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NOTÍCIA DESTAQUE

Dois homicídios, um furto de R$ 300 mil e como superar a descrença no 5º BPM de Teresina

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Várias discussões da atualidade discorrem sobre a preparação da Polícia Militar (PM) em todo o Brasil. A desmilitarização da instituição é a bandeira da vez num contexto de excessos cometidos por quem usa uma farda que deveria simbolizar a ordem e a paz. O trabalho desses policiais vira pauta de desconfiança em meio aos brasileiros e reconquistar o mínimo de crédito rente à população parece estar além da exposição de viaturas e armamentos pesados nas ruas.

A confirmação desse descrédito vem de em julho de 2017, quando o instituto de pesquisa Datafolha mostrou que quase metade dos brasileiros tem medo de sofrer alguma violência da Polícia Militar, totalizando 49% dos entrevistados. Os demais 51% não temem a ação desses militares. No Norte e Nordeste, a desconfiança se agrava, já que o receio dessa população à hostilidade cometida por PMs é maior em relação às demais regiões.

Três últimas ocorrências de crimes cometidos por PMs do Piauí, entre outubro e dezembro de 2017, confluem ao 5º Batalhão da Polícia Militar (Foto: Édrian Santos/OitoMeia)

Para além do âmbito nacional, o Piauí, desde o segundo semestre de 2017, estampa sites nacionais de notícias sobre a temática envolvendo condutas duvidosas de policiais militares. As três últimas ocorrências, entre outubro e dezembro do ano passado, confluem ao 5º Batalhão da Polícia Militar (5º BPM), responsável pelo policiamento da zona Leste de Teresina.

SUBMISSÃO A CAPRICHOS MACHISTAS

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O primeiro fato é muito emblemático e retrata o quanto muitas mulheres do Piauí são vítimas de um machismo institucionalizado no estado, de forma que a submissão a caprichos masculinos é a garantia de sobrevivência delas. A esta ocorrência, é descrito o feminicídio contra a estudante Camilla Abreu, alvo de um tiro na cabeça do então namorado Alisson Wattson, capitão do 5º BPM.

A ação fria e cruel do oficial militar aconteceu no dia 25 de outubro, após o casal sair para uma festa com mais uma amiga. Uma crise de ciúmes do capitão fez ressurgir todo um histórico de violência já sofrido por Camilla, pois amigos e familiares da vítima confirmaram agressões físicas e psicológicas vividas pela jovem estudante de Direito, advindas daquele que, no mínimo, deveria zelar pela integridade da namorada.

CADÊ OS R$ 300 MIL QUE ESTAVAM AQUI?

Outro caso que marca o currículo do batalhão supracitado menciona condutas éticas desses oficiais. Um banco assaltado, reféns apavorados e vidas em jogo não foram o bastante para que esses policiais não saíssem do filtro negativo da opinião pública, após o desaparecimento de R$ 300 mil depois da apreensão de R$ 700 mil roubados do Banco do Nordeste, na Avenida João XXIII, zona Leste de Teresina, no dia 19 de dezembro de 2017.

As suspeitas ficam com quem? Exatamente isso que você deve estar pensando. Dois policiais foram detidos, após a corporação confirmar o furto exorbitante. O mandato de prisão cautelar administrativa aconteceu, sobretudo, pelo fato de os repressores não terem preservado o local do crime. Responsabilidades definitivas não foram atribuídas, mas tanto a Polícia Civil como a Polícia Militar investigam a culpa do sumiço de R$ 300 mil oriundos de um roubo.

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UM ANJO CHAMADO EMILY

Dentre os incidentes envolvendo PMs, usando todo um repertório de eufemismos, há o mais recente e de grande comoção, ocorrido na noite de 25 de dezembro, que culminou na morte da menina Emily Caetano, de apenas 9 anos. O carro da família foi alvo de 10 tiros por ter sido confundido com um veículo usado para assaltos na zona Leste de Teresina. A criança morreu no hospital, o pai permanece com uma bala alojada na cabeça, a mãe foi atingida no braço e as duas irmãs mais novas foram as únicas ilesas.

Crime contra a Emily destaca a irresponsabilidade de diversos personagens: policial, Executivo e Judiciário (Foto: Montagem OitoMeia)

O crime contra a Emily destaca a irresponsabilidade de diversos personagens. A princípio, um policial despreparado para o ofício e que, em meio a tantos outros indivíduos armados Brasil afora, se comporta como um deus nas operações. Seguido disso, a briga entre o Judiciário e Executivo, ao permitirem que um candidato reprovado no exame psicotécnico assumisse uma posição tão importante para a integridade humana de vários piauienses.

Os envolvidos no crime são o cabo Francisco Alves e o soldado Aldo Barbosa Dornel, ambos já investigados pela Delegacia de Homicídios de Teresina, tendo o delegado Francisco Costa (Barêtta) como titular. Homicídio doloso, quando há a intenção de matar, e tentativa de homicídio são os crimes que podem constar no inquérito contra os acusados. Em meio a tudo isso, ainda houve suspeitas de fraude processual por parte da PM em relação ao caso, confirmando-se por meio de uma portaria que autorizasse a instituição a investigar um crime contra a vida.

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COMANDANTE INTERINO DESABAFA

Com todo esse histórico envolvendo personagens tão importantes para uma sociedade, o OitoMeia não poderia se furtar da responsabilidade de ouvir quem atua diariamente para prestar um bom serviço à população no que diz respeito à Segurança Pública. Quem fala em nome do 5º BPM é o major Wilton Sousa, comandante interino deste batalhão e atual do 8º BPM (localizado na região do Dirceu).

Alguns casos isolados são o suficiente para manchar toda uma corporação? Se depender do comandante, não, porém as exceções vêm se demonstrando cada vez mais como regras, pelo menos aos olhos da opinião pública e especialistas voltados ao assunto. De qualquer forma, generalizar e banalizar os militares pode não ser a solução para a melhoria de diversos indicadores no que diz respeito à Segurança Pública em Teresina, no Piauí e em nível de Brasil.

Major Wilton, comandante interino do 5º BPM, dá detalhes do funcionamento do batalhão envolvido em polêmicas criminosas em Teresina (Foto: Édrian Santos/OitoMeia)

Há pouco mais de duas semanas, o major Wilton foi designado para assumir interinamente o comando do 5º BPM, após afastamento temporário do comandante major Pessoa e subcomandante major Nivaldo para que haja a continuidade das investigações sobre o sumiço dos R$ 300 mil de um total de R$ 700 mil apreendidos após assalto com reféns ao Banco do Nordeste.

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O currículo do major Wilton é extenso, tendo ele 31 anos como policial militar. Há quase um ano, segue no comando de dois batalhões piauienses e, ao longo da carreira, assumiu vários cargos de comando quando era homem da Força Nacional de Segurança. Como não podia ser diferente, ele é um grande defensor da farda e fala em nome do 5º BPM na tentativa de explicar o funcionamento do batalhão.

POLÊMICAS SÃO EVITADAS

De início, foi deixado claro pelo PM que não responderia às polêmicas já citadas na matéria, mas adianta ao OitoMeia que o Comando Geral da Polícia Militar propõe novas regras para que oficiais voltem às salas de aula da corporação para que atuações vistas nos casos Camilla Abreu, Emily e Banco do Nordeste sejam evitadas. “Essa iniciativa é necessária tanto para a Polícia Militar como para qualquer órgão ligado à Segurança Pública”, diz.

Comando Geral da Polícia Militar propõe novas regras para que oficiais voltem às salas de aula da corporação (Foto: Reprodução Facebook/Ilustrativa)

A intenção para essa espécie de reforma dos policiais militares do Piauí, segundo o comandante interino, é possibilitar um melhor serviço para a população, sobretudo a atendida pelo 5º BPM. É nesse sentido que o major analisa quais os erros e acertos do batalhão em voga, traduzindo um sentimento de dever cumprido, mas sem jogar para debaixo do tapete problemas pontuais aos quais a PM do estado enfrenta.

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“A Polícia Militar do Piauí, em 2017, atendeu 70 mil ocorrências, enquanto o 5º batalhão se destaca pelo fato de ter baixado o índice de criminalidade do chamado homicídio. Comparando 2016 a 2017, foram 24% a menos de homicídios ocorridos. O 5º batalhão se destacou, também, na apreensão de armas e drogas. Erros acontecem em qualquer profissão, mas a gente trabalha é para acertar. Um, dois ou três fatos negativos no 5º batalhão, para nós policiais militares, é quase irrelevante”, pondera Wilton.

BAIXO EFETIVO POLICIAL

O comandante interino deixa claro o lamento pelos erros cometidos por policiais do batalhão, mas acrescenta que há instâncias próprias aos julgamentos. Mesmo assim, são destacados dados positivos sobre a Segurança Pública do estado, já que o Piauí ainda mantém baixos índices de criminalidade, em nível nacional. Por outro lado, a federação figura entre aquelas com o menor número de PMs por habitante.

Dados de 2014, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta o Piauí como o dono do terceiro pior efetivo de PMs por habitante, ou seja, é um policial para cada 597 pessoas. O estado só está à frente do Paraná (1/630) e Maranhão (1/881), respectivamente, segundo reportagem do site Extra, de agosto de 2017. Distrito Federal (1/194), Amapá (1/199) e Acre (1/286) têm os melhores efetivos.

“A Polícia Militar ficou sentida porque nenhum de nós queria que acontecesse o que aconteceu. Se houve erro, alguém vai julgar. Hoje, o Piauí foi um dos únicos estados que apresentou queda nos índices de criminalidade. Se você comparar com Fortaleza, Natal e Belém, todas as capitais apresentam um acréscimo no índice de criminalidade. E o Piauí é onde esses números caíram”, argumenta.

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TRABALHO ESTRESSANTE

É fato que o trabalho de PM é estressante, inclusive com a confirmação feita pelo próprio comandante interino ao OitoMeia. A carga horária de um oficial do 5º BPM se divide da seguinte forma: trabalha-se 12h e folga 24h ou o plantão é de 24h e a folga de 48h. “Nós fazemos um bom trabalho, mas, às vezes, a população não compreende. Cada homem e mulher da Polícia Militar faz muito e procura fazer da melhor forma possível”, defende.

O major Wilton admite que o efetivo policial piauiense é baixo e que, havendo mais militares, a violência tenderia a diminuir. Como o serviço de patrulha é ostensivo e preventivo, a presença de PMs nas ruas pode evitar um possível crime, já que se pressupõe que bandidos não agem quando há forças coercitivas em determinado local. Para suprir tal demanda, alternativas com a comunidade são propostas.

“Nós temos projetos sociais como o pelotão mirim, temos zumba, à noite, temos um projeto em que as pessoas fazem fisioterapia, usam a piscina. Nós temos pessoas que utilizam a quadra de futebol para esportes. São vários projetos que as pessoas precisam conhecer para confirmarem que o 5º batalhão também trabalha a parte social e que, às vezes, não é divulgado. Essas ações sociais ajudam a comunidade e ela é quem vai ganhar”, informa o major Wilton.

FORMAÇÃO DOS PMS

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Sobre a seleção dos policiais, o Núcleo de Concursos e Promoção de Eventos (Nucepe) da Universidade Estadual do Piauí (Uespi) é o responsável por filtrar os candidatos aptos para encarar a carreira de policial militar. Isso tudo envolve questões cognitivas, físicas e psicotécnicas dentro do processo seletivo. A partir daí, o concorrente segue à escola de formação da corporação.

5º BPM possui sete viaturas diárias, 170 homens, 20 oficiais e três companhias (cada uma comandada por um capitão), atendendo a 29 bairros da zona Leste de Teresina (Foto: Édrian Santos/OitoMeia)

“O Nucepe faz todos os exames e entrega o candidato para a Polícia Militar formar. A Polícia Militar apenas forma o policial. A maneira que ele vem é decorrência da entrega pelo Nucepe para nós formarmos”, informa o comandante, num contexto de alguns militares reprovados em exames, mas que ainda sim atuam na PM. Já na escola de formação, o futuro policial passa seis meses sendo instruído em técnicas de abordagem, tiro, direito penal e direitos humanos.

“Eu acredito que o 5º batalhão está no caminho certo. Apenas acho que o comandante-geral tem que colocar o homem na sala de aula para que ele possa treinar e se capacitar, pois acredito que em toda profissão o profissional deve se preparar para prestar um bom serviço à sociedade”, salienta o major. Vale ressaltar, ainda, que o 5º BPM possui sete viaturas diárias, 170 homens, 20 oficiais e três companhias (cada uma comandada por um capitão), atendendo a 29 bairros da zona Leste de Teresina.

E A DESMILITARIZAÇÃO?

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Respingos de um assunto no Congresso Nacional podem recair sobre Teresina. Muito se fala na desmilitarização da PM, tanto que tramita no Senado Federal uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC-51/2013) que trato do assunto. De autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), o texto extingue o caráter militar das forças policiais e determina que as mesmas atuem tanto em nível ostensivo como nas investigações dos crimes.

A PEC estabelece que cada estado terá autonomia para organizar as forças policiais, de acordo com critérios territoriais, crimes a serem combatidos ou combinando as duas formas. O fato é que o caráter civil sempre será exigido e os agentes atuarão na prevenção e na investigação das ocorrências. Isso se justifica pelo fato de se dar maior autonomia dos agentes, permitindo maior controle social da instituição, segundo o autor.

ENTREVISTA COM ESPECIALISTA

A partir desse cenário nacional acerca da Polícia Militar e dos delitos ocorridos com agentes policiais piauienses, o OitoMeia consulta um especialista em Segurança Pública para comentar sobre o assunto. A entrevista é com o professor e pesquisador Marcondes Brito, formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí (Ufpi), mestre em Políticas Públicas pela mesma instituição e doutorando em Sociologia pela Universidade Estadual do Ceará.

Marcondes Brito é especialista em Segurança Pública e traz discussões acerca de várias problemáticas imersas na Polícia Militar do Piauí (Foto: Reprodução Facebook)

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OitoMeia: Como você avalia a credibilidade da instituição Polícia Militar do Piauí com base nos acontecimentos dos últimos meses?

Marconsdes Brito: Esta é uma pergunta complexa, por uma série de questões. A primeira dela é porque a Polícia Militar serve prioritariamente aos pobres. A maioria das pessoas ricas não precisa da Polícia Militar porque tem segurança privada para fazer o serviço que ela faz. Ela é uma polícia oriunda dos grandes proprietários de terra, dos títulos de coronéis e ela surgiu, inicialmente, para a defesa privada. Os coronéis formavam milícias, que depois foram incorporadas por uma série de instituições. Justamente, para essas pessoas que ela deveria proteger, que são as pessoas mais pobres, a credibilidade da polícia é muito baixa. O curso de formação da Polícia Militar é muito fragilizado, é um curso rápido e que não prepara os policiais para lidar com um conjunto de situações vividas, além de embebecer os sujeitos em um caldo de preconceito grosso. Então o pobre é sempre o sujeito mais visado das ações policiais de violência e são justamente esses sujeitos que são instrumentos de proteção, mas a polícia não é bem preparada para lidar com isso.

Justamente, para essas pessoas que ela deveria proteger, que são as pessoas mais pobres, a credibilidade da polícia é muito baixa

OitoMeia: Quais os erros e acertos da Polícia Militar do Piauí?

Marcondes Brito: A Polícia Militar do Piauí erra quando ela não prepara os policiais cotidianamente para lidar com questões de conflito, quando ela pensa e forma uma instituição extremamente militarizada. Entre os oficiais, até tem um discurso voltado para Direitos Humanos e Cidadania, mas entre os praças, especificamente os soldados, a ação é ostensiva. Os policiais militares construíram uma noção de que é preciso ser violento para ser respeitado, que polícia que presta é polícia operacional. E o próprio Estado foi fazendo isso, desmontando o “Ronda do Quarteirão”, que seria um modelo de polícia mais comunitária. Ela erra feio quando não consegue punir os sujeitos pelos crimes. Agora, no dia 26 de dezembro, o comandante da PM elaborou uma portaria em que ele se coloca acima da Constituição e que só a Polícia Militar teria competência para investigar crimes da Polícia Militar. Uma ação parecida com essa só foi vista no AI-5. Eu acho que ela tem acertado quando reconhece isso em público, mas, na minha avaliação, os erros são bem maiores que os acertos.

Os policiais militares construíram uma noção de que é preciso ser violento para ser respeitado, que polícia que presta é polícia operacional. E o próprio Estado foi fazendo isso, desmontando o “Ronda do Quarteirão”, que seria um modelo de polícia mais comunitária

OitoMeia: Como você interpreta dois homicídios e um furto de R$ 300 mil dentro do mesmo batalhão da Polícia Militar, em menos de três meses?

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Marcondes Brito: A Polícia Militar do Piauí tem várias fraturas expostas, algumas nunca curadas. Ela ainda tem um histórico de ter uma corregedoria muito frouxa, que não consegue operacionalizar punições para oficiais nem para praças. Na história, é perceptível que o crime organizado surgiu dentro da Polícia Militar e que são notórios os casos de abuso de autoridade, violência e desvio de conduta não penalizados ou silenciados. Isso traz à tona a questão de que, dentro da Polícia Militar, o crime compensa. Você vê o problema da situação expressa quando a própria Polícia tenta explicar o inexplicável. Um exemplo é a ação de sumiço dos R$ 300 mil, não tendo o isolamento da área, não recolhimento pela Polícia Civil. O que esses sujeitos, que são formados pelo CFO, foram fazer levando esse dinheiro para o 5º batalhão?

Na história, é perceptível que o crime organizado surgiu dentro da Polícia Militar e que são notórios os casos de abuso de autoridade, violência e desvio de conduta não penalizados ou silenciados. Isso traz à tona a questão de que, dentro da Polícia Militar, o crime compensa

OitoMeia:O Piauí tem um dos menores efetivos de policiais militares do Brasil, mas o governo alega que a violência no estado é controlada em relação a outras federações. Quais ponderações fazer dessas pesquisas?

Marcondes Brito: O Piauí é um dos estados mais violentos do Brasil. Quando a gente pensa em violência, a gente costuma olhar unicamente para os homicídios. Evidentemente, os homicídios são uma expressão intensa da violência porque são crimes contra a vida e o sistema democrático deve priorizar a vida. No entanto, é o estado com a maior incidência de feminicídio do Brasil, é o estado que mais mata LGBTs e transexuais, é um dos estados de maior incidência de violência contra as mulheres, é um dos estados que mais mata jovens, especificamente negros. Eu coordenei uma pesquisa orientada pelo Banco Mundial onde a gente constatou esses dados. Para o Estado, ele tem que alegar que a situação está sob controle, mas de fato não está. Por que não está? Porque você tem um contingente infinitamente menor do que você tinha.

Os anos passam, a população aumenta e o número de policiais não aumenta na proporção do que deveria ser. Isso vai gerar um conjunto de situações incômodas, como, por exemplo, no interior onde é possível ver muitos policiais assumindo funções de delegados, o que é inconstitucional. Outra coisa que dificulta é que o Piauí nunca teve um plano de Segurança Pública. Em geral, quem dita esse plano é a mídia com os casos que mais repercutem. Menos de 5% dos casos que chegam à polícia brasileira são revolvidos. A Polícia não investiga roubos nem furtos porque não saem na televisão.

É o estado com a maior incidência de feminicídio do Brasil, é o estado que mais mata LGBTs e transexuais, é um dos estados de maior incidência de violência contra as mulheres, é um dos estados que mais mata jovens, especificamente negros

OitoMeia: Ano passado, o Datafolha revelou que 49% dos brasileiros temem a violência vinda dos PMs. Como isso pode refletir no Piauí, num contexto de polêmica com a corporação do estado?

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Marcondes Brito: Você tem uma polícia voltada para proteger os pobres, mas que percebe esses pobres como perigo e que, nessas ações, violenta os pobres. É raro você não conhecer alguém que more na periferia que não presenciou ou viveu uma violência gratuita da polícia. Se esse sujeito for pobre e preto, essa incidência aumenta. A Polícia Militar precisa perceber e melhorar o seu networking junto às populações mais pobres.

OitoMeia: Muitos defendem a desmilitarização da PM. Seria a solução para a Segurança Pública do Brasil?

Marcondes Brito: Eu não sei se a desmilitarização seria a melhor questão para o Brasil, mas sei que ela ajudaria a resolver uma série de coisas. Por exemplo, esse modelo da Polícia Militar é muito arcaico e é hierarquizado e não é operacional. O estado do Ceará, agora, fez uma experiência legal. Há um trabalho conjunto da Polícia Militar com a Civil que eles chamaram de “Distrito Modelo”. Evidentemente, para que haja essa desmilitarização, é necessário que se mexa na Constituição Federal. A Constituição é bem clara no tocante às funções das polícias Militar (operacional) e Civil (investigativa), mas nos “distritos modelos” você tem policiais militares e civis trabalhando juntos, inclusive algumas delas de escopo investigativo. Eu sou um defensor da desmilitarização porque ela é o que está mais próximo do que o sistema classifica como meritocracia. Você não faria concursos para oficiais como se tem hoje, mas você galgaria esse posto pela formação técnica e intelectiva.

Sou um defensor da desmilitarização porque ela é o que está mais próximo do que o sistema classifica como meritocracia

OitoMeia: Quais os rumos para o futuro da Polícia Militar no Piauí e Brasil?

Marcondes Brito: A Constituição Federal rege que toda instituição social precisa de um controle externo e na Polícia Militar isso não é um fato ainda. Quem faz o controle das ações da polícia, hoje, tem sido a mídia, que não tem poder deliberativo, e a corregedoria, que é formada por policiais – ora estão nas ruas e ora estão na corregedoria. Então é necessário que a polícia reveja isso e incorpore os elementos democráticos. No Piauí, nós temos as universidades estadual e federal que poderiam ser instâncias de referências na formação da Polícia, mas que não tem atuado nessa perspectiva por uma série de questões. Para que as ações se tornem reais, elas precisam, além de tudo, serem operacionais. Não adianta você fazer um curso de formação e de Direitos Humanos se isso não é uma prática que a polícia vivencia todos os dias. Aquilo que é teórico tem que se operacionalizar. Nós não vivemos num sistema democrático. A polícia tem a força que tem e faz as aberrações que faz porque ela conta com o apoio da opinião pública. Programas policiais são muito negativos porque legitimam a violência policial como se fossem necessárias e viáveis.

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Não adianta você fazer um curso de formação e de Direitos Humanos se isso não é uma prática que a polícia vivencia todos os dias. Aquilo que é teórico tem que se operacionalizar. Nós não vivemos num sistema democrático

OitoMeia: Mais homens nas ruas, mais armas, viaturas ou mais humanidade?

Marcondes Brito: Segurança Pública não é somente policiamento, mas é um conjunto de políticas culturais, de assistência social. Policiamento é a ponta disso. Se você coloca o policiamento como a única ação de Segurança Pública, você está fadado ao fracasso. Nossos governos e secretarias têm caídos nesse erro. Então, homens nas ruas não significa exatamente mais segurança. Significa que você vai ter uma diminuição em alguns crimes, colocando os policiais em algumas áreas, nem tendo a certeza dessa diminuição porque a criminalidade pode migrar.

Segurança Pública não é somente policiamento, mas é um conjunto de políticas culturais, de assistência social. Policiamento é a ponta disso. Se você coloca o policiamento como a única ação de Segurança Pública, você está fadado ao fracasso

TERESINENSE DIZ TER ‘SAUDADES DA DITADURA MILITAR’

No que diz respeito à Segurança na zona Leste de Teresina, o OitoMeia foi atrás de moradores da região para que depusessem sobre as sensações de criminalidade. Natural de Caxias (MA), a 360 km de São Luís, Alda Vieira, estudante de Engenharia Elétrica da Ufpi relata o quão perigoso é o bairro onde reside a quase um ano, sendo, neste caso, o Ininga. Ela nunca foi vítima, mas já testemunhou um assalto em frente de casa.

Alda Vieira é estudante da Ufpi, moradora da zona Leste e faz críticas à segurança de onde mora, no Ininga (Foto: Reprodução Instagram)

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“Não faz tanto tempo, aconteceu uma situação com uma acadêmica da Ufpi, em que ela foi abordada e espancada porque não tinha nada para dar para o bandido. Na zona Leste é assim: se você tem o que entregar na hora do assalto, tudo bem. Eles pegam o que querem e vão embora. Mas se você não tem, eles te agridem. Esse é o perigo porque não podemos levar celular, computador à universidade, tecnologias necessárias para se estudar”, explica Alda.

Quem também falou à reportagem foi um morador antigo da zona Leste. Com 66 anos, o aposentado José Olímpio, ex-policial militar e ex-funcionário de uma estatal do governo Federal (preferiu não identificar a empresa), relembra os tempos que ele considera tranquilos da ditadura militar. “Naquela época, não tinha bandidagem”, exclama ao lado de um amigo, enquanto ambos tomavam uma cerveja num barzinho localizado no bairro de Fátima.

Com 66 anos, o aposentado José Olímpio relembra “tempos tranquilos” da ditadura militar (Foto: Édrian Santos/OitoMeia)

“Hoje, quando o cabra entra na cadeia, no outro dia está solto. Naquela época, quando o Exército levava, o cabra não saía no outro dia”, continua. Mas as críticas principais de José Olímpio são aos atuais governos, pois, segundo ele, não há investimento em Segurança Pública e polêmicas envolvendo oficiais não deveriam responsabilizar a Polícia Militar, mas sim quem permitiu o acesso de pessoas incompetentes ao cargo de PM.

“Tem dinheiro para tudo, mas cadê o policial na rua, o efetivo que não tem? Isso não é culpa da Polícia, isso é culpa do senhor governador do Estado. Teresina já foi tranquila, mas já está seguindo o mesmo rumo de cidades consideradas violentas do Brasil. A minha mulher foi assaltada na porta de um salão e o cabra colocou um revólver na testa dela e até hoje ninguém sabe quem foi que fez isso”, destaca o aposentado.

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CRIMES INVESTIGADOS

Sobre os abusos cometidos por policiais do 5º BPM, a reportagem entrou em contato com o Comando Geral da Polícia Militar para entender como a instituição apura os ilícitos. No caso Emily, o soldado Aldo Luís Barbosa Dornel foi exonerado na última quinta-feira (11/01) por decreto assinado pelo governador Wellington Dias. Segundo o governo, o PM exercia a função em decorrência de uma liminar.

Ao todo, cinco policiais foram detidos no final por condutas ilícitas no 5º BPM (Foto: Montagem OitoMeia)

Alisson Wattson, acusado de matar a estudante Camilla Abreu, segue no presídio militar, mas ainda não foi expulso da corporação. Embora preso, ele ainda recebe salário de capitão. A assessoria de comunicação do Comando Geral informa que o processo parou por conta do recesso de fim de ano do Judiciário. A respeito do sumiço de R$ 300 mil, a investigação segue por meio do Inquérito da Polícia Militar (IPM), tendo o tenente-coronel John Feitosa à frente do caso – dois PM foram presos e o comandante e o subcomandante do 5º BPM foram afastados.

Fonte : Oito meia | Fotos : reprodução

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