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Em Jaicós, famílias trabalham no lixão para garantir sobrevivência. Veja relatos!

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O sol quente arde na pele, o ar é insuportável, devido ao mau cheiro que vem do lixo, de cadáveres de animais, dos gases provenientes da decomposição de produtos descartados. Montanhas de lixo, barracos improvisados, poeira, fumaça e uma grande quantidade de urubus são os elementos que marcam a paisagem do local.

As condições desumanas e insalubres, porém, não impedem a presença de homens, mulheres e idosos, que todos os dias reviram as pilhas de lixo em busca da sobrevivência, em um rotina que retrata a situação de exclusão social que, infelizmente, muitas pessoas vivenciam.

O lixão de Jaicós, que fica na localidade Flamengo, a poucos quilômetros da sede do município, é o local de onde cerca de 30 pessoas tiram o sustento da família. O que para muitos não tem valor e vai para o lixo, é o que garante um pouco de esperança e comida na mesa dessas famílias.

A reportagem do portal Cidades na Net, em duas visitas realizadas ao lixão, nos dias 13 e 19 de novembro, conheceu a realidade dessas famílias e pôde sentir na pele um pouco do que elas são obrigadas a enfrentar diariamente. Nas poucas horas que estivemos no local, já sentimos o clima pesado, de luta e sofrimento, o forte odor presente em todo o local, o sol escaldante.

No primeiro dia, conhecemos a idosa Luciana Joana da Conceição, 68 anos de idade, que há mais de 20 anos trabalha no lixão. Ela conta que é aposentada, mas que o dinheiro não dá e que também trabalha para ajudar os filhos. “Trabalho aqui dentro desse “lixinho” há mais de 20 anos minha filhinha. Moro com o meu filho mais novo, o Elismar. Eu sou aposentada, mas não como nada sem meus filhos, quando vejo eles sem nada divido com eles. O dinheiro é pouco, não dá. Tenho um empréstimo que fiz para levantar um barraquinho e aí já diminui, já vem descontado” relatou.

Ela disse que ganha pouco, mas já é uma ajuda. “Está com tempo que enfrentamos isso, aqui trabalham muitos e temos que trabalhar até o dia que Deus quiser. O que a gente ganha aqui é pouquinho, porque você sabe, coisinha de lixo eles não compram por um preço bom. Às vezes faço 60, 100 “conto”, mas tudo já ajuda né” disse.

Dona Luciana nos recebeu de braços abertos e disse que é um prazer falar com quem enxerga as pessoas em meio ao lixo. “Para mim vale muito coisa, é com todo prazer que falo com quem enxerga a gente dentro de um lixo desse. A gente tem que falar com quem entende, quem sabe assim pode vir coisa boa e só quem ganha é quem tem coragem de falar.  Aqui a gente pega nas sacolas para rasgar, pega no lixo, mas o dinheiro que vem é limpinho. Um dia vou sair daqui, em nome de Jesus, essa fé em Deus eu tenho e nos filhos de Deus” finalizou ela.

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Outras duas mulheres que estavam no local não aceitaram ser entrevistadas e fotografadas. Elas, ao contrário de dona Luciana, estão desacreditadas, dizem que já falaram muito, mas nunca apareceu uma ajuda.

Francisco Vieira de Sousa, 54 anos, marido de uma delas e pai de quatro filhos, trabalha há 3 anos no lixão. “São 4 filhos e a mulher. Não tem outra alternativa, então trabalho só aqui no lixão. Sou obrigado a trabalhar aqui para sustentar a família porque não tem outro emprego, batalhamos muito aqui para ganhar o pão de cada dia. As coisas são difíceis, o serviço não é bom, mas o “caba” vai fazer o que?. Se não trabalhar morre de fome, eu não vou roubar, então tenho que trabalhar” disse.

Ele falou das dificuldades no trabalho e que o sonho é sair do lixão. “O mais ruim é que a gente pega em muita coisa nojenta, fedorenta. O sol é muito quente, ás vezes a gente se corta em vidro. Meu sonho era sair daqui, aqui é muito arriscado, trabalho aqui por que não tem outro apelo” disse.

Segundo ele, do valor que ganha não dá para ficar com nada. “Por mês a gente faz 500, 600, é muito sofrido, mas a gente faz. Desse dinheiro não para ficar com nada, quando a gente vai fazer uma compra é 600, 700, ainda fica é devendo, dá para comer “na marra”, é fraco demais” finalizou.

Após conversar com Francisco Vieira, abordamos outros três homens que descansavam um pouco em uma barraca improvisada no topo de uma montanha de lixo, mas antes de iniciarmos a entrevista, um caminhão trazendo resíduos chegou ao local. Nessa hora, registramos o triste momento em que eles descarregam o caminhão e em seguida, sem utilizar nenhum equipamento de proteção, vasculham todo o lixo. As mãos de dona Luciana, já enrugadas e com sinais de quem muito lutou, ao entrar em contato com o lixo, ganham mais uma marca, a da sujeira presente em meio aos resíduos. Com esse cena impregnada na mente, nos despedimos e saímos, prometendo voltar mais uma vez.

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Passados cinco dias, voltamos, era a segunda-feira (19). Desta vez, chegamos no fim da tarde. Fomos recebidos pelas mesmas mulheres que não aceitaram serem entrevistas na primeira ocasião, mas desta vez, o clima já era diferente. Elas conversaram, falaram um pouco de suas lutas. E nós, guardamos aquela conversa conosco.

Seguindo em frente, conversamos com Francisco José. Há mais de três anos em atividade no lixão, ao lado da esposa, ele trabalha para ajudar no sustento de uma casa onde residem dez pessoas. “Na cidade não tem serviço, aí a gente tem que apelar, ou trabalha ou passa fome, necessidade. Na minha casa são 10 pessoas, porque são duas famílias, eu tenho dois filhos e minha mulher três e tem ainda irmãos e primos. São dez pessoas para sustentar com o que tiramos daqui, tem o cartão, mas não dá para nada e ainda estão é cortando os cartões. Antes eu trabalhava enchendo caminhão pesado, mas depois de 15 anos trabalhando nisso tive que sair porque a coluna não resistia mais.” explicou.

Sobre a rotina de trabalho, Francisco disse que é muito pesada. “A rotina é pesada, não é todo mundo que aguenta. A quentura é grande, descarregar os carros é pesado, é uma correria difícil. A gente chega às 07, sai às 11 para almoçar e volta de duas e meia para três horas da tarde. E ainda hoje também enfrento problema de saúde, tem dia que tenho que tomar remédio para vir para cá” disse.

A companheira de Francisco também não quis ceder entrevista, mas esteve o tempo todo sentada ao lado dele, ouvindo os relatos. Ele, concluiu dizendo: “Já pensei em desistir daqui, mas não desisti, segui em gente. Se desistir as coisas pioram, quem tem filho para dar comida tem que trabalhar, senão vai para a cadeia ou algo pior. O dinheiro não dá, mas sempre Deus ajuda, chega uma mão do lado, outra do outro, e a gente vai vivendo. Porque nem sempre é o dinheiro que faz você resolver os problemas, tem coisa que precisa ter Deus pelo meio, senão, não resolve nunca. E gente até sonha em sair daqui, mas o difícil é acontecer”.

Novamente encontramos dona Luciana, que estava terminando de coletar alguns resíduos. Indo ao seu encontro, ela nos convidou para ir até o pequeno barraco onde ela descansa e nós a acompanhamos. Demonstrando mais uma vez uma fé enorme, ao chegar no barraco, ela levantou as mãos para o céu e agradeceu pelo dia de trabalho.

A última pessoa com quem conversamos foi Valdir Alves de Figueiredo, filho de dona Luciana. Inicialmente, ele se mostrou indiferente, disse que não queria falar, mas depois se convenceu e contou sobre sua rotina. Valdir não fica no lixão, ele trabalha juntando lixo pelas ruas de Jaicós e Massapê do PI.

“Trabalho juntando alumínio, ferro, garrafa, sacola, todo tipo de reciclagem. Ando Jaicós todo, nas ruas, detrás dos muros e também em Massapê, no lixão de lá. Já tem uns dois anos que trabalho assim. Porque aqui não tem outro serviço, se tivesse era bom demais. Mas a gente espera uma hora sair desse serviço, porque aqui é devagar, só ganha mesmo para comer.”

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Ele disse que a família se arrisca no trabalho por não ter opção. “A pessoa não tendo outro serviço se arrisca trabalhar nisso aí, porque se você ficar parado passa fome e trabalhando nisso lixo pelo menos a gente ganha 200, 300, ás vezes quando a semana é boa ganha 400 reais”.

Ele ainda explicou como funciona a venda do material coletado. “Aqui tem dois compradores, um de Paulistana e outro de Araripina. Todo sábado eles vem. Compram alumínio a três reais, sacolas a 70 centavos o quilo, litros a 10 centavos cada, ferro a 20 centavos, aí quando a gente mistura uma coisa e outra consegue fazer alguma coisinha” explicou.

Valdir já trabalhou na safra em Matão e disse que espera em breve ter condições de viajar em busca de um trabalho mais digno. “Já morei 20 anos em São Paulo, 11 em Matão, tenho um bom tempo de registro. Estou esperando daqui uns dias a gente poder sair para arrumar emprego em outro “canto”, Matão ou São Paulo”. Meu desejo era ficar na minha cidade, mas não tem serviço” disse.

Valdir e a esposa já trabalharam também no lixão de Padre Marcos. “Já trabalhamos em Padre Marcos dois meses. A gente ficava no lixão mesmo, cozinhava lá, como não tem muita gente, conseguíamos fazer 400, 500 reais lá, mas aí um irmão meu morreu lá no lixão e desde então não voltamos mais para lá. No tempo, nem perícia fizeram para saber a causa da morte, não sei se foi infecção ou outra coisa” finalizou.

Após encerrar a entrevista ainda conversamos com Valdir e sua família. Lá mesmo, uma das mulheres acendeu uma pequena fogueira, fez um café e nos ofereceu. Embalados pela conversa, quando percebemos já estava escuro. Então, agradecemos, mais uma vez nos despedimos e fomos embora levando uma experiência de vida e a esperança de alguma forma poder ajudar aquelas pessoas.

 

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