado em Piracuruca

Um dos pontos mais elencados pelos policiais federais que estiveram no local da queda do avião em Assunção do Piauí é sobre outra aeronave encontrada no ano passado em Piracuruca (também no Norte do Piauí).

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Eles apontam que o caso deste final de semana tem altos vestígios de ligação com o avião encontrado abandonado no início de setembro do ano passado na cidade de Piracuruca.

Aeronave que caiu em Piracuruca. Polícia suspeita que seja a mesma quadrilha. Foto: Piracuruca ao vivo.

A aeronave, um bimotor Aero Commander, foi abandonada em uma pista clandestina na zona rural piracuruquense. Estava com botijões de combustível e vestígios de cocaína. Até hoje o caso permanece um mistério. Esse avião sequer tinha registro para voar no Brasil.

Em linha reta o local do acidente deste final de semana e do avião encontrado em Piracuruca é de menos de 300 quilômetros, menos de uma hora de vôo.

Os dois fatos ajudam a montar o quebra-cabeças de que o Norte do Piauí seja rota do tráfico de drogas, principalmente do ponto de apoio para aeronaves que cruzam a região amazônica (trazendo a droga da Colômbia, Peru e Bolívia) e fazendo escalas de reabastecimento e distribuição de entorpecentes em pistas de lugares ermos e pouco policiados.

 

Fonte: O Olho

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