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Estreia do filme ‘Uma mulher chamada Esperança’ é marcada por homenagens e emoção em Picos
Alegria, saudade, um misto de sentimentos e emoções contagiaram mais de 200 pessoas que assistiram ao filme “Uma mulher chamada Esperança”. Dedicado ao ativista cultural, saudoso ator Sávio Barão, a estreia da obra foi exibida na noite desta quinta-feira, 11 de novembro, no auditório da Associação Comercial e Industrial de Picos.
O filme do diretor, cineasta piauiense, Flávio Guedes, narra a sofrida vida da escravizada Esperança Garcia vivida pela atriz picoense Ruthe Barão, juntamente com sua família e demais escravizados da Fazenda Poções no Piauí, nos idos do século XVIII, entre os anos de 1760 e 1770. No cenário da obra estão lugares como a sede do Museu Neno (Do Homem Rural Nordestino), situado no povoado Lagoa Grande, zona rural de Bocaina-PI. Dentre outros, a casa do político piauiense Coelho Rodrigues (in memoriam).
Casada, Esperança Garcia sem seu marido Inácio interpretado pelo ator oeirense Lameck Valentim, foi transferida da Fazenda Algodões – de onde vivia desde a infância – pelo capitão Antônio Vieira, que era o administrador da Fazenda Poções. Com ela apenas os filhos puderam ir junto.
O ator Lameck que faz o papel de Inácio descreve que no filme, sua esposa era uma mulher determinada. “Não se acovardou e não temeu a denunciar os maus-tratos a que foi submetida quando foi levada para a fazenda. Ela é uma mulher que representa a força da mulher negra e do negro no Brasil”.
A relação entre marido e mulher – Inácio e Esperança – descrita pelo ator Lameck era “aquele marido cuidadoso. Ele cuidava bem da Esperança e mantinha sob seus cuidados”.
Capitão Antônio Vieira interpretado pelo ator e diretor oeirense Flávio Guedes, durante as primeiras visitas na fazenda Algodão, se agradou de Esperança pelo seus dotes culinários e também por ser um mulher formosa. Do agrado do capitão, com ‘ancas interessantes’, Esperança Garcia, assim como as outras mulheres escravizadas sofreu por várias vezes, tentativas de abuso sexual.
O diferencial da mulher que ora mais tarde vinha a escrever uma carta, era resistir com bravura às violentas tentativas por seu Senhor. Em uma dessas, acompanhadas com agressões e tapas, Esperança Garcia que carregava em seu íntimo o respeito e a fidelidade a seu marido Inácio, resistindo ao desejo de seu capitão pela conjunção carnal, aplicou uma forte mordida na face de seu carrasco, vindo a fugir para outro território da fazenda.
O filme “Uma mulher chamada Esperança” retrata os mais humilhantes atos, proferimento de palavras com rancor e intimidação, autoritarismo e formas de tratamento e castigo com os escravizados que banhados de sangue, tinham a certeza de que da desobediência vinha o açoite por chicotes.
Os terreiros, a cultura negra, repercutia de forma incisiva nas escuras noites piauienses, nos idos de 1760 a 1770 aproximadamente. Os costumes da época foram levados de geração em geração, vividos hoje, em diversas partes do Sertão Nordestino, o que comprova o quão ainda é viva a cultura ancestral – Afro – que se difunde no povo brasileiro.
A ausência e a resistência de Esperança, simbolo de luta para que os direitos se igualassem, causavam muitos incômodos, o que para ele capitão Antônio Vieira, era uma verdadeira afronta.
Enquanto mulheres negras, conhecedoras da iniquidade de seus capitães, tentavam aconselhar a jovem recém-chegada a ceder aos desejos, Esperança relutava com a palavras “Eu sou uma mulher casada temente a deus” e “Não há ferida maior do que a da alma”.
“Ela é uma criada por Jesuítas. Tem a sua fé dos deuses africanos que aprendeu com seu esposo. Um mulher casada, mãe de família que não cede de jeito nenhum. É uma relação muito agressiva, muito dominadora e assediadora”, narra Flávio.
Em outro momento que resistiu de forma brusca à vontade carnal de seu senhor, como punição Esperança foi açoitada com 80 chibatadas. O capitão Antônio Vieira ordenou ao capitão-do-mato que deixasse ela padecer durante toda madrugada amarrada no tronco, cenário do castigo, e só fosse retirada ao amanhecer.
Com os estigmas dos açoites, ainda na carne viva, Esperança decidiu escrever uma carta. Gracía – personagem interpretado por Durvalina Mendes – vendo a vontade de Esperança em escrever uma carta narrando os maus-tratos sofridos por ela e seus filhos, foi uma das escravizadas que intermediou o acesso às escrituras. Com papel e pena, Esperança narrou os mais absurdos castigos cometidos pelos brancos em uma petição.
Durvalina Mendes narra como Gracía conseguiu papel e caneta para Esperança escrever a carta. “Gracía conseguiu roubar o pergaminho, tinteiro para que Esperança escrevesse essa carta”, disse Durvalina. “Gracía era escravizada que fazia comida e ficou com ciúmes quando Esperança Garcia chegou lá”, contou a atriz.
Somente 247 anos depois a OAB-PI através da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra considerou Esperança como sendo a primeira advogada negra do Piaui.
O dia 06 de setembro, foi instituído por lei como Dia Estadual da Consciência Negra no Piauí. A data representa o dia em que Esperança Garcia enviou a carta ao governador da Província reivindicando os direitos com melhores condições de vida aos negros que eram escravizados.
Na época as fazendas Algodão e Guaribas eram as que tinham mais pessoas escravizadas.
DEDICATÓRIA
Ao final da exibição do filme foi a ocasião de dedicatória da obra cinematográfica ao ativista cultural, Sávio Barão (in memoriam), ator, símbolo da cultura negra picoense. O momento foi marcado de bastante emoção por parte do elenco e dos telespectadores.
Presente no auditório, a filha de Sávio, Regina Barão, atriz que interpreta o papel de mulher escravizada no filme. Sem nome na trama, era uma das que conviveram com Esperança na época do casamento com Inácio.
Representando também o pai que foi homenageado, Regina revelou que “é extremamente emocionante, importante, e especial para mim porque foi a última atuação e produção dele. A história da arte e cultura picoense, é Sávio Barão vivo. O filme inteiro em si é a representação dele. Todos os filmes que vierem posteriormente serão em nome dele. A alma e a essência dele vai estar presente. Assistir essa última atuação dele é inenarrável”.
Quem tamb´´em falou sobre a dedicatória foi Ruthe Barão, filha de Sávio Barão. Sávio integrou o elenco do filme como roteirista entre outras funções.
“Para mim é uma honra imensurável. Uma emoção muito grande. Foi o último trabalho cinematográfico em que trabalhamos com meu pai. Sávio Barão ele é vivo dentro de mim, corre seu sangue nas minhas veias. O Flávio Guedes dedica a ele que está presente em tudo: na produção, atua no filme […] vamos fazer jus a um pouco da memória do tanto que ele significou na cidade para a arte e para cultura picoense”.
Ruthe contracenou com Flávio Guedes. “Contracenar com o Flávio Guedes que é um ator que eu vi desde quando eu era criança, é uma honra muito grande. Dividir o palco e as telas com ele é uma honra imensurável, maravilhosa”, declarou a atriz.
Ao final do filme foi exibido tamb´ém momentos em que o saudoso Sávio Barão narra episódios da vida cotidiana e revela que foi vítima do preconceito imposto pela sociedade por causa da cor.
Para a ativista cultural, atriz Marli Veloso, o filme traz uma discussão necessária para a atual conjuntura e entendimento do processo de formação da sociedade brasileira.
“Nem escrava e nem escravizada. O título do filme faz referência a uma mulher. Não mais vista como objeto, e sim sujeito da sua própria história […] temos um filme político e popular no qual o contexto social e histórico é muito importante […] rico em vários aspectos: componente sonoro, diálogos, música, a montagem do filme tem um cuidado estético muito grande […] o resultado que tivemos é fruto de grandes profissionais […] a Ruthe constrói a personagem com muita força histórica e traz uma emoção para nós muito grande”, revelou destacando todos os aspectos do filme envolvendo música, fotografia, figurino, iluminação entre outros.
“O cinema brasileiro tem grandes produções históricas e esse filme do Flávio Guedes é um documentário importantíssimo […]”, concluiu a ativista cultural Marli Veloso.
No lançamento do filme, o secretário de Cultura de Picos, Marcelo Nordeste, esteve presente.
Indagado sobre os novos olhares direcionados à apoiar a cultura, ele disse que é necessário sim, as gestões, tanto municipal quanto estadual e federal, apoiar e incentivar para que momentos com esse venham a acontecer.
“Na gestão do prefeito Gil Paraibano temos que ter um olhar mais sensível para isso e de alguma forma fomentarmos e incentivar situações como essa, estreitar os laços com os atores e pessoas que promovem a cultura para que possamos trazer demandas e executar junto com ajuda do estado, bem como do governo federal para que momentos como estes possam ser contínuos”, frisou.
“´Picos e os atores picoenses estão de parabéns, todo o elenco, direção. Ficamos muito orgulhosos em participar de maneira direta ou indireta de momentos como esse”, concluiu o secretário de Cultura de Picos.
PRÓXIMAS EXIBIÇÕES
As próximas exibições do filme “Uma mulher chamada Esperança” acontecem entre os dias 18 e 24 em Teresina. Em Vila Nova do Piauí será exibido no dia 26. Na cidade de Oeiras acontece nos dias 27 e 28. Todas as datas são do corrente mês de novembro.
Na ocasião estiveram presentes diversas autoridades e personalidades picoenses e de cidades da região como: a ativista cultural, professora Marli Veloso; o jornalista Iago Sousa e o influencer digital Júllio Brunno; a equipe do Museu Neno de Bocaina; o secretário de Cultura de Picos, Marcelo Nordeste; o elenco do filme; a advogada e professora, Núbia Rocha, que é membro da Sociedade Amigos da Biblioteca de Vila Nova do Piauí; o músico Edilson Mangueira e dona Inês Guedes (pais do cineasta Flávio Guedes), dentre outros.
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