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Macacos-prego do Piauí podem ajudar em pesquisas sobre evolução humana

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A Folha de São Paulo publicou reportagem ontem (19) sobre o hábito dos macacos-prego do Piauí, mais precisamente da área da Serra da Capivara. Os animais costumam bater pedra com pedra e formam “ferramentas” afiadas, que ajudam na obtenção de alimentos, mas isso pode indicar que os primeiros homens da era da “pedra lascada” também o fizeram por acaso, e não como um sinal da evolução. A reportagem fala ainda da incrível coincidência de a descoberta ter acontecido no Parque que abriga as pinturas rupestres que apontam para os primeiros indícios do homem nas Américas. Além disso, alerta para o risco de uma nova crise financeira no local.

De acordo com a publicação, a descoberta foi feita por um time de pesquisadores do Brasil e do Reino Unido, e pode significar que os arqueólogos precisam ter cuidado extra na hora de atribuir função de ferramenta às pedras de sítios arqueológicos da África –afinal, elas podem ter adquirido seu formato peculiar por acaso, e não porque algum hominídeo (antepassado do ser humano) sabia o que estava fazendo quando as lascaram.

“De quebra, as observações feitas no Parque Nacional Serra da Capivara sugerem ainda, se a analogia com os macacos-pregos for válida, que a fabricação de instrumentos de pedra entre os ancestrais da humanidade pode ter começado de forma igualmente casual, tendo virado um comportamento proposital só mais tarde”, diz a reportagem.

O etólogo (especialista em comportamento animal) Eduardo Ottoni, do Instituto de Psicologia da USP, falou à Folha e disse o seguinte: “É uma explicação mais parcimoniosa do que aquela coisa meio ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’, de que um belo dia um hominídeo simplesmente teve o insight de que era possível produzir uma lâmina batendo uma pedra na outra”.

Tiago Falótico, pós-doutorando da USP que virá a campo estudar os primatas piauienses, disse ainda: “Você pode imaginar que essas lascas primeiro foram produzidas acidentalmente e só depois passaram a ser usadas”.

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De acordo com a Folha, Ottoni e Falótico são coautores de um novo estudo sobre os bichos que está saindo na revista científica “Nature”. Também assinam a pesquisa arqueólogos da Universidade de Oxford liderados por Michael Haslam.

CAIXA DE FERRAMENTAS

A publicação fala ainda sobre outras ferramentas usadas por primatas do Parque e de outros locais, em especial da Áfria e da Ásia. Leia abaixo:

Os macacos-pregos do parque (bem como, em menor grau, outras populações da espécie no cerrado e na caatinga) já são famosos por seu kit relativamente vasto de ferramentas. Junto com os chimpanzés africanos e os cinomolgos do Sudeste Asiático, eles são os únicos primatas (com exceção do ser humano, óbvio) a dominar o uso de instrumentos de pedra.

Quebrar coquinhos para obter seu nutritivo conteúdo é a principal técnica empregada pelos símios – no caso, envolvendo uma combinação de “martelo” e “bigorna” (ou seja, uma pedra menor usada para bater no coquinho, o qual é apoiado sobre uma pedra maior ou uma raiz dura, que serve de bigorna).

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A situação recém-descrita é um pouco diferente. Os macacos seguram uma pedra (o “martelo ativo”) e batem em outra (o “martelo passivo”), que normalmente está presa a um conglomerado de seixos. “Essa terminologia é coisa dos arqueólogos, eu não a conhecia antes desse trabalho. Como não tem nada equivalente ao coquinho em cima da segunda pedra, ela é chamada de martelo passivo”, conta Falótico.

Às vezes, parece que o objetivo das pancadas é desprender o seixo do conglomerado de pedras, para poder usá-lo mais tarde. No entanto, é comum que isso não aconteça, e os macacos-pregos se limitam a ficar cheirando e lambendo o pó que se desprende das pedras que sofrem percussão. Os pesquisadores conjecturam que a prática talvez dê aos bichos acesso a líquens ou a minerais das pedras que poderiam ter função de nutriente, mas a hipótese ainda precisa ser avaliada mais a fundo.

Já seria um fenômeno suficientemente esquisito se o subproduto das pancadas não fossem lascas praticamente indistinguíveis das associadas aos primeiros fabricantes de ferramentas da linhagem humana (criaturas que podem ter sido australopitecos ou membros arcaicos do nosso próprio gênero, o Homo).

“Sem a colaboração com os arqueólogos, nunca cairia a nossa ficha de que era uma coisa alarmante o fato de que essas lascas estavam sendo produzidas, porque a ideia que prevalecia até então era que elas jamais poderiam aparecer por acidente”, conta Ottoni. Curiosamente, os macacos até chegam a pegar a lasca recém-produzida, colocá-la entre uma pedra e outra e bater novamente nela, um processo que, entre os hominídeos, parece ter servido para refinar o gume do instrumento.

Por incrível que pareça, a região também é lar de um dos mais importantes complexos pré-históricos da América do Sul, com majestosas pinturas rupestres e ferramentas de pedra de milhares de anos.

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Algumas delas tiveram sua idade estimada em 50 mil anos ou mais, datas que a maioria dos arqueólogos mundo afora não aceita, por não se encaixarem com os demais dados sobre a chegada do homem às Américas. Poderiam ser ferramentas “acidentais” de macacos-pregos?

“A gente ainda não chegou a mostrar para os arqueólogos que trabalham com os instrumentos associados a humanos”, conta Falótico. “As pedras que analisamos estão entre os maiores instrumentos usados pelos macacos e até poderiam ser confundidas com as usadas por pessoas. Seria uma comparação interessante.”

Consagrado tanto nas publicações científicas quanto em documentários sobre vida selvagem da rede britânica BBC, o Parque Nacional Serra da Capivara continua sofrendo com a falta de verbas do governo federal, conta Falótico.

“Para fazer pesquisa, neste momento até que está OK. Tenho acesso ao parque e as guaritas principais estão com funcionários. Mas se não chegarem mais verbas nos próximos meses há o perigo real de a situação voltar a ficar caótica, como aconteceu em agosto.”

Cidade Verde

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